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Sem bilheteria e sem calor humano: pandemia desafia artistas de circo

Circo Teatro Saltimbanco / Divulgação
© Cir­co Teatro Saltim­ban­co / Divul­gação (Repro­dução)

Artistas têm procurado se reinventar para manter renda


Pub­li­ca­do em 27/03/2021 — 07:45 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

Hoje não tem marme­la­da e o pic­a­deiro está vazio. Cel­e­bra­do anual­mente no dia 27 de março, o Dia Nacional do Cir­co não poderá ser fes­te­ja­do como que­ri­am os pal­haços: geran­do risadas de plateias aglom­er­adas e receben­do inten­sos aplau­sos como ret­ribuição. A pan­demia de covid-19 mudou com­ple­ta­mente o cotid­i­ano de quase 10 mil brasileiros que se sus­ten­tavam dos rendi­men­tos obti­dos a par­tir de suas apre­sen­tações debaixo da lona.

“Já vivi out­ros momen­tos com­pli­ca­dos, pois ten­ho uma car­reira de mais de 30 anos. Mas esse é mais desafi­ador porque está cer­ca­do de mui­ta incerteza. Há uma inse­gu­rança, pois pre­cisamos nos rein­ven­tar e não sabe­mos se vamos acer­tar”, diz Jonathan Ceri­co­la, que dá vida ao pal­haço Pão de Ló, per­son­agem cri­a­do orig­i­nal­mente por seu bisavô.

Ceri­co­la começou na ativi­dade aos 7 anos de idade e rep­re­sen­ta a quin­ta ger­ação de artis­tas circens­es da família respon­sáv­el pelo Cir­co Teatro Saltim­ban­co, que pos­sui uma lona fixa em Itaguaí (RJ) e out­ra itin­er­ante que cos­tu­ma­va rodar por municí­pios do esta­do do Rio de Janeiro.

A pan­demia chegou no Brasil em março do ano pas­sa­do. Jonathan Ceri­co­la con­ta que os des­do­bra­men­tos da ráp­i­da propa­gação da doença deixou a todos espan­ta­dos e sem saber o que faz­er no primeiro momen­to. A par­tir do segun­do mês de par­al­isação das ativi­dades, a neces­si­dade de se rein­ven­tar foi fican­do clara para aque­les que depen­dem do cir­co. Um desafio para muitas pes­soas que não se viam, de uma hora pra out­ra, aban­do­nan­do suas ativi­dades como pal­haços, mal­abaris­tas, acro­batas, con­tor­cionistas, equi­lib­ris­tas, ilu­sion­istas e out­ros artis­tas.

Alguns se aven­tu­raram em novos negó­cios, como a ven­da de ali­men­tos e o trans­porte de pas­sageiros. Out­ras apos­taram em levar o pic­a­deiro para a inter­net, como Jonathan. Fecha­do des­de março do ano pas­sa­do, o Cir­co Teatro Saltim­ban­co chegou a retomar apre­sen­tações com públi­co reduzi­do no iní­cio do ano. Não durou muito: um novo agrava­men­to da cur­va de con­tá­gio forçou nova­mente a inter­rupção. Para lidar com a situ­ação, o intér­prete do Pal­haço Pão de Ló tem adap­ta­do apre­sen­tações para as redes soci­ais, usan­do canais no YouTube e no Insta­gram. Emb­o­ra ava­lie que as fer­ra­men­tas vir­tu­ais ofer­eçam algu­mas pos­si­bil­i­dades inter­es­santes, lamen­ta a fal­ta de calor humano.

“No nos­so tra­bal­ho, nós inter­pre­ta­mos o públi­co. Antes do espetácu­lo, eu não sei exata­mente qual esquete eu vou apre­sen­tar. Isso depende do com­por­ta­men­to da plateia. A gente obser­va alguns sinais para sele­cionar a mel­hor esquete den­tro do nos­so repertório”, diz.

Circo Teatro Saltimbanco / Divulgação
Cir­co Teatro Saltim­ban­co / Divul­gação

“A tro­ca é fun­da­men­tal para nos ori­en­tar e tam­bém para nos dar um retorno. Através dela, sabe­mos se o públi­co está gostan­do ou se pre­cisamos mudar a apre­sen­tação de rumo. E, na inter­net, não tem isso. Não tem o riso, o aplau­so, aque­la sen­ho­ra que aper­ta sua mão e te agradece no fim do espetácu­lo. Recebe­mos cur­tidas, comen­tários, mas o calor humano faz fal­ta”, acres­cen­ta Jonathan.

