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Teatro acessível permite inclusão cultural de pessoas com deficiência

Repro­dução: © ETA Fes­ti­val de Teatro Aces­sive

Rio de Janeiro deverá ter um dia para celebrar essa atividade


Pub­li­ca­do em 06/11/2023 — 07:30 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A ado­les­cente Isabela Glyc­e­rio, 14 anos, é defi­ciente visu­al, mas já foi a várias peças de teatro acessív­el, depois que desco­briu o aplica­ti­vo Vem CA — Platafor­ma de Cul­tura Acessív­el, da orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) Esco­la de Gente, com audiode­scrição.

“É um jeito que eu con­si­go ver o que está acon­te­cen­do e me sen­tir igual a todos”. É impor­tante tam­bém que ela pos­sa sen­tir o cenário. “Porque, muitas vezes, só a descrição não é sufi­ciente. É impor­tante sen­tir o que tem no cenário e os per­son­agens tam­bém se descreverem”. No momen­to, ela espera con­vite para out­ras peças com audiode­scrição.

Um espetácu­lo de que Isabela gos­tou muito foi “Mãe Fora da Caixa”. Ela sem­pre con­vi­da out­ras pes­soas para irem ao teatro acessív­el para obser­var como fun­ciona a audiode­scrição. Para isso, ela usa fones de ouvi­do. A jovem estu­da no Cen­tro Edu­ca­cional Espaço Inte­gra­do (CEI), na Bar­ra da Tiju­ca, zona oeste do Rio de Janeiro. Ape­sar de não ser uma esco­la espe­cial­iza­da, o CEI disponi­bi­liza recur­sos para aju­dar alunos com defi­ciên­cias. A mãe de Isabela, Verôni­ca, afir­mou que a esco­la tem um olhar inclu­si­vo em ati­tudes e, tam­bém, na parte pedagóg­i­ca.

Brasília (DF) 05/11/2023 – Claudia Werneck, fundadora da ONG Escola de Gente, Teatro acessívelFoto: Claudia Werneck/Facebook
Repro­dução: Brasília (DF) 05/11/2023 – Aplica­ti­vo Vem CA — Platafor­ma de Cul­tura Acessív­el — Clau­dia Werneck/Facebook

A mes­ma sen­sação de ser incluí­da em relação ao teatro acessív­el é com­par­til­ha­da por Jés­si­ca Mendes, fotó­grafa e con­sel­heira con­sul­ti­va da Esco­la de Gente. Jés­si­ca tem Sín­drome de Down e defi­ciên­cia int­elec­tu­al. Tra­bal­ha tam­bém na Sec­re­taria Nacional de Dire­itos Humanos como fotó­grafa de even­tos. Para ela, a exper­iên­cia que teve com o teatro acessív­el da Esco­la de Gente foi muito boa.

“Eles são muito acol­he­do­res. Perce­bi que, nas peças, os atores não mex­em muito com a boca, mas desta­cam os movi­men­tos. O cor­po é a arte em si. Eu gos­to muito dos gestos, da for­ma de arte acessív­el, da lin­guagem sim­ples”. Jés­si­ca desta­cou ain­da que as peças do grupo “Os Inclu­sos e Os Sisos”, da ONG, têm sem­pre uma pes­soa que expli­ca o espetácu­lo para as pes­soas com defi­ciên­cias. “É um recur­so para a lin­guagem sim­ples, para a pes­soa enten­der a peça e a lin­guagem”.

Pioneirismo

O Rio de Janeiro se prepara para ser o primeiro esta­do brasileiro a ter o Dia Estad­ual do Teatro Acessív­el. O Pro­je­to de Lei 939/2023, de auto­ria da dep­uta­da estad­ual Eli­ka Taki­mo­to, foi aprova­do por una­n­im­i­dade em primeiro turno de votação na Assem­bleia Leg­isla­ti­va (Alerj), no dia 21 de setem­bro e, pos­te­ri­or­mente, em segun­da votação, no dia 27 do mes­mo mês. Ago­ra só fal­ta a sanção do gov­er­nador Cláu­dio Cas­tro para que a lei entre em vig­or.

Pro­fes­so­ra de físi­ca licen­ci­a­da do Cen­tro Fed­er­al de Edu­cação Tec­nológ­i­ca Cel­so Suck­ow da Fon­se­ca (Cefet-RJ), Eli­ka Taki­mo­to é líder da ban­ca­da do Par­tido dos Tra­bal­hadores (PT) na Alerj e tem como prin­ci­pais ban­deiras a cul­tura, a comu­ni­cação, a inclusão e a aces­si­bil­i­dade.

