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Tabatinga: cidade mostra negligências em cada esquina

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Entre os problemas estão o crime organizado, a caça e pesca ilegais


Pub­li­ca­do em 01/03/2023 — 09:21 Por Lety­cia Bond — Envi­a­da espe­cial — Tabatin­ga (AM)

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É por Tabatin­ga que se chega ao Vale do Javari, caso parte do per­cur­so seja fei­ta de avião. Do aero­por­to, o via­jante pode seguir para Ben­jamin Con­stant e Ata­la­ia do Norte, uma das cidades que se asso­ci­am ao indi­genista Bruno Pereira e ao jor­nal­ista britâni­co Dom Phillips, assas­si­na­dos em jun­ho de 2022, por denun­ciar o crime orga­ni­za­do na região, a caça e a pesca ile­gais. O municí­pio fica a 1,1 mil quilômet­ros de Man­aus.

Em Tabatin­ga (AM), que tem 68 mil habi­tantes, anda-se uma peque­na dis­tân­cia e logo são vis­tas casas de palafi­ta, o que con­fir­ma dados do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE). O Índice de Desen­volvi­men­to Humano Munic­i­pal é de 0,616, em uma escala de 0 a 1, e somente 21,6% das residên­cias têm esgo­ta­men­to san­itário em con­formi­dade com o padrão. Em grande número, moto­ci­cle­tas andam pelas avenidas e ruelas, fre­quente­mente com três pes­soas a bor­do, inclu­sive cri­anças, em meio a dois adul­tos.

O cli­ma de aban­dono em Tabatin­ga está tam­bém em um pos­to que, há cer­ca de uma déca­da, foi da Força Nacional de Segu­rança Públi­ca. Na Aveni­da da Amizade, na fron­teira com a Colôm­bia, a unidade ago­ra tem pare­des com pichações, cer­cadas por mato alto.

Em uma mes­ma via, igre­jas evangéli­cas ficam a poucos pas­sos uma da out­ra. Do alto de uma das inúmeras ruas de onde sobe pó de asfal­to, avista-se o Por­to de Tabatin­ga, pop­u­lar­mente chama­do de Por­to das Catra­ias, em refer­ên­cia às embar­cações de pequeno porte. Segun­do moradores ouvi­dos pela reportagem, é por ele que nar­co­traf­i­cantes, tan­to brasileiros quan­to de nacional­i­dade colom­biana e peru­a­na, trans­portam car­rega­men­tos, ao con­trário do que ocorre no por­to onde atra­cam embar­cações maiores e a vig­ilân­cia ocorre mais forte­mente. Os crim­i­nosos asse­gu­ram pas­sagem com a aju­da de meni­nos, alguns de 6 e 7 anos de idade, que os avisam quan­do poli­ci­ais se aprox­i­mam. Todos da viz­in­hança sabem dis­so.

Esse é um pedaço da história con­ta­da pelo bair­ro Guadalupe. A área, em dias de tem­po­ral, sofre com a destru­ição de enchentes como a do Rio Ama­zonas. Em maio de 2022, a prefeitu­ra munic­i­pal chegou a lançar ofi­cial­mente, com solenidade na Sec­re­taria Munic­i­pal de Defe­sa Civ­il, uma ação especí­fi­ca para os moradores: o auxílio enchente.

Tabatinga (AM), 01/03/2023 - Movimentação no Porto de Tabatinga.
Repro­dução: Tabatin­ga (AM), 01/03/2023 — Movi­men­tação no Por­to de Tabatin­ga. — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

O cenário é con­heci­do pela secretária da Dio­cese do Alto Solimões, Mar­cy de Lima Pin­heiro, há quase duas décadas, quan­do se mudou para a cidade. Um dos pon­tos que ela ressalta é a facil­i­dade com que o nar­cotrá­fi­co coop­ta menores de idade, diante da vul­ner­a­bil­i­dade gen­er­al­iza­da. “As nos­sas cri­anças, os nos­sos ado­les­centes estão muito à deri­va”, afir­ma. “Tem meni­no de 12 anos que já está matan­do.”

Além dos prob­le­mas exter­nos que afe­tam meni­nos e meni­nas da cidade, há ain­da a pos­si­bil­i­dade de a família ser a origem de fatal­i­dades. “Faço parte de uma asso­ci­ação que cui­da das mul­heres com vio­lên­cia domés­ti­ca. Só que, quan­do a gente faz algum even­to, algu­ma ação, o que dá de cri­ança impres­siona”, comen­ta Mar­cy.

O afil­ha­do dela, o estu­dante Vic­tor Sid­ney Caste­lo Bran­co, com­ple­tou 18 anos com a certeza de que Tabatin­ga e as cidades viz­in­has não são para ele, ao con­trário do que dese­ja sua mãe. O jovem plane­ja pas­sar em med­i­c­i­na vet­er­inária, para que pos­sa tran­car a matrícu­la do cur­so de agropecuária que faz no Insti­tu­to Fed­er­al do Ama­zonas. Para isso, entre­tan­to, pre­cisa se mudar para Man­aus, já que o cur­so de sua prefer­ên­cia não é ofer­e­ci­do onde mora, Ben­jamin Con­stant. Uma de suas irmãs gêmeas enfrenta a mes­ma situ­ação, pois quer cur­sar dire­ito.

