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Sobreviventes de tragédia vivem medo de remoção em São Sebastião

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Governo estadual pretende demolir quase 900 imóveis na Vila Sahy


Pub­li­ca­do em 31/12/2023 — 10:20 Por Daniel Mel­lo — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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A der­ruba­da das casas ain­da assom­bra os moradores da Vila Sahy. O bair­ro de São Sebastião, municí­pio do litoral norte paulista, foi o mais atingi­do pelo desas­tre do car­naval de 2023, quan­do 64 pes­soas mor­reram dev­i­do aos desliza­men­tos cau­sa­dos pelas chu­vas. Mas, o medo que acom­pan­ha as famílias nas fes­tas de fim de ano vem do pro­je­to do gov­er­no estad­ual de demolir quase 900 imóveis no bair­ro, mais de 40 quilômet­ros dis­tante do cen­tro urbano.

“Ago­ra, é a tragé­dia pior”, lamen­ta Del­ma Queiroz Batista, que está entre os pos­síveis removi­dos. Ela fica apreen­si­va com a pos­si­bil­i­dade de perder os imóveis que con­stru­iu ao lon­go de 30 anos viven­do no bair­ro e atuan­do como empre­ga­da domés­ti­ca nas man­sões à beira da pra­ia, do out­ro lado da Rodovia Rio-San­tos. Sem poder tra­bal­har dev­i­do a uma doença degen­er­a­ti­va e sem aposen­ta­do­ria, com 58 anos, Del­ma se sus­ten­ta com o aluguel de duas casas que con­stru­iu no seu ter­reno.

Nes­sa situ­ação, ela diz que não poderá pagar as prestações dos aparta­men­tos con­struí­dos pela Com­pan­hia de Desen­volvi­men­to Habita­cional e Urbano (CDHU) para realo­car os moradores do bair­ro. O gov­er­no estad­ual entrou com uma ação pedin­do para demolir 893 imóveis na Vila Sahy. Dev­i­do aos protestos dos moradores, a procu­rado­ria do esta­do recu­ou em relação a solic­i­tação ini­cial e con­seguiu uma lim­i­nar que autor­iza a der­ruba­da de 198 casas já des­ocu­padas e de out­ras que estiverem em áreas de risco máx­i­mo, des­de que um lau­do indi­vid­ual ateste essa condição. Na ação, eram esti­madas 172 residên­cias nes­sa situ­ação.

Enxurrada de lama

Ape­sar da decisão lim­i­nar, o Judi­ciário ain­da deve ser pro­nun­ciar de for­ma defin­i­ti­va sobre a ação. As incertezas afligem Del­ma, que sofre com a pos­si­bil­i­dade de ter deixar a casa que lev­ou tan­to tem­po para con­stru­ir e equipar. “Depois de uma tragé­dia daque­la, pas­sar por tan­to sofri­men­to, a gente perder ami­gos, entes queri­dos, eles fazem isso com a gente”, desabafa, sem esque­cer da noite do dia 19 de fevereiro, quan­do viu pes­soas sendo arras­tadas pela enx­ur­ra­da de lama. “Vi tan­tas pes­soas descen­do do mor­ro. Dá para assi­s­tir, a rua é lon­ga que dá para assi­s­tir”, con­ta.

A chu­va que começou no sába­do de car­naval, em 19 de fevereiro de 2023, foi o maior tem­po­ral reg­istra­do na história do país. O municí­pio rece­beu na ocasião, segun­do o Cen­tro Nacional de Pre­visão de Mon­i­tora­men­to de Desas­tres, 626 milímet­ros de chu­va.

Uma enx­ur­ra­da de lama que arras­ta­va pes­soas, car­ros e der­ruba­va casas, é assim que os moradores da Vila Sahy descrevem as cenas daque­le dia. Com a tem­pes­tade, as vias de aces­so ficaram fechadas, difi­cul­tan­do a chega­da das equipes de res­gate. No bair­ro, mor­reram 64 pes­soas. Mas, muitas out­ras foram sal­vas pelos próprios moradores. “4h30 da man­hã, já está­va­mos em ação, ten­tan­do sal­var o máx­i­mo de vidas que pudésse­mos”, relem­bra Valdemir Cruz, pro­fes­sor de capoeira e dono de uma padaria no bair­ro.

