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Trabalhador de aplicativo: sem proteção social, mas contra a regulação

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Pesquisa do Ipea mostra precarização das condições de trabalho


Publicado em 23/05/2024 — 10:01 Por Gilberto Costa — Repórter da Agência Brasil — Brasília

Motoris­tas e entre­gadores de aplica­tivos estão tra­bal­han­do mais e gan­han­do menos des­de que as platafor­mas de mobil­i­dade começaram a fornecer os serviços para os usuários. Entre 2012 e 2015, os motoris­tas tin­ham rendi­men­to médio men­sal de R$ 3.100. Em 2022, o val­or auferi­do era infe­ri­or a R$ 2.400 (que­da de 22,5%). No caso dos entre­gadores, a redução foi da ren­da média foi ain­da mais agu­da em um inter­va­lo menor (- 26,66%), de R$ 2.250 em 2015 para R$ 1.650 em 2021.

Nos perío­dos indi­ca­dos, hou­ve aumen­to do número de tra­bal­hadores disponíveis. Entre 2012 e 2015, a ofer­ta de mão de obra de motoris­tas autônomos no setor de trans­porte de pas­sageiros era de cer­ca de 400 mil tra­bal­hadores. Em 2022, o total de ocu­pa­dos se aprox­i­ma­va de 1 mil­hão. Já o número de entre­gadores inscritos nas platafor­mas saltou de 56 mil para 366 mil entre 2015 e 2021.

Os dados cita­dos foram apu­ra­dos no estu­do Plataformiza­ção e pre­cariza­ção do tra­bal­ho de motoris­tas e entre­gadores no Brasil, do Insti­tu­to de Pesquisa Econômi­ca Apli­ca­da (Ipea), a par­tir de dados do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE) — Pesquisa Nacional por Amostra Domicílios Con­tínua (Pnad). Tan­to para motoris­tas quan­to para entre­gadores, a média dos rendi­men­tos dos tra­bal­hadores inscritos nas platafor­mas era ini­cial­mente supe­ri­or à média dos ocu­pa­dos em ativi­dades semel­hantes.

Brasília (DF) 23/05/2024 - Grafico média mensal e total motoristas autônomos ocupados no transporte de passageiros. - Brasil (2012-2022) Gráfico PNDA/Divulgação
Repro­dução: PNAD/Divulgação

 

Brasília (DF) 23/05/2024 - Grafico de renda e total de intregadores plataformizados. - Brasil (2012-2022) Gráfico PNDA/Divulgação
Repro­dução: PNAD/Divulgação

Mais trabalho com menos dinheiro

Além da per­da de remu­ner­ação, motoris­tas e entre­gadores inscritos em platafor­mas de mobil­i­dade pas­saram a tra­bal­har mais. A pro­porção de motoris­tas com jor­nadas entre 49 e 60 horas sem­anais pas­sou de 21,8% em 2012 para 27,3% em 2022. No caso dos entre­gadores, a pro­porção de quem tin­ha jor­nadas iguais ou supe­ri­ores a 49 horas sem­anais pas­sou de 19,9% em 2012 para 29,3% em 2022.

Com rendi­men­to menor e mais horas de tra­bal­ho, motoris­tas e entre­gadores – que não têm carteira assi­na­da, não recebem déci­mo ter­ceiro salário e nem recol­hem para o Fun­do de Garan­tia do Tem­po de Serviço (FGTS) — tam­bém perder­am a pro­teção da Pre­v­idên­cia Social por fal­ta de con­tribuição vol­un­tária. Entre 2012 e 2018, a média foi de 31,1% dos entre­gadores con­tribuin­do, enquan­to entre 2019 e 2022 essa média baixou para menos de um quar­to (23,1%).