O setor cul­tur­al foi um dos primeiros a sen­tir o impacto da pan­demia. Cin­e­mas, teatros, casas de shows, cir­cos e out­ros espaços volta­dos para a arte ficaram impos­si­bil­i­ta­dos de reunirem públi­co. Um auxílio emer­gen­cial para garan­tir uma ren­da mín­i­ma a artis­tas foi aprova­do no Con­gres­so Nacional em março do ano pas­sa­do. Ele foi pago pelo gov­er­no fed­er­al em nove parce­las entre abril e dezem­bro de 2020: nos primeiros cin­co meses, o val­or era de R$ 600 e, nos out­ros qua­tro, caiu para R$ 300.

Os repass­es foram feitos a maiores de 18 anos sem emprego for­mal e com ren­da infe­ri­or a maio salário mín­i­mo, que não estivessem receben­do bene­fí­cio prev­i­den­ciário ou assis­ten­cial e que ten­ha tido, no ano ante­ri­or, rendi­men­to trib­utáveis abaixo de R$ 28,5 mil. Muitos artis­tas circens­es se enquadravam nes­sas condições. Na sem­ana pas­sa­da, o gov­er­no fed­er­al insti­tu­iu por medi­da pro­visória um novo auxílio de qua­tro parce­las, com val­ores mais baixos, entre R$ 150 e R$ 375, e com pré-req­ui­si­tos novos que reduzi­ram o número de ben­efi­ciários.

Uma ação emer­gen­cial especí­fi­ca para o setor cul­tur­al tam­bém saiu do papel em jun­ho do ano pas­sa­do. Tra­ta-se da Lei 14.070/2020, que ficou con­heci­da como Lei Aldir Blanc em hom­e­nagem ao com­pos­i­tor que fale­ceu dev­i­do a com­pli­cações da covid-19 logo no iní­cio da pan­demia. Artic­u­la­da no Con­gres­so Nacional, ela foi aprova­da com apoio de par­la­mentares da base do gov­er­no e da oposição.

Através dela, a União ficou respon­sáv­el por repas­sar aos esta­dos e municí­pios R$ 3 bil­hões, que pode­ri­am ser empre­ga­dos de difer­entes for­mas: ren­da emer­gen­cial aos artis­tas, sub­sí­dios para manutenção de espaços, empre­sas e insti­tu­ições cul­tur­ais, edi­tais para real­iza­ção de even­tos ou para pro­dução cul­tur­al, entre out­ros.

Jonathan teve aces­so a recur­sos públi­cos do auxílio emer­gen­cial e tam­bém da Lei Aldir Blanc. Segun­do ele, os repass­es são bem infe­ri­ores aos rendi­men­tos que o cir­co daria se estivesse fun­cio­nan­do, mas dão um desafo­go. Porém, man­i­fes­ta pre­ocu­pação com a situ­ação a lon­go pra­zo, sobre­tu­do, pelas exigên­cias do Poder Públi­co.

“A sub­venção nos colo­ca numa situ­ação com­plexa, pois temos que ofer­e­cer uma con­tra­parti­da e temos que prestar con­tas. Então, os mes­mos gov­er­nos que te exigem a con­tra­parti­da são tam­bém os que não dão autor­iza­ção para o fun­ciona­men­to. Imag­ine um cir­co pobre onde está fal­tan­do comi­da. A família quer usar o din­heiro pra se ali­men­tar. Mas não pode, tem que usar esse din­heiro pra com­prar uma lona nova para o cir­co. Isso aju­da em que? Não adi­anta ter din­heiro na con­ta e não ter comi­da na mesa. É emer­gen­cial. Se a situ­ação se pro­lon­gar e não for pos­sív­el reabrir o cir­co, em algum momen­to, o circense vai pre­cis­ar desse din­heiro para sobre­viv­er”, avalia.

Mapeamento dos circos

O Insti­tu­to Pesquisa Econômi­ca Apli­ca­da (Ipea) chegou a divul­gar estu­do onde esti­ma­va que 700 mil pes­soas pode­ri­am ser ben­e­fi­ci­adas pela Lei Aldir Blanc. No meio circense, no entan­to, o aces­so ao recur­so foi restri­to. E, entre quem teve aces­so, relatos como o de Jonathan são comuns.

