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SP: região metropolitana registrou mais de 820 chacinas em 40 anos

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Pesquisa de Camila Vedovello foi apresentada em tese de mestrado


Pub­li­ca­do em 04/10/2023 — 08:25 Por Guil­herme Jerony­mo e Elaine Patri­cia Cruz – Repórteres da TV Brasil e da Agên­cia Brasil — São Paulo

A cada ano, pelo menos 20 chaci­nas ou ocor­rên­cias em que são reg­istradas três ou mais mortes são prat­i­cadas na região met­ro­pol­i­tana de São Paulo. É o que mostra lev­an­ta­men­to con­duzi­do pela cien­tista social Cami­la Vedovel­lo, que apon­tou, de 1980 a 2020, a ocor­rên­cia de 828 homicí­dios múlti­p­los nas cidades que com­põem a região met­ro­pol­i­tana, que inclui a cap­i­tal.

Só no ano de 2015, quan­do ocor­reram os episó­dios con­heci­dos como chaci­nas de Osas­co e de Barueri e Pavil­hão 9, foram reg­istra­dos ao menos 15 dess­es casos entre janeiro e out­ubro, em todo o esta­do. Out­ros momen­tos que reg­is­traram grande número de chaci­nas, disse a cien­tista e pesquisado­ra, foram em 2006, quan­do ocor­reram os chama­dos Crimes de Maio, e em 2012.

“Depois de 2006, tive­mos o ano de 2009, com 15 chaci­nas. Em 2012, teve 24 chaci­nas. Em 2015, foram 19. E aí elas vêm dimin­uin­do ao lon­go do tem­po”, disse Cami­la, em entre­vista à TV Brasil.

Nesse perío­do tam­bém ocor­reu a maior chaci­na pri­sion­al do Brasil: o mas­sacre ocor­ri­do no Pavil­hão 9 da Casa de Detenção do Carandiru, que nes­ta sem­ana com­ple­tou 31 anos com sal­do ofi­cial de 111 mor­tos.

O lev­an­ta­men­to feito por Cami­la Vedovel­lo foi apre­sen­ta­do em sua tese de doutora­do, defen­di­da recen­te­mente no Insti­tu­to de Filosofia e Ciên­cias Humanas da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas (Uni­camp). O tra­bal­ho não inclui ain­da o mas­sacre ocor­ri­do este ano na Baix­a­da San­tista, no litoral paulista, durante a Oper­ação Escu­do.

“No final de jul­ho, tive­mos a Oper­ação Escu­do, que diver­sos setores da sociedade estão chama­do de chaci­na. Essa Oper­ação Escu­do aparece como chaci­na poli­cial, muitas vezes, nas falas de defen­sores de dire­itos humanos e de estu­diosos do tema de segu­rança públi­ca. E temos vis­to tam­bém muitas chaci­nas ocor­ren­do na Bahia. Mas há uma difer­ença porque as chaci­nas que pesqui­sei eram, em sua maio­r­ia, ocor­rên­cias quan­do os agentes de segu­rança públi­ca estavam de fol­ga ou fora de serviço. Essa era a ile­gal­i­dade. Não exis­tia essa ideia de que uma oper­ação viti­masse tan­tas pes­soas”, disse.

Segun­do Cami­la, as chaci­nas não são exceção e atingem prin­ci­pal­mente jovens negros e que vivem em per­ife­rias. “Elas ocor­rem em ter­ritórios per­iféri­cos, onde há maior con­cen­tração de pop­u­lação negra. Essas chaci­nas são feitas em espaços públi­cos na maio­r­ia das vezes, como becos, vielas, ruas e locais de socia­bil­i­dade urbana como padarias, piz­zarias e bares”. Em ger­al, elas tam­bém ocor­rem com mais fre­quên­cia no perío­do noturno.

Uma das víti­mas de uma dessas chaci­nas foi Fer­nan­do Luiz de Paula, 34 anos, fil­ho de Zil­da Maria de Paula, que hoje inte­gra o movi­men­to Mães de Osas­co. Ele, que na época fazia bicos como pin­tor, esta­va em um bar quan­do foi assas­si­na­do em 2015, no episó­dio que ficou con­heci­do como Chaci­nas de Osas­co e de Barueri.

