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Só com luta de negros foi possível abolir escravidão, diz especialista

Repro­dução: © Bib­liote­ca Nacional

Para sociólogo, data mais relevante é 20 de novembro, e não 13 de maio


Pub­li­ca­do em 13/05/2022 — 06:04 Por Daniel Mel­lo – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

O fim da escravidão legal­iza­da no Brasil foi um proces­so con­struí­do por pes­soas negras, um pon­to que espe­cial­is­tas con­sid­er­am fun­da­men­tal ser lem­bra­do no dia 13 de maio, data da abolição da escravidão.

“Ao lon­go das últi­mas décadas, têm aumen­ta­do as per­cepções sobre a ação políti­ca dos escrav­iza­dos, inclu­sive o próprio 13 de maio”, enfa­ti­za o psicól­o­go Már­cio Farias, que coor­de­na a coleção Clóvis Moura na Edi­to­ra Dan­dara.

O 13 de maio é alvo de dis­putas por ser uma data ofi­cial usa­da como uma espé­cie de “ação reden­to­ra de uma elite, dos setores dom­i­nantes, frente ao que foi o hor­ror da escravidão”, diz Farias. Segun­do o pesquisador, por isso, os movi­men­tos negros pre­cis­aram con­tes­tar a cel­e­bração no sen­ti­do em que a abolição esta­va sendo apre­sen­ta­da como uma benesse con­ce­di­da pela monar­quia à pop­u­lação negra.

“Talvez seja uma data das mais emblemáti­cas naqui­lo que são as dis­putas de pro­je­tos de país colo­ca­dos, de um lado, por setores das elites dom­i­nantes, class­es pos­suido­ras de riquezas e poder, e por out­ro lado tam­bém reflete como os setores da classe tra­bal­hado­ra, ao lon­go do sécu­lo 20, foram se posi­cio­nan­do frente a essa data, como uma platafor­ma de dis­pu­ta de pro­je­to de sociedade”, comen­ta.

O his­to­ri­ador Rafael Domin­gos Oliveira, que faz parte do Núcleo de Estu­dos e Pesquisas da Afro-Améri­ca, desta­ca que a pro­mul­gação da Lei 3.353, em 13 de maio de 1888, acon­tece em um con­tex­to históri­co amp­lo, que envolve sécu­los de luta das pes­soas escrav­izadas. “O per­cur­so históri­co até ela [Lei Áurea] foi muito mais lon­go e, se quis­er­mos ser rig­orosos, começou com a primeira pes­soa a ser escrav­iza­da e que, cer­ta­mente, ten­tou resi­s­tir de todas as for­mas à nova condição a que esta­va sendo sub­meti­da. Des­de então, foram muitas as estraté­gias de resistên­cia — indi­vid­ual e cole­ti­va – de que as pop­u­lações escrav­izadas lançaram mão para con­quis­tar sua liber­dade.”

Primeiro movimento social

De acor­do com o his­to­ri­ador, a pressão para o fim da escravidão veio de diver­sas for­mas, des­de a resistên­cia dire­ta até os movi­men­tos que lutavam a par­tir da impren­sa, da políti­ca e do Judi­ciário. “A con­tribuição dos movi­men­tos abo­l­i­cionistas foi, sem dúvi­da, fun­da­men­tal para isso. Out­ro fator foi a ten­são con­stante cau­sa­da pela vio­lên­cia da escravidão, ten­são geral­mente resum­i­da no medo que a classe sen­ho­r­i­al cul­ti­va­va de que revoltas e rebe­liões pudessem eclodir a qual­quer momen­to”, lem­bra.

“Há uma pesquisa fei­ta pela pro­fes­so­ra [da Uni­ver­si­dade de São Paulo] Angela Alon­so que mostra que o primeiro movi­men­to social brasileiro foi o movi­men­to abo­l­i­cionista. Ela per­corre, no livro dele, o perío­do de 1868 a 1888 mostran­do as difer­entes estraté­gias e táti­cas do movi­men­to social abo­l­i­cionista para que se chegasse em 1888 com a abolição”, acres­cen­ta o sociól­o­go e curador de con­hec­i­men­to na Ines­plorato, Túlio Custó­dio.

