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Substituição da gotinha na prevenção à pólio aumentará proteção

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Na América Latina, pelo menos 14 países já fizeram a mudança


Pub­li­ca­do em 11/09/2023 — 07:35 Por Viní­cius Lis­boa — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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As got­in­has que entraram para a história da imu­niza­ção ao elim­inarem a poliomielite no Brasil gan­haram uma pre­visão de aposen­ta­do­ria, e a sub­sti­tu­ição da vaci­na oral con­tra a doença pela apli­cação intra­mus­cu­lar sig­nifi­cará uma pro­teção ain­da maior para os brasileiros.

No últi­mo dia 7 de jul­ho, o Min­istério da Saúde anun­ciou que vai sub­sti­tuir grad­ual­mente a vaci­na oral poliomielite (VOP) pela ver­são ina­ti­va­da (VIP) do imu­nizante a par­tir de 2024. A decisão foi recomen­da­da pela Câmara Téc­ni­ca de Asses­so­ra­men­to em Imu­niza­ção (CTAI), que con­sider­ou as novas evidên­cias cien­tí­fi­cas que indicam a maior segu­rança e eficá­cia da VIP.

Ape­sar da novi­dade, o Min­istério da Saúde fez questão de destacar que o Zé Got­in­ha, sím­bo­lo históri­co da importân­cia da vaci­nação no Brasil, vai con­tin­uar na mis­são de sen­si­bi­lizar as cri­anças, os pais e respon­sáveis, par­tic­i­pan­do das ações de imu­niza­ção e cam­pan­has do gov­er­no.

A poliomielite é uma doença grave e mais con­heci­da como par­al­isia infan­til, por deixar quadros per­ma­nentes de par­al­isia em per­nas e braços, forçan­do parte dos que se recu­per­am a usar cadeiras de rodas e out­ros suportes para loco­moção. A enfer­mi­dade tam­bém pode levar à morte por asfix­ia, com a par­al­isia dos mús­cu­los torá­ci­cos respon­sáveis pela res­pi­ração. Durante os perío­dos mais agu­dos em que a doença cir­cu­lou, cri­anças e adul­tos com casos graves chegavam a ser inter­na­dos nos chama­dos “pul­mões de aço”, res­pi­radores mecâni­cos da época, dos quais, muitas vezes, não podi­am mais ser reti­ra­dos.

A partir dos 2 meses

A vaci­nação con­tra a poliomielite no Brasil é real­iza­da atual­mente com três dos­es da VIP, aos 2, 4 e 6 meses de idade, e duas dos­es de reforço da VOP, aos 15 meses e aos 4 anos de idade.

A par­tir do primeiro semes­tre de 2024, o gov­er­no fed­er­al começará a ori­en­tar uma mudança nesse esque­ma, que deixará de incluir duas dos­es de reforço da vaci­na oral, sub­sti­tuin­do-as por ape­nas uma dose de reforço da vaci­na ina­ti­va­da, aos 15 meses de idade. O esque­ma com­ple­to con­tra a poliomielite pas­sará, então, a incluir qua­tro dos­es, aos 2, 4, 6 e 15 meses de idade.

Crianças são imunizadas na tenda de vacinação instalada na Quinta da Boa Vista para a campanha contra a poliomielite e o sarampo, prorrogada até o dia 22/09 no estado do Rio de Janeiro.
Repro­dução: País­es de todo o mun­do estão sub­sti­tuin­do a vaci­na oral con­tra a pólio pela ina­ti­va­da — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

A facil­i­dade de apli­cação e o baixo cus­to con­tribuíram para que as got­in­has tivessem sido a fer­ra­men­ta para o Brasil e out­ros país­es vencerem a poliomielite, expli­ca a pres­i­dente da Comis­são de Cer­ti­fi­cação da Errad­i­cação da Pólio no Brasil, Luíza Hele­na Fall­eiros Arlant. A comis­são é uma enti­dade que existe no Pro­gra­ma Nacional de Imu­niza­ções (PNI) jun­to à Orga­ni­za­ção Pan-Amer­i­cana de Saúde (Opas). Em 2023, o pro­gra­ma com­ple­ta 50 anos.

“Em 1988, havia mais de 350 mil casos de pólio no mun­do. Cri­anças e adul­tos par­al­isa­dos. Naque­la época, o que era pre­ciso faz­er? Pegar uma vaci­na oral que pudesse vaci­nar mil­hões de pes­soas em um pra­zo cur­to para acabar com aque­le sur­to epidêmi­co. Eram muitos casos no mun­do todo, uma tragé­dia”, con­tex­tu­al­iza Luíza Hele­na.