Falta de consulta

Sobre os planos do gov­er­no estad­ual e da prefeitu­ra para evi­tar novos desas­tres ou mes­mo a respeito do futuro da comu­nidade, Cruz recla­ma da fal­ta de transparên­cia. “Nun­ca veio nada, nun­ca hou­ve diál­o­go nen­hum. Nun­ca hou­ve. São 10 meses de não infor­mação, de desin­for­mação total. Seu diál­o­go nen­hum”, enfa­ti­za.

Em novem­bro, o gov­er­no estad­ual entrou com uma ação pedin­do uma lim­i­nar para remover à força os moradores de 893 imóveis. A medi­da está jus­ti­fi­ca­da por um estu­do feito em parce­ria entre a CDHU e a orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal Geran­do Fal­cões. O tra­bal­ho sug­ere a cri­ação de canais para escoa­men­to das águas das chu­vas e a lama das encostas, cor­tan­do a área atual­mente ocu­pa­da por residên­cias. O plano pre­vê a manutenção de ape­nas 379 famílias no bair­ro, com a demolição de casas em pon­tos não apon­ta­dos como área de alto risco.

A defen­so­ra públi­ca Patri­cia Maria Liz de Oliveira diz que o pedi­do para der­ruba­da de quase 900 casas sur­preen­deu. “Lá atrás, a gente tin­ha uma avali­ação ini­cial de que seri­am necessárias as reti­radas das casas já con­de­nadas estru­tu­ral­mente, que seri­am as casas mais próx­i­mas ali das encostas. Isso gira­va em torno de aprox­i­mada­mente umas 300 a 400 casas”, con­ta.

Ao rep­re­sen­tar os inter­ess­es dos moradores na ação judi­cial, a Defen­so­ria Públi­ca de São Paulo con­seguiu que fos­se real­iza­da uma reunião com a comu­nidade e rep­re­sen­tantes do gov­er­no estad­ual para dis­cu­tir os planos para o bair­ro. Depois do encon­tro, real­iza­do no últi­mo dia 16 de dezem­bro, o juiz Vitor Hugo Aquino de Oliveira, da 1ª Vara Cív­el de São Sebastião, con­cedeu uma lim­i­nar que per­mi­tiu a demolição de 198 casas que já estavam des­ocu­padas des­de a tragé­dia e de imóveis que este­jam em áreas com clas­si­fi­cação de risco muito alto.

Indenização

O Min­istério Públi­co de São Paulo e a Defen­so­ria Estad­ual entraram com uma ação pedin­do ind­eniza­ção aos moradores da Vila Sahy. São pedi­dos R$ 20 mil­hões de danos morais e R$ 10 mil­hões de danos soci­ais con­tra a prefeitu­ra de São Sebastião. Os órgãos querem ain­da o paga­men­to de 400 salários mín­i­mos às famílias que perder­am pes­soas na tragé­dia, além de R$ 10 mil para aque­las que ficaram desa­lo­jadas.

No tex­to, a pro­mo­to­ria e a defen­so­ria afir­mam que hou­ve omis­são do Exec­u­ti­vo munic­i­pal em pro­mover medi­das para res­guardar a pop­u­lação con­tra os even­tos climáti­cos.

Governo estadual

Em nota, o gov­er­no de São Paulo afir­ma que a “atu­ação na Vila Sahy tem como úni­co obje­ti­vo garan­tir a segu­rança das pes­soas”. Ain­da de acor­do com o comu­ni­ca­do “todas as famílias que pre­cis­arem sair do bair­ro por estarem na área apon­ta­da por estu­dos téc­ni­cos de risco geológi­co e hidrológi­co terão atendi­men­to habita­cional garan­ti­do”.

Serão entregues, segun­do o gov­er­no estad­ual, 704 unidades habita­cionais nos bair­ros da Baleia Verde e Mare­sias. Em fase de lic­i­tação, devem ser con­struí­dos con­jun­tos habita­cionais com cer­ca de 256 mora­dias na Topolân­dia, próx­i­mo ao cen­tro urbano de São Sebastião. “Temos ain­da cer­ca de 300 mora­dias em pro­je­to em Cam­buri e out­ras 250 que serão erguidas na própria Vila Sahy, no pro­je­to de urban­iza­ção em elab­o­ração, total­izan­do mais de 1,5 mil unidades em um municí­pio onde nun­ca hou­ve, ante­ri­or­mente, pro­dução de con­jun­to habita­cional”, acres­cen­ta a nota.

A reportagem da Agên­cia Brasil entrou em con­ta­to com a prefeitu­ra de São Sebastião e aguar­da posi­ciona­men­to.

Edição: Aline Leal

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