Em 2017, hou­ve o primeiro jul­ga­men­to do caso e os sete jura­dos decidi­ram con­denar os poli­ci­ais mil­itares Vic­tor Cristilder, Fab­rí­cio Emmanuel Eleutério e Thi­a­go Bar­bosa Hen­klain, além do guar­da civ­il Sér­gio Man­han­hã pelas mortes ocor­ri­das nes­sa chaci­na. Mas em 2019, a Justiça decid­iu realizar novo jul­ga­men­to para dois dos réus. Nesse novo jul­ga­men­to, real­iza­do em 2021, os dois réus foram absolvi­dos.

“Eles me diz­imaram. Ele era fil­ho úni­co e não ten­ho netos”, disse Zil­da à TV Brasil. “Meu fil­ho tin­ha acaba­do de sair porque esta­va pin­tan­do a casa. No dia em que ele acabou essa parede [da casa dela], eu cheguei do serviço, ele sen­tou na esca­da e me pediu para olhar para ver se eu gosta­va da cor. Aí tomou ban­ho e desceu para mor­rer. Esta­va sain­do de uma tuber­cu­lose”, con­tou.

Segun­do Zil­da, antes da chaci­na, um guar­da civ­il munic­i­pal e um poli­cial mil­i­tar havi­am sido assas­si­na­dos naque­la região. “Qual foi a causa [da chaci­na]? Mataram um PM e um GCM. Segun­do a Defen­so­ria [Públi­ca], já havia sido avisa­do aos batal­hões que os caras que os mataram estavam pre­sos. Não sei se foi o poder da far­da, não sei, mas [depois] mataram todo mun­do. A lei diz que é para pren­der e não ati­rar primeiro e per­gun­tar depois. Isso é o que me revol­ta. E a maior parte dess­es PMs [que teri­am sido respon­sáveis pelas chaci­nas] é tudo de per­ife­ria”, afir­mou.

Zil­da disse que seu fil­ho não era ladrão e, que, por isso, não tin­ha medo da polí­cia. “Ele tin­ha mui­ta con­fi­ança. Fala­va: ‘eu não devo nada’. Mas se fos­se assim, não tin­ha inocente mor­to”.

Após perder o fil­ho, Zil­da fun­dou o Mães de Osas­co, repetindo o exem­p­lo do Mães de Maio, out­ro movi­men­to que surgiu tam­bém por causa de chaci­na. Com esse movi­men­to, Zil­da via­jou o país. E con­heceu out­ras mul­heres, que tam­bém perder­am seus entes queri­dos. “Parece que é uma guer­ra. [Cada vez] apare­cem mais mães”.

Modus operandi

Segun­do Cami­la, emb­o­ra os episó­dios anal­isa­dos em sua tese não este­jam rela­ciona­dos, apre­sen­tam car­ac­terís­ti­cas muito semel­hantes entre si. “Ape­sar de cada chaci­na ter sua própria dinâmi­ca, exis­tem questões que são semel­hantes den­tro do que con­sid­erei como modus operan­di das chaci­nas. Den­tro desse modo de agir, iden­ti­fiquei que existe uma cena de chega­da. Então, as pes­soas que vão exe­cu­tar as chaci­nas chegam geral­mente em motos ou em car­ros, ou em car­ros acom­pan­hados por motos. Existe tam­bém um com­po­nente estéti­co, que é o uso de capuz, coturno e tou­cas nin­ja”.

Out­ro pon­to desta­ca­do por ela é que quan­do as chaci­nas envolvem a par­tic­i­pação de poli­ci­ais ou agentes de segu­rança públi­ca atuan­do de for­ma ile­gal, eles geral­mente chegam gri­tan­do que é a polí­cia e per­gun­tam se o local vende dro­gas ou se as pes­soas por ali têm pas­sagem poli­cial. “Há tam­bém a ideia de rendição. E na exe­cução final do ato, depois que as pes­soas são exe­cu­tadas, por vezes ocor­rem tiros a esmo para cima”, con­tou.

No caso em que envolve agentes públi­cos, a moti­vação prin­ci­pal cos­tu­ma ser a vin­gança estatal. “Quan­do um poli­cial é feri­do ou mor­to em deter­mi­na­do ter­ritório é per­cep­tív­el que pode acon­te­cer uma chaci­na”, disse Cami­la. Quan­do envolve ape­nas civis, a moti­vação pode envolver dis­putas por mer­ca­dos crim­i­nais.