Ciência evoluiu

O suces­so obti­do com a vaci­na oral fez com que a pólio fos­se elim­i­na­da da maior parte dos con­ti­nentes, mas pesquisas mais recentes, real­izadas a par­tir dos anos 2000, mostraram que a VOP era menos efi­caz e segu­ra que a vaci­na intra­mus­cu­lar. Em casos con­sid­er­a­dos extrema­mente raros, a vaci­na oral, que con­tém o poliovírus enfraque­ci­do, pode levar a quadros de pólio vaci­nal, com sin­tomas semel­hantes aos provo­ca­dos pelo vírus sel­vagem.

“Cri­anças com desnu­trição, com ver­minoses ou doenças intesti­nais podem ter inter­fer­ên­cias na respos­ta à vaci­na oral. Já a vaci­na ina­ti­va­da, não. Ela pro­tege muito mais, sua respos­ta imunogêni­ca é muito mais segu­ra, efi­caz e duradoura. Há uma série de van­ta­gens sobre a vaci­na oral. Tudo isso não foi descober­to em uma sem­ana, foram estu­dos pub­li­ca­dos que se inten­si­ficaram a par­tir de 2000.”

Des­de então, país­es de todo o mun­do vêm sub­sti­tuin­do grada­ti­va­mente a vaci­na oral pela ina­ti­va­da, o que já foi feito por ao menos 14 país­es na Améri­ca Lati­na. A meta da Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde (OMS) é que a vaci­na ina­ti­va­da sub­sti­tua a oral em todo o mun­do até 2030.

A pres­i­dente da Comis­são de Cer­ti­fi­cação da Errad­i­cação da Pólio no Brasil acres­cen­ta que a vaci­na ina­ti­va­da pro­duz menos even­tos adver­sos que a oral, e tam­bém traz maior segu­rança para a pes­soa vaci­na­da e para a cole­tivi­dade.

Para com­preen­der essa difer­ença, é pre­ciso con­hecer mel­hor o fun­ciona­men­to dessas duas vaci­nas. A oral con­tém o poliovírus aten­u­a­do, isto é, ain­da “vivo”, porém enfraque­ci­do, de modo que não cause mais a doença. Já a vaci­na ina­ti­va­da recebe esse nome porque o vírus já foi ina­ti­va­do, “mor­to”, e não há mais chances de que pos­sa sofr­er mutações ou e se revert­er em uma for­ma vir­u­len­ta.

Estu­dos sobre o tema têm se inten­si­fi­ca­do a par­tir dos anos 2000, con­ta Luiza Hele­na, e con­sta­tou-se que o poliovírus aten­u­a­do que entra no organ­is­mo com a imu­niza­ção pode sofr­er mutações e voltar a uma for­ma neu­rovir­u­len­ta ao ser exc­re­ta­do no meio ambi­ente com as fezes. Já se tin­ha con­hec­i­men­to dessa pos­si­bil­i­dade, pon­dera a pesquisado­ra, mas hoje se sabe que ela é mais fre­quente do que se acred­i­ta­va.

“Hoje a gente sabe que o vírus mutante elim­i­na­do pelo intesti­no pode acome­ter quem está do lado, e, se essa pes­soa não estiv­er dev­i­da­mente vaci­na­da, ela pode ter pólio”, afir­ma ela, que acres­cen­ta que alguns fatores con­tribuem para ele­var esse risco, como as baixas cober­turas vaci­nais con­tra a poliomielite nos últi­mos anos e a existên­cia de pop­u­lações sem sanea­men­to bási­co, o que pode provo­car o con­ta­to com esgo­to ou água con­t­a­m­i­na­da por fezes que con­têm poliovírus sel­vagens ou mutantes.

Segun­do a pesquisado­ra, é impor­tante ressaltar que, enquan­to hou­ver poliomielite no mun­do, todas as pes­soas estão sob risco de adquirir a doença.

“Os vírus da pólio cir­cu­lam e podem acome­ter qual­quer pes­soa. Se essas pes­soas, espe­cial­mente cri­anças, não estiverem dev­i­da­mente vaci­nadas com uma vaci­na efi­caz, pref­er­en­cial­mente ina­ti­va­da, não estarão imunes e podem ter a doença. Mes­mo que haja um con­ta­to com o vírus, vaci­na­dos não desen­volvem a doença.”