Falan­do à Agên­cia Brasil, Eli­ka disse ver o teatro acessív­el para todas as pes­soas, com e sem defi­ciên­cia, como uma neces­si­dade pri­mor­dial. “Primeiro, porque a gente está seguin­do o que está na Con­sti­tu­ição. É um dire­ito de todas as pes­soas ter aces­so à edu­cação, à saúde, ao laz­er, à arte. A gente está tra­bal­han­do para isso”. Comen­tou, con­tu­do, que os equipa­men­tos cul­tur­ais, com destaque para teatro, nem sem­pre têm a parte de aces­si­bil­i­dade. “E a gente vê muitas pes­soas queren­do par­tic­i­par, ou como plateia ou atuan­do no pal­co, e sem condições de faz­er isso, porque os teatros não são acessíveis”. Para ela, pro­mover o maior aces­so das pes­soas com defi­ciên­cia à cul­tura envolve falar em um mun­do mais inclu­si­vo e acessív­el.

Quan­do fala em aces­si­bil­i­dade, a dep­uta­da não está se referindo somente à tradução em Libras, à existên­cia de ram­pas, audiode­scrição e piso tátil. ”A gente está falan­do dis­so tudo jun­to e mais out­ras coisas. É pro­mover aces­si­bil­i­dade para diver­sas defi­ciên­cias”. A própria Eli­ka Taki­mo­to é sur­da e pôde con­ver­sar com a Agên­cia Brasil graças a próte­ses audi­ti­vas que usa. “Sem elas, eu ouço com mui­ta difi­cul­dade de inter­ação”.

O Dia Estad­ual do Teatro Acessív­el será cel­e­bra­do na mes­ma data do Dia Nacional e do Dia Munic­i­pal do Teatro Acessív­el do Rio de Janeiro, que é 19 de setem­bro. “A gente está em con­sonân­cia aqui”. Eli­ka desta­cou que o Rio de Janeiro é o primeiro esta­do a gan­har uma lei própria. Ela pre­tende levar o debate sobre o teatro acessív­el para out­ros equipa­men­tos cul­tur­ais de for­ma ger­al, como o cin­e­ma, por exem­p­lo. “É traz­er aces­si­bil­i­dade para a sociedade, para que esta se sin­ta inco­moda­da quan­do está em um lugar inacessív­el. A gente está queren­do traz­er essa sen­si­bil­i­dade”.

Out­ro obje­ti­vo é influ­en­ciar casas leg­isla­ti­vas pelo Brasil a seguirem o exem­p­lo do Rio de Janeiro. A data entrará ofi­cial­mente no cal­endário flu­mi­nense. O Pro­je­to de Lei 939/2023 se baseou tam­bém na história e tra­jetória da ONG Esco­la de Gente, cri­a­da pela jor­nal­ista Clau­dia Wer­neck, em 2002, com o propósi­to de colo­car a comu­ni­cação a serviço da inclusão na sociedade, prin­ci­pal­mente de gru­pos vul­neráveis como pes­soas com defi­ciên­cia.

Conceito

A expressão teatro acessív­el foi cri­a­da pela Esco­la de Gente que tem, inclu­sive, o domínio na inter­net. “Para nós, o teatro acessív­el não é nem o teatro feito por pes­soas com defi­ciên­cia, nem o teatro feito para pes­soas com defi­ciên­cia. Para nós, o teatro acessív­el é o teatro da liber­dade, que garante às pes­soas com defi­ciên­cia o dire­ito de par­tic­i­parem da vida cul­tur­al de suas cidades como dese­jarem. Elas podem estar na pro­dução, no roteiro, na plateia, serem artis­tas, ilu­mi­nadores, o que elas quis­erem, porque o teatro vai estar prepara­do para con­tem­plá-las em tudo, se tiverem dese­jo, com­petên­cia, tal­en­to. Mas elas são livres para escol­her e para con­tribuir com as pro­duções cul­tur­ais”, afir­mou Clau­dia à Agên­cia Brasil.

Clau­dia diz que esse é o teatro da liber­dade porque, no teatro acessív­el, a pes­soa com defi­ciên­cia vai ter equiparação de opor­tu­nidades para faz­er o que quis­er e par­tic­i­par do jeito que ela dese­jar e pud­er par­tic­i­par. Teatro acessív­el não é só aque­le que tem pes­soas com defi­ciên­cia no pal­co ou na plateia. “Não é esse o con­ceito da Esco­la de Gente. É o teatro que garante a qual­quer pes­soa o dire­ito de chegar e par­tic­i­par, con­tribuir e des­fru­tar. Para isso, é pre­ciso ter mui­ta aces­si­bil­i­dade. O teatro acessív­el tem que ofer­e­cer ple­na aces­si­bil­i­dade sem­pre, em todos os espetácu­los”.

