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Seca extrema derruba produtividade de cana e usinas antecipam colheita

Levantamentos indicam queda de produtividade e impacto de perdas

Guil­herme Jerony­mo — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 30/10/2024 — 09:02
São Paulo
Plantação de cana-de-açúcar, usada para produzir açúcar e etanol
Repro­dução: © Arquivo/Elza Fiúza/ABr

Lev­an­ta­men­to da empre­sa Cen­tro de Tec­nolo­gia Canavieira (CTC) indi­cou que­da de pro­du­tivi­dade por hectare na cana-de-açú­car col­hi­da na região cen­tro-sul do país, com média de 69,7 toneladas por hectare (t/ha) em setem­bro de 2024, em relação ao mes­mo mês de 2023, quan­do hou­ve média de 83,4 t/ha. Nes­ta sem­ana, a enti­dade patronal União da Indús­tria de Cana-de-açú­car e Biotec­nolo­gia (UNICA) apon­tou adi­anta­men­to da col­hei­ta no esta­do, com 12 unidades final­izan­do a moagem até a segun­da quinzena de out­ubro. No mes­mo perío­do da safra ante­ri­or, qua­tro usi­nas havi­am con­cluí­do a moagem.

A empre­sa, que faz mon­i­tora­men­to para o desen­volvi­men­to de tec­nolo­gias no setor, obser­vou gan­ho dis­cre­to na qual­i­dade da matéria-pri­ma por meio da medição de Açú­car Total Recu­peráv­el (ATR) na safra, ligeira­mente aci­ma em 2024, com 136,71 kg por tonela­da de cana col­hi­da. A UNICA obser­vou mel­ho­ria mais acel­er­a­da entre seus asso­ci­a­dos, com 160,30 kg de ATR por tonela­da de cana-de-açú­car este ano con­tra 149,84 kg por tonela­da na safra 2023/2024 – vari­ação pos­i­ti­va de 6,98%. No acu­mu­la­do da safra, o indi­cador foi de 142,23 kg de ATR por tonela­da, alta de 1,03% em relação ao mes­mo perío­do no ano pas­sa­do.

A UNICA infor­mou que oper­aram na primeira quinzena de out­ubro 255 unidades pro­du­toras na região cen­tro-sul, sendo 236 unidades com proces­sa­men­to de cana, nove empre­sas que fab­ri­cam etanol a par­tir do mil­ho e dez usi­nas flex. No mes­mo perío­do, na safra 23/24, oper­aram 259 unidades pro­du­toras. A asso­ci­ação mostrou ain­da que, na primeira quinzena de out­ubro, as unidades pro­du­toras da região cen­tro-sul proces­saram 33,83 mil­hões de toneladas, enquan­to na safra ante­ri­or havi­am proces­sa­do 32,93 mil­hões. O aumen­to foi de 2,75%. No acu­mu­la­do da safra 2024/2025 até 16 de out­ubro, a moagem atingiu 538,85 mil­hões de toneladas, 2,36% a mais do que os 526,43 mil­hões de toneladas reg­istra­dos no mes­mo perío­do do ciclo ante­ri­or. Espe­cial­is­tas con­sul­ta­dos pela Agên­cia Brasil atribuíram o aumen­to a um adi­anta­men­to na col­hei­ta, medi­da usa­da para evi­tar per­das maiores na pro­du­tivi­dade.

Diminuição esperada

Segun­do Max­i­m­il­iano Salles Scarpari, pesquisador do Insti­tu­to Agronômi­co (IAC), da Sec­re­taria de Agri­cul­tura e Abastec­i­men­to do Esta­do de São Paulo, o mon­i­tora­men­to real­iza­do pelo pro­je­to Pre­vCli­maCana, do qual par­tic­i­pa, indi­ca­va resul­ta­do abaixo de 2023 já no primeiro trimestre. Ele desta­cou que o déficit já era anor­mal des­de dezem­bro de 2023 e se acen­tu­ou no perío­do entre março e out­ubro de 2024, sendo o mais lon­go medi­do pelo IAC des­de 1934, quan­do começou a série do insti­tu­to. Como o ano de 2023 teve boa ofer­ta hídri­ca e uma relação alta de tonela­da de cana por hectare, a que­bra de safra ficou mais evi­dente ain­da com a seca extrema deste ano.

Max­i­m­il­iano expli­cou que o aumen­to da moagem é uma estraté­gia comum do setor, que ade­qua a col­hei­ta para aproveitar o momen­to mais favoráv­el, alteran­do o plane­ja­men­to den­tro da safra. “As usi­nas vão ante­ci­pan­do áreas, e o rendi­men­to da col­hei­ta den­tro da safra foi bom. Para o futuro, a tendên­cia é que terão mais tem­po para se preparar para a próx­i­ma safra, com manutenção de equipa­men­tos de col­hei­ta e moagem”, afir­mou o pesquisador, desta­can­do que a manutenção de um cenário de seca deve levar a uma segun­da safra afe­ta­da, pois a bro­tação, que já começa ago­ra, teve impacto. A exten­são desse dano, porém, só será men­su­ráv­el a par­tir de mea­d­os de dezem­bro próx­i­mo e, de for­ma mais clara, no final do primeiro trimestre de 2025.