A Asso­ci­ação Brasileira de Artes, Cul­tura e Diver­sões Itin­er­antes (ABACDI), enti­dade que reúne artis­tas e pro­du­tores cul­tur­ais que atu­am em defe­sa de políti­cas públi­cas para a cul­tura, avalia que há um exces­so de nor­mas impostas pelos gov­er­nos estad­u­ais e munic­i­pais, que tin­ham autono­mia na dis­tribuição dos recur­sos e usaram a lei como se fos­se uma ini­cia­ti­va de fomen­to e não de auxílio emer­gen­cial.

“Vejo mui­ta buro­c­ra­cia na prestação de con­tas, mui­ta exigên­cia absur­da. Se era para aju­dar, dev­e­ria ser uma doação aos artis­tas, nos moldes do auxílio emer­gen­cial. Mas não tem sido assim”, diz Ana Lamen­ha, pres­i­dente da ABACDI.

“Tem dono de cir­co que quan­do pega esse din­heiro já está endi­vi­da­do, com comi­da fal­tan­do na sua mesa e sem condições de pagar salário para sua equipe. Como que ele pega esse din­heiro e não pode resolver ess­es prob­le­mas ime­di­atos? Vai ter que inve­stir só em mate­r­i­al para o cir­co? Pri­or­i­dade é ali­men­tação e o circense é gente como qual­quer um”, com­ple­ta.

Em meio à pan­demia, asso­ci­ações e sindi­catos de todo o país cri­aram um fórum per­ma­nente em prol de políti­cas públi­cas. A aliança, da qual a ABACDI faz parte, con­seguiu tirar do papel uma deman­da anti­ga dos circens­es: um cen­so do cir­co.

mapea­men­to foi pub­li­ca­do em jul­ho do ano pas­sa­do no site da Fun­dação Nacional de Artes (Funarte), que é vin­cu­la­da ao Min­istério da Cidada­nia. Ele lista 651 cir­cos em todo o Brasil, respon­sáv­el por garan­tir sus­ten­to para 9.579 pes­soas. Quase 80% estão con­cen­tra­dos nas regiões Nordeste (271) e Sud­este (248). Foram mapea­d­os ain­da 31 cir­cos no Norte, 31 no Cen­tro-Oeste e 70 no Sul.

“Não são tan­tos cir­cos assim. Se hou­ver boa von­tade, é pos­sív­el ajudá-los”, diz Ana Lamen­ha.

A real­i­dade, porém, não tem sido fácil para boa parte deles. Enquan­to alguns estão enfrentan­do difi­cul­dades para prestar con­tas de recur­sos da Lei Aldir Blanc, a maio­r­ia não con­seguiu sequer ser incluí­do como ben­efi­ciário, por motivos vari­a­dos. Os que con­seguiram recur­sos, terão  pra­zo para prestação de recur­sos ampli­a­do para 31 de dezem­bro, segun­do garan­tiu o secretário de Cul­tura, Mário Frias. O decre­to deve sair na sem­ana que vem,

“Há uma parcela sig­ni­fica­ti­va de tra­bal­hadores do cir­co anal­fa­betos ou semi­anal­fa­betos. E para essas pes­soas, o aces­so ao recur­so é um desafio. A lei exige um pro­je­to que deve ser apre­sen­ta­do online. E tem esta­dos que pedem uma porção de doc­u­men­tos. A pes­soa nem sabe ler, como ela vai faz­er isso tudo?”, ques­tiona Ana Lamen­ha.

Esse, entre­tan­to, não foi o úni­co prob­le­ma que cau­sou a restrição do número de beneficiários.“Teve municí­pio onde o prefeito sim­ples­mente não quis pegar recur­sos da Lei Aldir Blanc, porque não que­ria ter tra­bal­ho com a prestação de con­tas. Out­ras cidades que rece­ber­am a ver­ba não incluíram os tra­bal­hadores do cir­co entre os ben­efi­ciários. É com­pli­ca­do porque a maio­r­ia dos cir­cos é itin­er­ante. Muitos estavam em cidades peque­nas e pobres do inte­ri­or quan­do a pan­demia chegou. E nem sem­pre foram recon­heci­dos como cidadãos pela sec­re­taria de assistên­cia social dess­es municí­pios. O apoio rece­bido var­i­ou muito, depen­den­do de cada prefeitu­ra”, acres­cen­ta.

