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Tempo excessivo e pouca distância de telas contribuem para miopia

 

Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Distúrbio aparece cada vez mais cedo em crianças, diz oftalmologista


Pub­li­ca­do em 17/09/2023 — 16:22 Por Paula Labois­sière – Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Em 2020, cer­ca de 30% da pop­u­lação mundi­al era diag­nos­ti­ca­da com miopia, sendo que ape­nas 4% eram clas­si­fi­ca­dos como altos míopes – pacientes que super­am 5 graus. As pro­jeções, entre­tan­to, indicam que, em 2050, em torno de 50% da pop­u­lação glob­al será con­sid­er­a­da míope, e 10%, altos míopes. A pre­ocu­pação dos oftal­mol­o­gis­tas vai além da sim­ples difi­cul­dade dos pacientes em enx­er­gar de longe, já que a miopia está forte­mente asso­ci­a­da a doenças ocu­lares graves, como o glau­co­ma e o desco­la­men­to de reti­na, que podem levar à cegueira. 

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, o dire­tor da Sociedade Brasileira de Oftal­molo­gia, Ian Curi, detal­hou especi­fi­ca­mente o aumen­to no diag­nós­ti­co de miopia em cri­anças e sua relação dire­ta com o tem­po de tela – sejam smart­phonestablets ou tele­vi­sores. Curi aler­ta para os casos da chama­da miopia pre­coce, quan­do os sinais do dis­túr­bio apare­cem até mes­mo em menores de 5 anos, mas dev­e­ri­am ser obser­va­dos somente no iní­cio da ado­lescên­cia.

Para o espe­cial­ista, a máx­i­ma insis­ten­te­mente repeti­da no pas­sa­do per­manece na atu­al­i­dade: o tem­po de tela deve, sim, ser mon­i­tora­do na infân­cia – quan­to mais longe do dis­pos­i­ti­vo eletrôni­co, mel­hor.

Curi apon­ta ain­da para out­ro fator forte­mente asso­ci­a­do à miopia infan­til: o con­fi­na­men­to. Segun­do o médi­co, cri­anças que não são fre­quente­mente expostas a ambi­entes exter­nos nat­u­ral­mente ilu­mi­na­dos têm maior risco de desen­volver o dis­túr­bio. Como a miopia tende a crescer até se esta­bi­lizar, por vol­ta dos 20 anos, quan­to mais pre­coce é o diag­nós­ti­co, maior a chance da cri­ança se tornar um adul­to que terá de lidar com as doenças asso­ci­adas e a pos­si­bil­i­dade de cegueira. Mes­mo a cirur­gia refrati­va para cor­reção de grau não aju­da por com­ple­to, já que a visão mel­ho­ra, mas os riscos de quadros cor­rela­ciona­dos se man­têm.

Eis os prin­ci­pais tre­chos da entre­vista: 

Agên­cia Brasil: Existe um aumen­to no número de cri­anças diag­nos­ti­cadas com miopia nos con­sultórios de oftal­molo­gia – inclu­sive entre as cri­anças que não têm o traço genéti­co?

15/09/2023, Diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Ian Curi. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: O dire­tor da Sociedade Brasileira de Oftal­molo­gia, Ian Curi, defende a redução da exposição às telas de dis­pos­i­tivos para pre­venir a miopia em cri­anças. Foto: Arqui­vo pes­soal

Ian Curi: Existe um aumen­to dessa prevalên­cia, sim. É um fenô­meno glob­al. Exis­tem, além da genéti­ca, fatores com­por­ta­men­tais e ambi­en­tais que podem levar a esse aumen­to. O número de horas e a uti­liza­ção da visão de per­to, prin­ci­pal­mente por meio de celu­lares e tablets e demais apar­el­hos eletrôni­cos portáteis, real­mente estão asso­ci­a­dos ao desen­volvi­men­to de miopia mais pre­coce e tam­bém à pro­gressão do grau daque­les pacientes que já têm o diag­nós­ti­co.

Agên­cia Brasil: O que seria con­sid­er­a­do desen­volvi­men­to pre­coce da miopia?

Ian Curi: Aque­les graus de miopia baixos, em ger­al, surgem no iní­cio da ado­lescên­cia, com 11 ou 12 anos. Eles começam com um grau baixo e vão, ao lon­go da ado­lescên­cia,  desen­volver uma pro­gressão leve e ter­mi­nar com graus rel­a­ti­va­mente baixos a mod­er­a­dos, ou seja, são pacientes que não vão desen­volver alta miopia. Mas a gente tem cri­anças desen­vol­ven­do miopia hoje com 4, 5, 6 anos de idade. E, quan­to mais pre­coce o iní­cio da miopia, mais chance dessa miopia ser muito alta. Além de fatores genéti­cos, que infe­liz­mente não são mod­i­ficáveis, isso está asso­ci­a­do a fatores ambi­en­tais como o uso de telas em exces­so.
Out­ro fator que con­tribui para isso é o con­fi­na­men­to. Cri­anças que não se expõem a ambi­entes exter­nos, amp­los, ilu­mi­na­dos pela luz do dia tam­bém desen­volvem mais miopia. Então, uma recei­ta pra faz­er com que as cri­anças não desen­volvam miopia ou não pro­gri­dam tan­to em grau seria o menor uso de eletrôni­cos portáteis e maior tem­po de exposição a ativi­dades ao ar livre na clar­i­dade nat­ur­al do dia, que fun­ciona como um ele­men­to pro­te­tor.

