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Seis em 100 mulheres do país enfrentavam extrema pobreza em 2022

Repro­dução: © Arquivo/Agência Brasil

Número é superior ao dos homens


Publicado em 08/03/2024 — 10:03 Por Vitor Abdala e Cristina Índio do Brasil — Repórteres da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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As mul­heres viven­do na extrema pobreza, ou seja, com até R$ 200 por mês, somavam 6,1% da pop­u­lação brasileira em 2022, segun­do dados divul­ga­dos nes­ta sex­ta-feira (8) pelo Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE). O per­centu­al é supe­ri­or ao dos home­ns (5,7%), de acor­do com o insti­tu­to.

Con­sideran­do-se aque­las na pobreza, ou seja, que vivem com menos de R$ 637 por mês, o per­centu­al chega a 32,3%. Nesse recorte de ren­da, a parcela dos home­ns tam­bém é menor (30,9%).

A pobreza sep­a­ra mais negros dos bran­cos do que home­ns de mul­heres. As bran­cas que con­vivem com a extrema pobreza e a pobreza rep­re­sen­tam 3,6% e 21,3% da pop­u­lação fem­i­ni­na dessa cor/raça. Já as negras nes­sa situ­ação são 8% e 41,3% de sua pop­u­lação, ou seja, cer­ca do dobro.

Ess­es são alguns dos dados divul­ga­dos pelo IBGE, em pub­li­cação espe­cial para o Dia Inter­na­cional da Mul­her, cel­e­bra­do em 8 de março. O lev­an­ta­men­to mostra, por exem­p­lo, que o rendi­men­to rece­bido pelas mul­heres equiv­ale a 78,9% dos home­ns. A desigual­dade aumen­ta com a idade, pas­san­do de 87,9% na faixa de 14 a 29 anos para 65,9% para 60 anos ou mais.

Entre os profis­sion­ais de ciên­cias e int­elec­tu­ais, o salário das mul­heres rep­re­sen­ta ape­nas 63,3% do que recebem os home­ns.

Entre as mul­heres de 25 a 54 anos, 63,3% estão ocu­padas, enquan­to entre os home­ns da mes­ma faixa etária, a taxa de ocu­pação é de 84,5%. Além do nív­el de ocu­pação menor, as mul­heres inseri­das no mer­ca­do tam­bém pre­cisam enfrentar mais a infor­mal­i­dade (39,6%) do que os home­ns (37,3%).

Com­para­n­do-se a taxa de infor­mal­i­dade das mul­heres pre­tas ou par­das (45,4%) e dos home­ns bran­cos (30,7%), a difer­ença é ain­da maior.

A pre­sença de cri­anças de até 6 anos de idade em casa des­fa­vorece a par­tic­i­pação das mul­heres no mer­ca­do de tra­bal­ho, mas favorece os home­ns. Enquan­to o nív­el de ocu­pação de mul­heres que vivem com cri­anças nes­sa faixa etária cai para 56,6%, o de home­ns sobe para 89%. As pre­tas e par­das nes­sa situ­ação são mais afe­tadas (51,7% de ocu­pação) que as bran­cas (64,2%).

Não são só as cri­anças que impactam o aces­so das mul­heres ao mer­ca­do de tra­bal­ho. A real­iza­ção de afaz­eres domés­ti­cos tam­bém des­fa­vorece esse públi­co.

As mul­heres ded­i­cavam, em média, 21,3 horas sem­anais a afaz­eres domés­ti­cos ou cuida­do de pes­soas, em 2022. Isso rep­re­sen­ta quase o dobro do tem­po que os home­ns gas­tavam nas mes­mas tare­fas (11,7 horas).

“Pede-se para esti­mar o con­jun­to de horas que foram ded­i­cadas naque­la sem­ana de refer­ên­cia [a essas ativi­dades]. A pesquisa per­gun­ta se pre­cisou levar ou bus­car uma cri­ança na esco­la, se aju­dou a faz­er tare­fas de casa, se cuidaram de pes­soas com defi­ciên­cia ou idosos. E pede-se para esti­mar a quan­ti­dade de tem­po que a pes­soa dedi­cou a essas tare­fas”, expli­ca a pesquisado­ra Bár­bara Cobo.

Segun­do ela, des­de 2012 não há mudança sig­ni­fica­ti­va no tem­po ded­i­ca­do por home­ns ou mul­heres nes­sas tare­fas. “A difer­ença entre home­ns e mul­heres diminuiu pouco, con­tin­u­am as mul­heres mais ou menos fazen­do o dobro de horas na sem­ana em tra­bal­ho domés­ti­co não remu­ner­a­do que os home­ns”.

Ain­da segun­do o IBGE, as mul­heres pre­tas ou par­das gas­tavam ain­da mais tem­po (22 horas) que as bran­cas (20,4) nas tare­fas domés­ti­cas ou cuida­do de pes­soas, ou seja, 1,6 hora a mais.

Dupla jornada para elas

O tra­bal­ho domés­ti­co aca­ba rep­re­sen­tan­do dupla jor­na­da para muitas mul­heres que, fora de casa, têm empre­gos remu­ner­a­dos. Soman­do-se o tem­po de tra­bal­ho remu­ner­a­do e não remu­ner­a­do, o públi­co fem­i­ni­no tam­bém tra­bal­ha mais (54,4 horas) do que os home­ns (52,1 horas).