Circo Teatro Saltimbanco / Divulgação
O uso de apre­sen­tações circens­es como parte de um espetácu­lo que visa o entreten­i­men­to é uma práti­ca que remete à Antigu­idade — Cir­co Teatro Saltim­ban­co / Divul­gação (Repro­dução)

Atividade familiar

O uso de apre­sen­tações circens­es como parte de um espetácu­lo que visa o entreten­i­men­to é uma práti­ca que remete à Antigu­idade. Na sociedade gre­ga, exibições de con­tor­cionis­mo. No Egi­to e na Índia, exis­tem reg­istros históri­cos de pin­turas de mal­abaris­tas. O Império Romano foi respon­sáv­el por erguer are­nas onde mil­hares de pes­soas eram rece­bidas para assi­s­tir cor­ri­das de cav­a­l­os, caça­da de ani­mais, lutas de glad­i­adores, etc.

Mas o cir­co mod­er­no, da for­ma como con­hece­mos, tem origem na Inglater­ra do sécu­lo 18. Ele foi trazi­do para o Brasil por imi­grantes europeus em mea­d­os do sécu­lo 19 e foi pouco a pouco se pop­u­lar­izan­do.

O Dia Nacional do Cir­co foi insti­tuí­do em 1972 e a data remete ao aniver­sário de Abelar­do Pin­to, respon­sáv­el por dar vida ao pal­haço Piolin, que fez muito suces­so na déca­da de 1920 e foi hom­e­nagea­do pelos mod­ernistas na Sem­ana de Arte Mod­er­na.

Como em boa parte do mun­do, a ativi­dade no Brasil gan­hou uma dimen­são famil­iar. O ofí­cio de pal­haço, mal­abarista, acro­ba­ta é ensi­na­do de pai para fil­ho. O cir­co vai assim atrav­es­san­do ger­ações, que dele extraem o sus­ten­to para toda a família, incluin­do idosos e cri­anças. A pan­demia colo­cou um desafio inédi­to para toda essa comu­nidade.

“A vida de cir­co, muitas vezes, já é uma vida sofri­da. Então os artis­tas não se deix­am abater por pouco”, diz Ana Lamen­ha.

Ela avalia que o circense é, geral­mente, um empreende­dor for­ma­do pela própria vida. Mais do que se apre­sen­tar no pic­a­deiro, ele aprende a admin­is­trar o comér­cio de pipoca e de cachor­ro-quente e a orga­ni­zar a bil­hete­ria. Assim, além da cria­tivi­dade iner­ente à sua ativi­dade artís­ti­ca, ele desen­volve uma ver­sa­til­i­dade que tem sido impor­tante durante a pan­demia.

Um doc­u­men­tário finan­cia­do através de edi­tal da Funarte e lança­do no ano pas­sa­do pela ABACDI mostra como alguns artis­tas estão se viran­do: uns venden­do brin­que­dos infan­tis e ali­men­tos na beira do asfal­to, out­ros tra­bal­han­do na con­strução civ­il ou como cuidador de idosos.

“Faço trans­porte de pas­sageiros de uma cidade para out­ra de man­hã e, à tarde, ven­do ovos”, con­ta Edson Oliveira da Con­ceição, o pal­haço Pessebe do Cir­co Fênix, em Jaguaribe (BA).

Mas não é fácil cri­ar, de uma hora para out­ra, novos cam­in­hos para obter ren­da. Sen­sív­el a esse cenário, em deter­mi­na­dos locais, a pop­u­lação das próprias comu­nidades onde eles estão inseri­dos colab­o­raram doan­do ces­ta bási­cas. Algu­mas regiões tam­bém con­tam com a pre­sença da Pas­toral dos Nômades, serviço da Igre­ja Católi­ca orga­ni­za­do para prestar assistên­cia a ciganos e a tra­bal­hadores de cir­cos e par­ques itin­er­antes. Sua ação tem garan­ti­do apoio em situ­ações con­sid­er­adas mais críti­cas.

Coletivo artístico

Um grupo de artis­tas que há anos apos­ta no poder da orga­ni­za­ção cole­ti­va encon­trou cam­in­hos para aju­dar o maior número pos­sív­el de circens­es. O Cir­co no Beco é uma ocu­pação artís­ti­ca que ocorre há 18 anos no Beco do Apren­diz, no bair­ro de Pin­heiros, na cidade de São Paulo. Real­izan­do even­tos que mobi­lizam a pop­u­lação, colo­cam em pau­ta dis­cussões sobre a diver­si­dade cul­tur­al e sobre os efeitos pos­i­tivos da ocu­pação artís­ti­ca dos espaços públi­cos. Não se tra­ta, por­tan­to, de um cir­co tradi­cional com lona e pic­a­deiro, mas de uma artic­u­lação de mais 150 artis­tas que encon­traram na união uma fonte de ren­da.