Baixas coberturas

Segun­do o Sis­tema de Infor­mações do Pro­gra­ma Nacional de Imu­niza­ções (SI-PNI), as dos­es pre­vis­tas para a vaci­na ina­ti­va­da con­tra a pólio atin­gi­ram a meta pela últi­ma vez em 2015, quan­do a cober­tu­ra foi de 98,29% das cri­anças nasci­das naque­le ano.

Depois de 2016, a cober­tu­ra entrou em uma tra­jetória de pio­ra que chegou a 71% em 2021. Em 2022, a cober­tu­ra subiu para 77%, mas con­tin­ua longe da meta de 95% das cri­anças pro­te­gi­das.

O per­centu­al a que se ref­ere a cober­tu­ra vaci­nal mostra qual parte das cri­anças nasci­das naque­le ano foi imu­niza­da. Isso sig­nifi­ca que não atin­gir a meta em suces­sivos anos vai crian­do um con­tin­gente cada vez maior de não vaci­na­dos. Ou seja, se con­sid­er­ar­mos os últi­mos dois anos, 29% das cri­anças nasci­das em 2021 e 23% das nasci­das em 2022 estavam despro­te­gi­das. Como mais de 1,5 mil­hão de bebês nascem por ano no Brasil, somente ness­es dois anos foram mais de 780 mil cri­anças vul­neráveis a mais no país.

As cober­turas nacionais tam­bém escon­dem desigual­dades region­ais e locais. Enquan­to o Brasil vaci­nou 77% dos bebês nasci­dos em 2022, a cidade de Belém vaci­nou ape­nas 52%, e o esta­do do Rio de Janeiro, somente 58%.

Área livre da pólio

O Brasil não detec­ta casos de poliomielite des­de 1989 e, em 1994, rece­beu da Orga­ni­za­ção Pan-Amer­i­cana da Saúde (OPAS) a cer­ti­fi­cação de área livre de cir­cu­lação do poliovírus sel­vagem, em con­jun­to com todo o con­ti­nente amer­i­cano.

A vitória glob­al sobre a doença com a vaci­nação fez com que o número de casos em todo o mun­do fos­se reduzi­do de 350 mil, em 1988, para 29, em 2018, segun­do a OMS. O poliovírus sel­vagem cir­cu­la hoje de for­ma endêmi­ca ape­nas em áreas restri­tas da Ásia Cen­tral, enquan­to, em 1988, havia uma crise san­itária inter­na­cional com 125 país­es endêmi­cos.

Sequelas

Com a elim­i­nação da doença, é cada vez mais raro con­hecer alguém que viva com as seque­las da pólio, mas essa já foi uma real­i­dade muito mais fre­quente no Brasil. O ator e músi­co Paulin­ho Dias, de 46 anos, con­ta que teve a doença menos de duas sem­anas após seus primeiros pas­sos, com 11 meses de idade.

Rio de Janeiro (RJ) - Substituição da gotinha na prevenção à pólio aumentará proteção. - Ator e músico Paulinho Dias teve pólio no primeiro ano de vida e vive com sequelas até hoje. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Ator e músi­co Paulin­ho Dias teve pólio no primeiro ano de vida e vive com seque­las até hoje — Arqui­vo pes­soal

“A pólio afe­tou meus mem­bros infe­ri­ores. Da cin­tu­ra para baixo, afe­tou ambas per­nas, porém, a maior sequela foi na per­na dire­i­ta, em que fiz mais de dez cirur­gias, entre elas de tendão, de ner­vo que foi atrofian­do e de alonga­men­to ósseo, porque a per­na começou a ficar cur­ta, porque não acom­pan­hou o cresci­men­to da out­ra. Antes dessa cirur­gia, quase não encosta­va o pé no chão.”

Paulin­ho se lem­bra de relatos da mãe de que inúmeras cri­anças no entorno tam­bém tiver­am pólio. A fal­ta de infor­mação na época, em 1977, fazia com que muitas famílias bus­cassem ben­zedeiras na ausên­cia de out­ros recur­sos, dan­do ain­da mais tem­po para agrava­men­to dos casos e dis­sem­i­nação do vírus.

“Eu sem­pre fui a favor das vaci­nas, mas con­fes­so que nun­ca fui pan­fletário em relação a elas até a pan­demia de covid-19, que a gente viveu. E tam­bém, em pleno sécu­lo 21, com o risco de a pólio voltar e o risco de out­ras doenças pre­veníveis por vaci­nas voltarem por con­ta da desin­for­mação, movi­men­tos anti­vacin­istas, medos bobos. Sem­pre que eu pos­so, falo para as pes­soas se vacinarem, porque é um ato de amor. Vacin­em seus fil­hos, poupem de sofri­men­to.”

Edição: Juliana Andrade

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