O fenô­meno foi ain­da mais agu­do entre os motoris­tas, con­forme mostra o estu­do: “nota-se que, até 2015, os motoris­tas de pas­sageiros det­inham taxa de con­tribuição prev­i­den­ciária muito supe­ri­or aos demais gru­pos con­sid­er­a­dos. Especi­fi­ca­mente em 2015, pouco menos da metade dos motoris­tas de pas­sageiros (47,8%) con­tribuía, em com­para­ção com 28,6% dos tra­bal­hadores por con­ta própria e 20,6% dos empre­ga­dos sem carteira assi­na­da. Após 2015, quan­do começam a se difundir os aplica­tivos de trans­porte, a cober­tu­ra prev­i­den­ciária dos motoris­tas de pas­sageiros se reduz quase pela metade, somente 24,8% dos tra­bal­hadores em 2022.”

Breque dos APPs

A pre­cariza­ção das condições de tra­bal­ho lev­ou motoris­tas e entre­gadores a par­al­is­ar as ativi­dades em 25 de jul­ho de 2020, durante a epi­demia de covid-19. O Breque dos Apps, como a mobi­liza­ção ficou con­heci­da, tin­ha como pau­ta os aumen­tos do val­or pago por quilômetro roda­do e do val­or da taxa mín­i­ma paga pela entre­ga. Os tra­bal­hadores tam­bém reivin­di­cavam o fim do sis­tema de pon­tu­ação e a reati­vação de cadas­tros blo­quea­d­os pelas platafor­mas.

A situ­ação de motoris­tas e entre­gadores inscritos nos aplica­tivos lev­ou o gov­er­no fed­er­al a insti­tuir, entre 1° de maio e 28 de novem­bro do ano pas­sa­do, um grupo de tra­bal­ho (GT) tri­par­tite com rep­re­sen­tantes de empre­sas, dos tra­bal­hadores e do próprio gov­er­no para elab­o­rar uma

pro­pos­ta con­sen­su­al de reg­u­la­men­tação das ativi­dades de trans­porte de pes­soas, de bens e out­ras, exe­cu­tadas por inter­mé­dio de platafor­mas tec­nológ­i­cas.

O pra­zo de fun­ciona­men­to do GT chegou ao fim sem per­spec­ti­va de acor­do para pro­pos­ta con­jun­ta que resul­tasse em pro­je­to de lei a ser encam­in­hado ao Con­gres­so Nacional. Em março deste ano, o gov­er­no fed­er­al apre­sen­tou soz­in­ho o pro­je­to de lei com­ple­men­tar, que tra­ta da relação de tra­bal­ho entre motoris­tas e empre­sas que oper­am aplica­tivos de trans­porte indi­vid­ual (PLP nº 12/2024).

A ten­ta­ti­va frustra­da de con­sen­so é descri­ta no estu­do O grupo tri­par­tite brasileiro e os desafios de com­por uma pro­pos­ta de reg­u­lação do tra­bal­ho coor­de­na­do por platafor­mas dig­i­tais, tam­bém pub­li­ca­do pelo Ipea. De acor­do com o doc­u­men­to, entre as razões para o fra­cas­so está a baixa rep­re­sen­tação sindi­cal dos tra­bal­hadores e das empre­sas, o que resul­tou na fal­ta de roti­na de nego­ci­ação cole­ti­va.

“Essa fal­ta de insti­tu­cional­iza­ção resul­tou na ausên­cia de uma lin­guagem comum entre empre­sas e tra­bal­hadores envolvi­dos nas nego­ci­ações. Enquan­to a pau­ta de reivin­di­cações da ban­ca­da lab­o­ral do GT se basea­va na lin­guagem do dire­ito do tra­bal­ho esta­b­ele­ci­do, as pro­postas da ban­ca­da empre­sar­i­al se baseavam em lin­guagem própria e enfa­ti­zavam, em vários momen­tos, a neces­si­dade de novo mar­co legal para o que ale­gavam ser uma nova for­ma de tra­bal­ho. entre as empre­sas de platafor­mas dig­i­tais e os sindi­catos dos tra­bal­hadores plataformiza­dos”, diz o tex­to.

Empreendedor ou trabalhador

O Ipea tam­bém pub­li­cou estu­do O que pen­sam os entre­gadores sobre o debate da reg­u­lação do tra­bal­ho por aplica­tivos?, elab­o­ra­do por pesquisadores do Depar­ta­men­to de Soci­olo­gia da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB), sobre o per­fil dos tra­bal­hadores a par­tir de pesquisa tipo sur­vey com apli­cação de ques­tionário, de for­ma pres­en­cial e online, jun­to a 247 motoris­tas e entre­gadores que atu­avam no Dis­tri­to Fed­er­al no primeiro semes­tre de 2023.