Agên­cia Brasil: No caso da miopia, quan­to mais cedo ela aparece, maior a chance de atin­gir altos graus na vida adul­ta? Quan­do o quadro se esta­bi­liza?

Ian Curi: Quan­to mais pre­coce o iní­cio da miopia, maior será, provavel­mente, o grau final. O grau de miopia pro­gride até entre os 19 e os 20 ou 21 anos de idade. De maneira ger­al, se você começa muito pre­co­ce­mente, você tem muitos anos pela frente para subir aque­le grau. A sua chance de atin­gir alta miopia, graus aci­ma de 5, e acabar ten­do out­ras doenças asso­ci­adas à alta miopia aumen­ta muito.

Agên­cia Brasil: Alguns espe­cial­is­tas recomen­dam que, se os pais tiverem de escol­her um tipo de tela a ser uti­liza­da pela cri­ança, que seja a maior pos­sív­el. Fun­ciona?

Ian Curi: Na ver­dade, isso tem a ver com a dis­tân­cia. No caso de telas maiores, você tende a colocá-la a dis­tân­cias maiores. Quan­to mais próx­i­mo aos olhos, maior a influên­cia para o desen­volvi­men­to da miopia. A gente tem que pri­orizar telas que fiquem dis­tantes dos olhos. A tele­visão, nesse sen­ti­do, não é tão malé­fi­ca quan­to o celu­lar, que fica muito mais próx­i­mo. Temos até esco­las na parte ori­en­tal do globo, na Ásia, que desen­volver­am mecan­is­mos pra faz­er com que as cri­anças não tra­bal­hem tão per­to, nem do papel, nem das telas. Eles colo­cam ver­dadeiros anteparos para faz­er com que a cri­ança man­ten­ha dis­tân­cia da tela. Essas esco­las tam­bém estão fazen­do aumen­to das janelas, redução do número de corti­nas, para que entre a clar­i­dade nat­ur­al do dia den­tro das salas de aula.

Agên­cia Brasil: Aque­las bron­cas que a gente cos­tu­ma­va escu­tar da mãe e da avó, pedin­do que ficásse­mos longe da tele­visão, con­tin­u­am val­en­do, então?

Ian Curi: Sim. E ain­da tem out­ra coisa: as avós tam­bém falavam que a leitu­ra em luz muito baixa tam­bém parece estar envolvi­da na pro­gressão da miopia. A avó, quan­do recla­ma­va que o meni­no esta­va lendo com luz baixa ou pou­ca luz, tin­ha razão, como quase sem­pre as avós têm. Esta é out­ra recomen­dação: a leitu­ra deve ser fei­ta em ambi­entes claros e ilu­mi­na­dos, não em luz baixa.

Agên­cia Brasil: Qual a ori­en­tação da Sociedade Brasileira de Oftal­molo­gia quan­to à fre­quên­cia com que a cri­ança deve ser avali­a­da por um espe­cial­ista?

Ian Curi: Con­sideran­do cri­anças saudáveis, sem queixas, para exame de roti­na, a recomen­dação é, quan­do pos­sív­el, que passem pelo primeiro exame entre 6 meses e o primeiro ano de vida. Depois, há um exame forte­mente recomen­da­do entre 3 anos e 5 anos de vida, mas pref­er­en­cial­mente aos 3 anos. Nes­sa fase, é pos­sív­el detec­tar situ­ações pre­co­ce­mente, e os trata­men­tos acabam sendo mais efi­cazes. A cri­ança em desen­volvi­men­to responde muito mel­hor ao desen­volvi­men­to do que cri­anças com mais idade.

15/09/2023, Matéria sobre Miopia em Crianças. Foto: Joedson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Foto: Joéd­son Alves/Agência Brasil

Agên­cia Brasil: Quais os sinais aos quais os pais devem ficar aten­tos?

Ian Curi: Em relação especi­fi­ca­mente à miopia, o grande sinal é a difi­cul­dade para enx­er­gar de longe. A miopia provo­ca uma difi­cul­dade na visão de dis­tân­cia. Então, a aprox­i­mação do obje­to de inter­esse é um grande sinal, mas há cri­anças que espre­mem os olhos, que coçam os olhos exces­si­va­mente quan­do deman­dam algu­ma atenção visu­al. Out­ros sinais para doenças oftal­mológ­i­cas que são impor­tantes são o desen­volvi­men­to de estra­bis­mo ou desvio ocu­lar, olhos ver­mel­hos. A ori­en­tação é levar a cri­ança rap­i­da­mente ao oftal­mol­o­gista.