Para o pres­i­dente do Con­sel­ho Nacional dos Dire­itos Humanos (CNDH), André Leão, as chaci­nas muitas vezes estão rela­cionadas à letal­i­dade poli­cial. “Temos um prob­le­ma crôni­co no país. O Brasil é um país onde, de cer­ta for­ma, as chaci­nas são aceitas e, sobre­tu­do, quan­do ela ocorre com gru­pos soci­ais já vul­ner­a­bi­liza­dos. Essas chaci­nas, em ger­al, atingem pes­soas negras e da per­ife­ria. Por­tan­to, percebe­mos um recorte de classe e de raça muito evi­dente no des­ti­natário dessas chaci­nas provo­cadas por ativi­dade poli­cial. Isso pre­cisa ser ampla­mente debati­do na sociedade e pre­cisamos retomar um pata­mar de democ­ra­cia, de Esta­do Democráti­co de Dire­ito, onde a ativi­dade poli­cial é reg­u­la­men­ta­da den­tro do dire­ito”, disse ele, em entre­vista à TV Brasil.

Segun­do Leão, só no ano pas­sa­do, mais de 6.430 pes­soas foram mor­tas no Brasil em decor­rên­cia da ativi­dade poli­cial, o que dá uma média de 17 civis mor­tos por dia por agentes do Esta­do. “Esta­mos falan­do de números estratos­féri­cos. Esse número é abso­lu­ta­mente ina­ceitáv­el”.

Controle

Para a pesquisado­ra da Uni­camp, o número de exe­cuções sem­pre pode aumen­tar quan­do não é feito o con­t­role ade­qua­do das polí­cias. “Um con­t­role maior da ação poli­cial ou um con­t­role efe­ti­vo da ação poli­cial e o uso de câmeras nas far­das diminuiria a letal­i­dade poli­cial, emb­o­ra nas chaci­nas extra-legais as pes­soas este­jam fora de serviço”.

Out­ra for­ma de com­bate às chaci­nas, desta­cou, seria maior elu­ci­dação dos casos, punição dos respon­sáveis e uma revisão da políti­ca de segu­rança públi­ca. “O que é uma políti­ca de segu­rança para todos? Se uma polí­cia efe­ti­va uma série de exe­cuções e isso é chama­do de oper­ação, a políti­ca de segu­rança públi­ca não está dan­do con­ta do que seria uma segu­rança efe­ti­va para todos”, disse.

Segun­do o pres­i­dente do CNDH, a mel­ho­ria dess­es números pas­sa por uma revisão da atu­ação da polí­cia e do sis­tema pen­i­ten­ciário brasileiro, pelo enfrenta­men­to ao racis­mo estru­tur­al e pela efe­ti­vação de um sis­tema úni­co de segu­rança públi­ca – já pre­vis­to em lei. Ele tam­bém reforça que uma políti­ca de segu­rança públi­ca deve, ini­cial­mente, pen­sar em pre­venir a vio­lên­cia. “A letal­i­dade poli­cial, como regra, deve ser evi­ta­da ao máx­i­mo. Exis­tem parâmet­ros inter­na­cionais de pro­teção dos dire­itos humanos que reg­u­la­men­tam a ativi­dade poli­cial e o uso pro­gres­si­vo da força”, desta­cou.

Em nota, a Sec­re­taria de Segu­rança Públi­ca (SSP) de São Paulo infor­mou que “investe per­ma­nen­te­mente no treina­men­to das forças de segu­rança e em políti­cas públi­cas para reduzir as mortes em con­fron­to, com o apri­mora­men­to nos cur­sos e aquisição de equipa­men­tos de menor poten­cial ofen­si­vo”.

De acor­do com a sec­re­taria, “os números de mortes decor­rentes de inter­venção poli­cial indicam que a causa não é a atu­ação da polí­cia, mas sim a ação dos crim­i­nosos que optam pelo con­fron­to, colo­can­do em risco tan­to a pop­u­lação quan­to os par­tic­i­pantes da ação”. Uma Comis­são de Mit­i­gação e Não Con­formi­dades anal­isa todas as ocor­rên­cias de mortes por inter­venção poli­cial e se ded­i­ca a ajus­tar pro­ced­i­men­tos e revis­ar treina­men­tos.

Edição: Graça Adju­to

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