As tare­fas domés­ti­cas tam­bém são um dos motivos que fazem com que mais mul­heres ten­ham que assumir ape­nas tra­bal­hos com car­ga horária menor, os chama­dos tra­bal­hos par­ci­ais. Segun­do o IBGE, 28% da pop­u­lação fem­i­ni­na ocu­pa­da estão em tra­bal­ho par­cial. Entre os home­ns, o per­centu­al é de ape­nas 14,4%.

As pre­tas e par­das têm per­centu­al maior do que as bran­cas, em ter­mos de pop­u­lação ocu­pa­da em tra­bal­hos par­ci­ais: 30,9% ante 24,9%.

“Como o dia só tem 24 horas e as mul­heres se dedicam mais a cuidar dos afaz­eres [domés­ti­cos], sobram menos horas para elas se inserirem no mer­ca­do de tra­bal­ho. Isso é históri­co”, afir­mou Bár­bara.

Luta permanente

A sergi­pana Antô­nia do Per­pé­tuo Socor­ro dos San­tos chegou ao Rio de Janeiro aos 20 anos para ser empre­ga­da domés­ti­ca na casa de um casal em Ipane­ma, na zona sul da cidade. Pas­sa­va o dia inteiro na residên­cia, onde tam­bém dormia de segun­da até a tarde de sába­do, quan­do ia para casa.

Mulheres gastam quase dobro de horas que homens em tarefas de casa. Diarista Antônia do Perpetuo Socorro dos Santos. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Mul­heres gas­tam quase dobro de horas que home­ns em tare­fas de casa. Diarista Antô­nia do Per­petuo Socor­ro dos San­tos. Foto: Arqui­vo Pes­soal — Arqui­vo pes­soal

Já casa­da, pas­sou a tra­bal­har cuidan­do de duas cri­anças em uma casa no bair­ro do Fla­men­go, tam­bém na zona sul. Lá, tam­bém dormia no emprego e só se encon­tra­va com o mari­do, que tra­bal­ha­va em obras, no fim de sem­ana, na comu­nidade de Rio das Pedras, na zona oeste. Quan­do Priscila, a primeira fil­ha, hoje com 39 anos, nasceu, resolveu parar de tra­bal­har. Não lev­ou muito tem­po e aceitou o con­vite feito pela dona da casa para voltar ao serviço. Dois anos depois, se sep­a­rou do mari­do que, con­forme disse, “era muito sem respon­s­abil­i­dade”. A luta aumen­tou e deixou nova­mente o serviço de empre­ga­da domés­ti­ca para começar a tra­bal­har como diarista.

“Nes­sa época, eu mora­va em Cax­i­as. Acor­da­va às 4h30, pega­va o trem, tra­bal­ha­va e volta­va de noite”.

Quan­do a fil­ha com­ple­tou três anos, foi morar na Rocin­ha. A comu­nidade era mais per­to da creche no Jardim Botâni­co, onde Priscila pas­sa­va o dia. “Eu tra­bal­ha­va como diarista. Saía às 6h com ela e volta­va às 18h. Quan­do chega­va, era o perío­do que tin­ha para lavar roupa, arru­mar a casa e preparar a jan­ta para a gente”, disse, ao descr­ev­er a roti­na pesa­da de dupla jor­na­da de muitas mul­heres.

Para reforçar a ren­da, entre 1991 e 1993, arran­jou um emprego de carteira assi­na­da entre segun­da e sex­ta-feira, no Jardim Botâni­co, sendo que na quin­ta, em acor­do com a dona da casa, saía no iní­cio da tarde para um tra­bal­ho de diarista, que se jun­ta­va com out­ra casa no sába­do. Tam­bém lá a fil­ha pas­sa­va o dia todo na esco­la no Humaitá, bair­ro próx­i­mo. “Pre­ci­sei tra­bal­har mais ain­da”, con­tou, rev­e­lando que, pelo perío­do de dez meses, pas­sou a dormir durante a sem­ana na casa para con­seguir jun­tar din­heiro para com­prar uma casa na Rocin­ha.

Em 1997, com Antônio, o segun­do mari­do, teve Yas­min, a fil­ha mais nova. “A batal­ha era a mes­ma. Saía para tra­bal­har. Tin­ha a cor­re­ria porque ela fica­va na creche e tin­ha horário para pegar. Ao chegar em casa, a luta era maior porque tin­ha duas fil­has, mari­do, tin­ha que pas­sar roupa, arru­mar a casa. Aque­la lida de sem­pre”.

Hoje, aos 65 anos, Antô­nia disse que valeu a pena tudo que fez na sua tra­jetória. “Valeu a pena por eu ter me esforça­do tan­to, valeu a pena pelo que fiz pelas min­has fil­has e como criei. Valeu a pena porque con­segui com­prar uma casa. Teve um perío­do em que mor­ei com a Priscila em um quar­to e acordei um dia com três ratazanas que subi­ram pelo vaso. Então, toda essa batal­ha que pas­sei vi resul­ta­do, porque ten­ho a min­ha casa”, com­ple­tou.

O orgul­ho é de ver as fil­has encam­in­hadas na vida. “Min­has fil­has estu­daram. Uma fil­ha é enfer­meira e tem out­ros cur­sos além da enfer­magem. Hoje em dia tra­bal­ha em um hos­pi­tal. A out­ra está se for­man­do em fisioter­apia, mas tem um tra­bal­ho mar­avil­hoso. Tudo que fiz valeu a pena. Todo esforço de acor­dar cedo e dormir tarde, hoje em dia eu colo­co a cabeça no trav­es­seiro e agradeço a Deus por tudo que ten­ho, como agradeço a todas as pes­soas com quem tra­bal­hei que me der­am a maior força”.

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Edição: Graça Adju­to

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