“A cana este ano foi prati­ca­mente col­hi­da, por ter sido um ano de déficit hídri­co alto. Pou­cas áreas ain­da não foram col­hi­das, e a tendên­cia é de fechamen­to com t/ha baixo, o que, a depen­der do estoque, pode impactar os preço de açú­car e álcool. Isso não tem como revert­er, mas pode ser ameniza­do com téc­ni­cas de irri­gação”, com­ple­tou Scarpari. Tal estraté­gia, porém, depen­derá de con­cessão de novas out­or­gas de uso de água que, ao menos em São Paulo, têm sido autor­izadas de maneira cri­te­riosa e dan­do prefer­ên­cia ao uso no abastec­i­men­to das cidades. Para os pro­du­tores, acres­cen­ta, uma alter­na­ti­va que tem sido dis­cu­ti­da e mes­mo acon­sel­ha­da é o uso de seguros paramétri­cos pelos pro­du­tores, basea­d­os em critérios de pro­du­tivi­dade, seja na quan­ti­dade (para t/ha) ou qual­i­dade (para ATR). Essa medi­da ameni­zou o impacto, prin­ci­pal­mente frente às queimadas, às quais o setor atribuiu impacto da ordem de R$ 1 bil­hão em pre­juí­zos neste ano.

Preparação da cana

As var­iedades de cana brasileiras são sele­cionadas para tol­er­ar cenário de seca, segun­do o pesquisador Vini­cius Bufon, da Empre­sa brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embra­pa Meio Ambi­ente). Como mais da metade da pro­dução da matéria-pri­ma ocor­rem em áreas de cer­ra­do ou de tran­sição para cer­ra­do, com chu­vas e esti­a­gens con­cen­tradas e oscilan­do em perío­do de cin­co a sete meses, a plan­ta é bas­tante rús­ti­ca e sobre­vive à intem­périe, mas “sem­pre haverá redução do poten­cial pro­du­ti­vo como con­se­quên­cia. Isso agra­va à medi­da que a pro­dução de cana migra para o cer­ra­do mais inte­ri­or, mas tam­bém nas regiões pro­du­toras tradi­cionais, à medi­da que as mudanças climáti­cas trazem even­tos de seca mais fre­quentes e mais inten­sos”, aler­ta Bufon.

Ele lem­brou que uma seca como a deste ano pode ger­ar per­das ain­da maiores, o que ocor­reu em algu­mas usi­nas acom­pan­hadas, onde se perdeu mais de 15 t/ha entre 2023 e 2024. Há tec­nolo­gias, com apli­cação recomen­da­da para as lavouras, que podem amenizar o cenário, em espe­cial a adoção de irri­gação em parte da pro­dução. “O sis­tema irri­ga­do de pro­dução pode ser ado­ta­do, prin­ci­pal­mente, em duas modal­i­dades. A primeira é a irri­gação de sal­va­men­to, que entre­ga uma úni­ca apli­cação de água, ime­di­ata­mente após a col­hei­ta, de cer­ca de 30 a 60 milímet­ros (mm). Isso cor­re­sponde a aprox­i­mada­mente 4% da deman­da hídri­ca da cul­tura durante uma safra, mas tem grande efeito em garan­tir a bro­tação. A segun­da alter­na­ti­va, chama­da de irri­gação deficitária, ou irri­gação por déficit con­tro­la­do, entre­ga de 20% a 25% da deman­da hídri­ca da cul­tura durante a safra”, defende.

A difer­ença, segun­do o pesquisador, é que o méto­do de irri­gação de sal­va­men­to pode ser ado­ta­do em 30% a 50% da lavoura, espe­cial­mente nos canavi­ais col­hi­dos de maio a setem­bro, perío­do mais seco, enquan­to a téc­ni­ca de irri­gação deficitária pode­ria ser ado­ta­da em 5% a 15% da lavoura, sobre­tu­do nos canavi­ais com solo mais lim­i­tante, mais arenoso, no perío­do de 15 de jul­ho a 15 de setem­bro, his­tori­ca­mente o mais críti­co em regiões de cer­ra­do. “O restante do canavial, de 40% a 70%, pode­ria ficar estri­ta­mente depen­dentes da chu­va, mas col­hi­do nas pon­tas mais úmi­das da safra, de março a maio e de setem­bro a novem­bro”, com­ple­ta.

A Embra­pa não recomen­da o uso de irri­gação ple­na em nen­hu­ma hipótese e sem­pre após análise dos órgãos de con­t­role, o que tem favore­ci­do o recon­hec­i­men­to das téc­ni­cas de pro­dução irri­ga­da como fer­ra­men­ta sus­ten­táv­el mundial­mente. “A pressão infla­cionária vivi­da em cada um dess­es even­tos de seca tende a acel­er­ar o proces­so. E essa expec­ta­ti­va não é só brasileira. O mun­do espera muito do Brasil para suprir a cres­cente deman­da mundi­al por segu­rança ali­men­tar e bio­com­bustíveis, por exem­p­lo. Feliz­mente, temos tec­nolo­gia sus­ten­táv­el para ofer­tar, temos agricul­tores ino­vadores e com­pe­tentes, e esper­amos que o arcabouço de políti­cas públi­cas e lin­has de finan­cia­men­to pos­sam cri­ar estí­mu­los e segu­rança jurídi­ca necessários para o pro­du­tor tomar o risco do inves­ti­men­to que, apen­sar de muito viáv­el, deman­da muito inves­ti­men­to”, recomen­dou Bufon.

As out­or­gas de explo­ração foram sus­pen­sas em alguns perío­dos críti­cos, prin­ci­pal­mente em São Paulo, e a recu­per­ação do nív­el dos poços nos prin­ci­pais aquífer­os não tem ocor­ri­do todos os anos, como desta­cou a reportagem da Agên­cia Brasil.

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