Entre ess­es artis­tas está Lúcio Maia, ator que ini­ciou sua tra­jetória no teatro em 1989. Em 2007, quan­do se mudou para São Paulo, se sen­tiu abraça­do pelo uni­ver­so do cir­co. Hoje, atua como ator, dire­tor, pal­haço, arte-edu­cador e pro­du­tor. Ele con­ta que, quan­do a pan­demia chegou ao Brasil, o cole­ti­vo esta­va no meio de um fes­ti­val, real­iza­do anual­mente para cel­e­brar o aniver­sário do Cir­co no Beco, que coin­cide com o Dia Nacional do Cir­co.

“Na sex­ta-feira, dia 13 de março, o even­to lotou. Foi uma noite lin­da. No dia seguinte, nota­mos uma forte redução do públi­co. Pare­cia mais um ensaio que um fes­ti­val. E aí a gente foi se aten­tar para as notí­cias da pan­demia. Nota­mos que muitos even­tos estavam sendo can­ce­la­dos e resolve­mos seguir o fluxo. A gente não tin­ha ain­da a com­ple­ta noção do que esta­va acon­te­cen­do. Inter­rompe­mos o fes­ti­val no dia 15. Mas tín­hamos tra­bal­ha­do meses para orga­nizá-lo e ficamos muito frustra­dos. E aí surgiu a ideia do online”.

Do Cir­co no Beco, surgiu o Cir­co na Nuvem, que se des­do­brou em novos pro­je­tos inscritos em edi­tais públi­cos de fomen­to, incluin­do a Lei Aldir Blanc. O mais recente se encer­rou nes­sa sem­ana: a Con­venção na Nuvem. O even­to, todo online, incluiu espetácu­los, ofic­i­nas, work­shops e rodas de con­ver­sa sobre os mais vari­a­dos temas como metodolo­gias pedagóg­i­cas do mal­abaris­mo e o poten­cial de trans­for­mação social do cir­co.

“O pro­je­to ini­cial incluía com­pra de alguns equipa­men­tos. Mas vimos que tin­ham muitos artis­tas pas­san­do difi­cul­dade. Então abri­mos mão dos equipa­men­tos para con­tratar e envolver mais artis­tas. Eram 32 atrações no pro­je­to orig­i­nal e, no fim, ficou com quase 50 atrações. É hora de inve­stir em mate­r­i­al humano”, avalia Lúcio.

Essa per­spec­ti­va tam­bém foi ado­ta­da pelos even­tos já con­sol­i­da­dos. O Fes­ti­val Inter­na­cional de Cir­co de São Paulo (FIC) real­i­zou sua últi­ma edição em dezem­bro de 2020, com um mod­e­lo híbri­do, mesclan­do apre­sen­tações pres­en­ci­ais e online. “Nos­sa primeira pre­ocu­pação foi a de, min­i­ma­mente, con­tribuir e abraçar os profis­sion­ais e rep­re­sen­tantes da pro­dução em cir­co esta­b­ele­ci­dos, em espe­cial, na cidade de São Paulo, sem restringir a par­tic­i­pação de rep­re­sen­tantes de out­ras regiões. Como tal, aumen­ta­mos sig­ni­fica­ti­va­mente o número de ativi­dades e de profis­sion­ais ben­e­fi­ci­a­dos”, infor­ma a orga­ni­za­ção.

Segun­do o site do FIC, mais de 850 artis­tas foram con­tem­pla­dos. As apre­sen­tações sele­cionadas, bem como os debates real­iza­dos, ain­da estão acessíveis ao públi­co. Elas ficarão disponíveis até jun­ho num esforço para ger­ar recon­hec­i­men­to e abrir opor­tu­nidades aos profis­sion­ais envolvi­dos.