A jor­nal­ista acred­i­ta que o cam­in­ho do futuro é que os equipa­men­tos cul­tur­ais ten­ham ple­na aces­si­bil­i­dade, para que isso não fique como respon­s­abil­i­dade ape­nas de quem pro­duz o espetácu­lo. Isso sig­nifi­ca que todas as casas de espetácu­lo devem ter fones de audiode­scrição, equipe treina­da para rece­ber as pes­soas, com intér­pretes de Libras des­de a fila e com leg­en­da para dar con­ta da diver­si­dade de sur­dez, profis­sion­ais con­trata­dos que saibam a Libra tátil, para o caso de chegarem pes­soas sur­do-cegas no teatro, além de vis­i­tas ao cenário.

“Teatro acessív­el é tudo isso. Toda a vivên­cia tem que ser acessív­el e não somente na hora que começa o espetácu­lo. Tem que ser dire­ciona­do para dar con­for­to e dig­nidade, inde­pendên­cia e autono­mia a pes­soas idosas, pes­soas com autismo”. Clau­dia defend­eu, inclu­sive, que o pro­gra­ma das peças deve ser feito com letra ampli­a­da e com con­traste de cor, para que pes­soas que, muitas vezes, não têm din­heiro para com­prar ócu­los pos­sam ler. São várias providên­cias que vão tor­nan­do o teatro acessív­el cada vez mais inter­es­sante e cada vez mais próx­i­mo das pes­soas assi­s­tirem.

Brasília (DF) 05/11/2023 – Claudia Werneck, fundadora da ONG Escola de Gente, Teatro acessívelFoto: Claudia Werneck/Facebook
Repro­dução: Brasília (DF) 05/11/2023 – Clau­dia Wer­neck, fun­dado­ra da ONG Esco­la de Gente, Teatro acessív­el Foto: Clau­dia Werneck/Facebook

Mostra

Quan­do foi san­ciona­da a Lei Nacional do Teatro Acessív­el, em 2017, a Esco­la de Gente criou uma mostra para divul­gar à pop­u­lação o que é teatro acessív­el. Essa mostra está na quar­ta edição, sem­pre den­tro da Lei Rouanet. “É um pro­je­to onde a gente ensi­na a faz­er teatro acessív­el, onde são feitas ofic­i­nas e espetácu­los de teatro acessív­el, jus­ta­mente para mostrar como se faz e ter sem­pre essa ofer­ta”, expli­cou Clau­dia Wer­neck.

Na avali­ação de Clau­dia, sem cul­tura e sem aces­so a teatro, as pes­soas ficam muito prej­u­di­cadas nas suas decisões, na sua autono­mia, no seu modo de perce­ber o mun­do e, até para pro­te­ger as suas famílias. Ela acred­i­ta, con­tu­do, que está haven­do avanços des­de a cri­ação da lei nacional.

O ano de 2024 será espe­cial, segun­do Clau­dia, porque mar­cará a cel­e­bração con­jun­ta das três datas: Dia Nacional do Teatro Acessív­el, Dia Munic­i­pal e Dia Estad­ual do Teatro Acessív­el do Rio de Janeiro.

Inclusos e Sisos

A ideia do teatro acessív­el nasceu com a fil­ha de Clau­dia, a atriz e apre­sen­ta­do­ra Tatá Wer­neck que, em 2003, reuniu out­ros estu­dantes de artes cêni­cas da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Esta­do do Rio de Janeiro (UniRio) para cri­ar o grupo “Os Inclu­sos e os Sisos” como um pro­je­to da Esco­la de Gente. Esse grupo real­iza todos os seus espetácu­los e ativi­dades com a máx­i­ma aces­si­bil­i­dade. “Fico feliz porque a con­tribuição da nos­sa família é muito pos­i­ti­va no sen­ti­do de mobi­lizar pes­soas para out­ras causas. Mas a gente tem que lutar todo dia e pen­sar como praticar mel­hor. Porque o teatro acessív­el é um con­ceito em evolução. Todo dia eu apren­do mais coisas”.

Durante um espetácu­lo em Juiz de Fora (MG), por exem­p­lo, a fun­dado­ra da Esco­la de Gente perce­beu que cri­anças com Transtorno do Espec­tro Autista (TEA) não podem entrar na sala antes de começar a sessão. “Quan­do a lei man­da que pes­soas com defi­ciên­cia entrem antes, isso não vale para autismo, porque elas têm mui­ta ansiedade e têm que entrar já na hora de começar o espetácu­lo. Você vê que isso é uma coisa que não está na lei. É só fazen­do e enfrentan­do desafios que você aprende. Des­de esse dia, pes­soas com autismo entram nos nos­sos espetácu­los na hora de começar”, afir­mou Clau­dia Wer­neck.

Edição: Sab­ri­na Craide

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