Vic­tor disse que nun­ca viu per­spec­ti­vas de futuro para ele caso per­manecesse no municí­pio, o que está fora de cog­i­tação para ami­gos tam­bém. “Eu tive a exper­iên­cia de um ami­go que entrou para a vida do trá­fi­co. Per­di o con­ta­to com ele, porque não com­pactuo com isso. Mas foi mais por essa desvan­tagem de a gente morar aqui e não ter tan­tas opor­tu­nidades”, acres­cen­tou.

Sucessão de violência

Ques­tion­a­da sobre como chegam até ela os crimes de min­er­ação e caça ile­gais, comuns na região, Mar­cy responde que sabe de alguns deles ape­nas por tele­jor­nais, emb­o­ra out­ros cheguem por con­ver­sas com pes­soas de seu cír­cu­lo social. “Eu já vi com mais fre­quên­cia tem­pos atrás. Eu vou muito ao mer­ca­do e perce­bo. Não sei se ven­dem escon­di­do, isso não pos­so te falar. Mas, por exem­p­lo, Ben­jamin Con­stant era um lugar que ven­dia muito, em 2006, por aí. Enquan­to a história do Javari [de Bruno e Dom], eu só vi pela tele­visão, mas já havia acon­te­ci­do alguns fatos que a gente fica saben­do.”

Atalaia do Norte (AM), 28/02/2023 - Movimentação no porto de Atalaia do Norte, que recebe indígenas de comunidades do Vale do Javari. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: Ata­la­ia do Norte (AM), 28/02/2023 — Movi­men­tação no por­to de Ata­la­ia do Norte, que recebe indí­ge­nas de comu­nidades do Vale do Javari. Foto: Marce­lo Camargo/Agência Brasil — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Um dos fatos que já havi­am chega­do ao con­hec­i­men­to de Mar­cy foi o assas­si­na­to do fun­cionário da então Fun­dação Nacional do Índio (Funai) Max­ciel Pereira dos San­tos, que tam­bém fazia a defe­sa de indí­ge­nas do Vale do Javari. Ele foi mor­to em 2019, com dois tiros na nuca. Uma das bases onde tra­bal­ha­va era a Ituí-Ita­coaí, que já tin­ha sido alvo de ataques de inva­sores qua­tro vezes des­de 2018.

“A gente vive em uma fron­teira muito perigosa”, lamen­ta Mar­cy.

O bair­ro Vila Paraí­so é out­ro sobre o qual o trá­fi­co de dro­gas tem domínio. Segun­do apu­ração da reportagem, no iní­cio da noite, traf­i­cantes da área instituem uma regra aos moradores de não mais sair de casa. Todos seguem à risca sem que nada mais pre­cise ser dito.

Bal­anço da Sec­re­taria de Segu­rança Públi­ca do Ama­zonas (SSP-AM) indi­ca que, em 2021, foram reg­istra­dos 52 homicí­dios no municí­pio, qua­tro latrocínios e um fem­i­nicí­dio. O ano de 2022 fechou com 29 homicí­dios, um fem­i­nicí­dio e nen­hum caso de latrocínio.

Em nota de abril de 2022, a SSP-AM diz que o apoio de equipes de inteligên­cia, o emprego de tropas espe­cial­izadas e o aumen­to de ações dos agentes de segu­rança na trí­plice fron­teira são os ele­men­tos que mel­ho­raram os índices de homicí­dio. “Atual­mente, o municí­pio tem o apoio da oper­ação Hórus, que con­ta com efe­ti­vo de todo o sis­tema de segu­rança públi­ca e tem o obje­ti­vo de reprim­ir a rota do trá­fi­co, con­sideran­do a local­iza­ção de Tabatin­ga, na fron­teira entre o Brasil, a Colôm­bia e o Peru”.

Pelo por­tal da transparên­cia das con­tas de Tabatin­ga, é pos­sív­el anal­is­ar os mon­tantes des­ti­na­dos a cada pas­ta. Em 2022, a dotação para a edu­cação, para citar uma área, foi de R$ 23 mil­hões. Para a assistên­cia social, a quan­tia foi de R$ 2,2 mil­hões, infe­ri­or à reser­va­da ao gabi­nete do prefeito, Saul Nunes Bemer­guy (MDB).

Bemer­guy já teve as con­tas de 2010 reprovadas pelo Tri­bunal de Con­tas do Ama­zonas (TCE-AM). Ele argu­men­tou que os doc­u­men­tos da Con­tro­lado­ria-Ger­al da União (CGU) ref­er­entes àquele perío­do foram extravi­a­dos e que o con­ta­dor da prefeitu­ra não teve como com­pro­var as con­tas do ano.

Agên­cia Brasil solic­i­tou um posi­ciona­men­to da prefeitu­ra de Tabatin­ga, do gov­er­no do Ama­zonas e da SSP-AM e aguar­da retorno.

Edição: Graça Adju­to

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