Formação presencial

Tenda da Escola Nacional do Circo é desmontanda, na Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro.
Ten­da da Esco­la Nacional do Cir­co é desmon­ta­da, na Praça da Ban­deira, no Rio de Janeiro. — Tomaz Silva/Arquivo Agên­cia Brasil (Repro­dução)

Se os even­tos online podem ofer­e­cer novos cam­in­hos para a capac­i­tação, a crise da pan­demia afe­ta ini­cia­ti­vas tradi­cionais voltadas para a for­mação. A Esco­la Nacional de Cir­co, vin­cu­la­da à Funarte e sedi­a­da no Rio de Janeiro, está fecha­da des­de o iní­cio da pan­demia. Em dezem­bro do ano pas­sa­do, a lona de cir­co foi reti­ra­da do espaço. Recen­te­mente, a Funarte infor­mou que as aulas dos alunos voltari­am em um novo espaço, ain­da não divul­ga­do.

No iní­cio do mês, 38 artis­tas lançaram um abaixo-assi­na­do online pedin­do que as insta­lações da Esco­la Nacional de Cir­co sejam des­ti­nadas à sua função orig­i­nal e que as bol­sas pagas aos estu­dantes sejam man­ti­das. Mais de 15 mil pes­soas já assi­naram. “Dita medi­da, que pega de sur­pre­sa toda a comu­nidade esco­lar e a classe circense, soma-se a um con­tex­to já com­plexo e del­i­ca­do. A fal­ta de plane­ja­men­to pedagógi­co e de definição de pro­to­co­los de enfrenta­men­to à pan­demia para o resta­b­elec­i­men­to das aulas, algo que foi obri­gatório em todas as insti­tu­ições de ensi­no, rev­ela o total descon­hec­i­men­to do papel da Esco­la como insti­tu­ição de ensi­no”, diz o tex­to.

Segun­do a Funarte, a lona foi com­pro­meti­da pelos ven­tos e chu­vas em 2020, razão pela qual será tro­ca­da em meio a out­ras medi­das de revi­tal­iza­ção. Há trata­ti­vas em cur­so com cir­cos da cidade do Rio de Janeiro para a real­iza­ção de algu­mas das aulas práti­cas já nesse primeiro semes­tre.

“Isso ocor­rerá ape­nas até que a nova lona da Esco­la Nacional de Cir­co seja insta­l­a­da, quan­do então as ativi­dades retornarão inte­gral­mente à sede da insti­tu­ição. Esta­mos tra­bal­han­do para o retorno grad­ual e respon­sáv­el, respei­tan­do a grade cur­ric­u­lar e todos os pro­to­co­los de segu­rança”, infor­mou, em nota, a Funarte. A fun­dação tam­bém afir­ma que vem qui­tan­do as pendên­cias com os bol­sis­tas e espera colo­car em breve os paga­men­tos em dia.

Fachada da Escola Nacional do Circo, na Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro.
Facha­da da Esco­la Nacional do Cir­co, na Praça da Ban­deira, no Rio de Janeiro. — Tomaz Silva/Arquivo Agên­cia Brasil (Repro­dução)

Cri­a­da em 1982, a Esco­la Nacional do Cir­co recebe jovens de todo o país, ten­do for­ma­do mais de 2,5 mil profis­sion­ais e se con­sol­i­da­do como um espaço de excelên­cia inter­na­cional volta­do para for­mação circense.

Des­de 2015, o Cur­so Téc­ni­co em Arte Circense é recon­heci­do pelo Min­istério da Edu­cação (MEC). A for­mação, que inclui qua­tro semes­tres letivos e soma um total de 2.798 horas/aula, tem sido respon­sáv­el por for­mar novos tal­en­tos todos os anos, alguns dos quais se desta­cam hoje no exte­ri­or.

No doc­u­men­tário Dos­siê Esco­la Nacional de Cir­co, pro­duzi­do na mar­ca dos 25 anos da insti­tu­ição, sua importân­cia como vetor de val­oriza­ção do circense em todo o Brasil é desta­ca­da por um de seus fun­dadores, o pro­du­tor cul­tur­al Orlan­do Miran­da. Ele lem­bra o impacto ime­di­a­to que a novi­dade anun­ci­a­da pelo Min­istério da Edu­cação criou no país.

“Qual­quer cir­co que estivesse via­jan­do no Brasil começou a ser vis­to de out­ra maneira. Até então, era con­sid­er­a­do uma arte menor, que ain­da não tin­ha tido destaque como o teatro, a dança e a ópera”, obser­vou.

Em meio à pan­demia, o taman­ho do cir­co é nova­mente ques­tion­a­do. Mas o artista luta porque sabe que, quan­do tudo pas­sar, a respos­ta estará na risa­da da cri­ança. Ela não pode ser medi­da.

Edição: Lílian Beral­do

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