No entan­to, em relação à luta con­tra a escravidão e pelos dire­itos da pop­u­lação negra, o sociól­o­go con­sid­era mais impor­tante o 20 de novem­bro, Dia da Con­sciên­cia Negra, data da morte de Zumbi, líder do Quilom­bo dos Pal­mares. “Nós temos o 20 de novem­bro como uma data mais fun­da­men­tal, porque é uma data que conec­ta com a grande luta, ou com uma per­spec­ti­va mais ampla da luta con­tra a escravidão, con­tra o racis­mo, con­tra a situ­ação das pes­soas negras em um con­tex­to colo­nial e racista do Brasil”, enfa­ti­za.

Porém, é pre­ciso, segun­do Custó­dio, lem­brar que pro­mul­gação da lei que encer­rou o perío­do escrav­ista no país não foi uma ini­cia­ti­va da prince­sa Isabel, respon­sáv­el pela assi­natu­ra do doc­u­men­to ofi­cial, mas, sim uma luta de muitos anos de fig­uras negras impor­tantes, como José do Patrocínio, Luiz Gama e André Rebouças.

Sem direitos

Ape­sar dos esforços dos abo­l­i­cionistas, o proces­so de abolição, no entan­to, acabou pro­moven­do a desigual­dade racial no Brasil pelas décadas seguintes até os dias atu­ais, diz Domin­gos Oliveira. “O pro­je­to de redis­tribuição de ter­ras, defen­di­do por André Rebouças e Joaquim Nabu­co, que pode­ria per­feita­mente ser enten­di­do hoje como refor­ma agrária, estaria asso­ci­a­do à eman­ci­pação da pop­u­lação escrav­iza­da. O pro­je­to, como sabe­mos, nun­ca foi para a frente e, até hoje, o Brasil é um dos úni­cos país­es de for­mação agroex­por­ta­do­ra que nun­ca real­i­zou a refor­ma agrária”, exem­pli­fi­ca Oliveira sobre as pro­postas que chegaram a ser dis­cu­ti­das à época.

A for­ma como a abolição foi fei­ta não garan­tiu, segun­do Farias, dig­nidade e dire­itos, muito menos reparação às pes­soas que sofr­eram com a escravidão. “Esse pro­je­to foi o vito­rioso. Um pro­je­to em que as cidada­nias foram muti­ladas para que uma nova for­ma de explo­ração do tra­bal­ho do pon­to de vista for­mal se instaurasse, mas man­ten­do for­mas arcaicas de relações soci­ais”, ressalta.

“É só pen­sar na [Rua] 25 de Março”, exem­pli­fi­ca Farias, ao falar da região de comér­cio pop­u­lar no cen­tro da cap­i­tal paulista. “Você tem lá toda uma tec­nolo­gia disponív­el para com­pra, con­sumo, mas as pes­soas que ven­dem, em ger­al, estão em condições de tra­bal­ho bem precárias. Em uma pon­ta, o mais alto nív­el da pro­dução, e em out­ra, as relações mais arcaicas de tra­bal­ho. Essa é uma imagem que retra­ta quais são os reflex­os do 13 de maio ain­da hoje. Um pro­je­to que a relação de super­ex­plo­ração da força de tra­bal­ho está muito rela­ciona­da com o racis­mo”, ressalta.

Mes­mo con­sideran­do o con­tex­to adver­so, o pesquisador desta­ca a capaci­dade de orga­ni­za­ção dos movi­men­tos negros que man­tiver­am a luta por dire­itos no sécu­lo 20 e con­tin­u­am nes­tas primeiras décadas do 21. “A pop­u­lação negra, mes­mo colo­ca­da em posição de infor­mal­i­dade, perene de super­ex­plo­ração enquan­to classe tra­bal­hado­ra pós-13 de maio, ela se orga­ni­zou, se asso­ciou. Teve espaços de asso­ci­ação que per­mi­ti­ram a ela não só se recon­sti­tuir como grupo social, enquan­to classe, mas, aci­ma de tudo, reelab­o­rar pro­je­tos”, acres­cen­ta Farias.

Edição: Nádia Fran­co

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