O estu­do mostra que a cat­e­go­ria tem posi­ciona­men­to ambíguo, que alter­na a autoim­agem de que são empreende­dores — e pre­cisam de autono­mia em relação ao Esta­do para o bom desen­volvi­men­to e liber­dade de suas ativi­dades -, com a auto­com­preen­são de que são tra­bal­hadores e assim devem reivin­dicar dire­itos soci­ais pre­vis­tos em out­ras ocu­pações lab­o­rais.

“Con­sti­tu­iu-se, nos últi­mos anos, um pen­sa­men­to hegemôni­co de que o con­tra­to de tra­bal­ho – ou, em out­ras palavras, ser celetis­tas ou ‘ficha­do’ – é sinôn­i­mo de sub­or­di­nação a um patrão e, por­tan­to, de sujeição às mais diver­sas for­mas de explo­ração, dis­crim­i­nação, assé­dio etc. Dessa for­ma, tra­bal­har por meio de um aplica­ti­vo dá a sen­sação de não haver uma relação de sub­or­di­nação e, con­se­quente­mente, have­ria maior liber­dade nas escol­has da vida lab­o­ral, ain­da que isso implique jor­nadas exces­si­va de mais de 14 horas diárias e seis dias por sem­ana”, afir­ma a pesquisa.

Para o econ­o­mista Car­los Hen­rique Leite Corseuil, dire­tor de Estu­dos e Políti­cas Soci­ais do Ipea, e mem­bro do cor­po edi­to­r­i­al que decid­iu pela pub­li­cação dos três estu­dos, os tra­bal­hadores inscritos em aplica­tivos “percebem o con­tra­to CLT ou a leg­is­lação tra­bal­hista como amar­ras em relação à jor­na­da de tra­bal­ho. Temem enri­je­cer jor­na­da, enri­je­cer remu­ner­ação. Eles acham que vão ficar atre­la­dos ao salário mín­i­mo, à remu­ner­ação mín­i­ma. Mas não percebem que soz­in­hos, nego­cian­do com as empre­sas, não estão con­seguin­do ter autono­mia em relação à definição de um monte de coisas do tra­bal­ho, frente ao que as empre­sas estão impon­do a eles.”

O econ­o­mista assi­nala que os tra­bal­hadores “falam muito que prezam pela autono­mia, que querem autono­mia e, por isso, até são ret­i­centes a serem enquadra­dos como empre­ga­dos na leg­is­lação tra­bal­hista. Mas, na ver­dade, depois depu­rar um pouco mel­hor os dados, é pos­sív­el ver que eles não têm mui­ta autono­mia em diver­sos critérios. Não são livres para pre­ci­ficar o serviço, para esta­b­ele­cer a jor­na­da de tra­bal­ho e nem para definir qual cliente quer aten­der ou não. Há aparente con­tradição nes­sa posição dos tra­bal­hadores em relação ao quan­to de autono­mia, de fato, eles têm ou pen­sam que têm.”

Con­forme os resul­ta­dos apu­ra­dos pelos pesquisadores da UnB para o Ipea, “a imen­sa maio­r­ia dos entre­gadores” é de home­ns (88,3%); pre­tos ou par­dos (75,2%). “Quan­to à faixa etária, a maior parte tem entre 26 e 30 anos (26,7%), segui­do pelas faixas etárias de 31 a 35 anos (21,5%), 20 a 25 anos (19,8%) e 36 a 40 anos (14,2%). Obser­vou-se pequeno per­centu­al de jovens adul­tos de 18 a 20 anos (5,7%) e de pes­soas com idade supe­ri­or a 50 anos (12,2%).”

Os três estu­dos estão pub­li­ca­dos na 77ª edição do Bole­tim Mer­ca­do de Tra­bal­ho do Ipea, disponíveis no link da insti­tu­ição.

Edição: Graça Adju­to

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