Agên­cia Brasil: Existe algum tipo de reg­u­lação do tem­po de tela per­mi­ti­do para cada faixa etária da infân­cia?

Ian Curi: De maneira ger­al, dados das sociedades de pedi­a­tria recomen­dam que, até os 2 anos, a cri­ança não ten­ha nen­hum con­ta­to com dis­pos­i­tivos eletrôni­cos, a não ser em situ­ações que sejam de inter­ação social com uma família que mora longe. Aque­la cri­ança pode faz­er uma chama­da de vídeo com os avós, por exem­p­lo. Mas, como regra ger­al, antes dos 2 anos, é con­ta­to zero com telas, porque isso não só prej­u­di­ca os olhos, quan­do intro­duzi­do pre­co­ce­mente, como tam­bém inter­fere no desen­volvi­men­to cog­ni­ti­vo da cri­ança. O desen­volvi­men­to cere­bral é neg­a­ti­va­mente impacta­do quan­do a cri­ança se expõe muito pre­co­ce­mente à tela. Entre 2 e 5 anos, a gente já per­mite uma hora por dia de con­ta­to com a tela. Dos 6 aos 10 anos, entre uma e duas horas, aprox­i­mada­mente, e sem­pre com o con­t­role de con­teú­do por parte dos pais.
Hoje, ao con­trário do que exis­tia na ger­ação ante­ri­or, os pais míopes não tiver­am a opor­tu­nidade de nen­hum trata­men­to con­tra a pro­gressão da miopia. Hoje, uma pes­soa com 35 anos e é míope não se sub­me­teu a nen­hum trata­men­to para essa miopia. Ela ia ao oftal­mol­o­gista, ele ia aumen­tan­do o grau dos ócu­los até que esse grau esta­ciona­va – às vezes, em graus muito ele­va­dos. A novi­dade é que, nos últi­mos anos, temos trata­men­tos para diminuir a pro­gressão da miopia. Quan­do há uma cri­ança que começa com um quadro de miopia, e ela está pro­gredin­do, exis­tem alguns tipos de trata­men­to que fazem com que a subi­da ou ascen­são desse grau seja mais lenta. Somos capazes de lentificar a subi­da do grau em torno de 60% a 70%. Isso vai impactar, obvi­a­mente, no grau final. As cri­anças que são tratadas pro­gri­dem menos e ter­mi­nam com graus menos ele­va­dos. Com isso, temos, ao final, cri­anças com menos doenças ocu­lares como glau­co­ma, degen­er­ações da mácu­la e desco­la­men­to de reti­na, doenças muito graves que são asso­ci­adas à alta miopia.

Agên­cia Brasil: Existe pos­si­bil­i­dade de quadros de miopia retro­ced­erem? Em casos de inter­venção cirúr­gi­ca, por exem­p­lo?

Ian Curi: A miopia prati­ca­mente nun­ca reduz. A tendên­cia é sem­pre o aumen­to, durante a infân­cia e a ado­lescên­cia. Existe o pen­sa­men­to pop­u­lar de não se pre­ocu­par muito com o aumen­to do grau porque depois, quan­do adul­ta, a cri­ança pode ser oper­a­da. É o que a gente chama de cirur­gia refrati­va para cor­reção do grau. No entan­to, vale uma ressal­va: a miopia ocorre pelo cresci­men­to do globo ocu­lar. Quan­to mais ele cresce, mais o grau de miopia sobe. É uma relação pro­por­cional. E é jus­ta­mente esse taman­ho exces­si­vo do olho que gera os prob­le­mas oftal­mológi­cos asso­ci­a­dos à miopia, o desco­la­men­to de reti­na, as doenças mac­u­lares.
Quan­do você faz a cirur­gia do grau, você não mod­i­fi­ca o taman­ho do globo ocu­lar. Você sim­ples­mente faz uma alter­ação na super­fí­cie dos olhos para que o grau seja mod­i­fi­ca­do. Mas o taman­ho do globo ocu­lar, que foi atingi­do durante a infân­cia e a ado­lescên­cia com o cresci­men­to da miopia, não é mod­i­fi­ca­do. Se você tem, como exem­p­lo, uma pes­soa com 10 graus de miopia e, por isso, tem um globo ocu­lar muito mais com­pri­do que o habit­u­al, se ela é sub­meti­da a uma cirur­gia refrati­va, e o grau fica zer­a­do, o taman­ho do globo ocu­lar não é mod­i­fi­ca­do e ela con­tin­ua cor­ren­do os mes­mos riscos de uma pes­soa que tem 10 graus de miopia.
É por isso que a gente tem que batal­har nas causas, para faz­er com que as cri­anças atin­jam graus menos altos de miopia no fim da ado­lescên­cia. A cirur­gia não resolve o prob­le­ma. Há cer­tas modal­i­dades de trata­men­to, como um colírio com medica­men­to antipro­gressão, lentes de con­ta­to espe­ci­ais que tra­bal­ham con­tra a pro­gressão da miopia, lentes de ócu­los que tam­bém atu­am nesse sen­ti­do.

Edição: Nádia Fran­co

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