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Trabalho de Nise da Silveira revelou grandes artistas

Acervo de 400 mil obras está no Museu de Imagens do Inconsciente

Tâmara Freire
Pub­li­ca­do em 15/02/2025 — 10:20
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ) 13/02/2025 – Exposição de obras do Museu de Imagens do Inconsciente, no Engenho de Dentro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Quan­do Nise da Sil­veira ini­ciou seus trata­men­tos de ter­apia ocu­pa­cional basea­da na arte, ela esper­a­va que a ativi­dade con­tribuísse para mel­ho­rar o quadro de seus pacientes e ofer­e­cesse a eles uma nova for­ma de expres­sar suas emoções. Mas esse tra­bal­ho tam­bém rev­el­ou ao mun­do grandes artis­tas, que estavam soter­ra­dos debaixo das ter­apias psiquiátri­c­as con­ven­cionais da época, ou que nun­ca tin­ham tido a opor­tu­nidade de demon­strar sua cria­tivi­dade.

“Era sur­preen­dente ver­i­ficar a existên­cia de uma pul­são con­fig­u­rado­ra de ima­gens sobre­viven­do mes­mo quan­do a per­son­al­i­dade esta­va desagre­ga­da. (…) Que acon­te­cia? Nas palavras de Fer­nan­do estaria pos­sivel­mente a respos­ta: — Mudei para o mun­do das ima­gens. Mudou a alma para out­ra coisa. As ima­gens tomam a alma da pes­soa”, escreveu a própria Nise, no primeiro capí­tu­lo de seu prin­ci­pal livro, As ima­gens do incon­sciente, a respeito dos tra­bal­hos feitos na ofic­i­na de pin­tu­ra.

A primeira pes­soa a recon­hecer a excep­cional­i­dade das obras foi Mario Pedrosa, um dos mais impor­tantes críti­cos de arte da história brasileira. Impres­sion­a­do, ele lev­ou até o hos­pi­tal o críti­co francês Léon Degand, que decid­iu orga­ni­zar uma exposição no Museu de Arte Mod­er­na de São Paulo, com algu­mas peças pro­duzi­das nas ofic­i­nas de Nise. Sob o nome “Nove Artis­tas do Engen­ho de Den­tro”, ela estre­ou em 1949 e depois foi lev­a­da para out­ros espaços.

Talentos marginalizados

A neces­si­dade de preser­var as obras, orga­ni­zar out­ras exibições e pro­por­cionar pesquisas sobre os tra­bal­hos lev­ou Nise a cri­ar, em 1952, o Museu de Ima­gens do Incon­sciente. Ini­cial­mente ele fun­ciona­va no corre­dor das salas onde eram ofer­e­ci­das as ofic­i­nas, den­tro do Hos­pi­tal Psiquiátri­co Pedro II, em Engen­ho de Den­tro, Zona Norte do Rio de Janeiro.

“Eram pes­soas mar­gin­al­izadas pela sociedade e pela ciên­cia, mas sur­gi­ram tal­en­tos extra­ordinários. A ideia da psiquia­tria é que, com a doença, a inteligên­cia, a afe­tivi­dade, a cria­tivi­dade da pes­soa vão entran­do em um proces­so de dete­ri­o­ração. E o tra­bal­ho da Nise mostrou que a cria­tivi­dade esta­va viva den­tro dessas pes­soas”, desta­ca o atu­al dire­tor do museu, Luiz Car­los Mel­lo.

Rio de Janeiro (RJ) 13/02/2025 – O diretor do Museu de Imagens do Inconsciente, Luiz Carlos Mello, fala sobre o trabalho com Nise da Silveira. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: O dire­tor do Museu de Ima­gens do Incon­sciente, Luiz Car­los Mel­lo, fala sobre o tra­bal­ho com Nise da Sil­veira. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Depois, o museu gan­hou casa própria, em out­ro pré­dio, mas ain­da no ter­reno do insti­tu­to, onde segue até hoje sob a admin­is­tração da Sociedade Ami­gos do Museu de Ima­gens do Incon­sciente, fun­da­da em 1974, às vésperas da aposen­ta­do­ria com­pul­sória de Nise, para garan­tir que seu tra­bal­ho não fos­se inter­rompi­do.

O Fer­nan­do cita­do por Nise é Fer­nan­do Diniz, um dos artis­tas que tra­bal­haram com a médi­ca por mais tem­po, soman­do mil­hares de pin­turas pro­duzi­das. Tam­bém gan­haram destaque no meio artís­ti­co pes­soas como Adeli­na Gomes, Car­los Per­tu­is, Emyg­dio de Bar­ros, Lúcio Noe­man e Octávio Iná­cio.

O museól­o­go Eurí­pedes Junior, que inte­gra a dire­to­ria da Sociedade, tin­ha 19 anos e esta­va na fac­ul­dade de Músi­ca, quan­do começou a min­is­trar ofic­i­nas den­tro das ativi­dades de ter­apia ocu­pa­cional de Nise da Sil­veira. Ao atrav­es­sar o hos­pi­tal “cheio de lixo, com pes­soas sem roupa, nas mais degradantes condições, Eurí­pedes diz que se “chocou ter­riv­el­mente” e pen­sou em nun­ca mais voltar, mas a exper­iên­cia com os pacientes o con­venceu a con­tin­uar.

“A primeira impressão que eu tive da douto­ra Nise é que ela era uma pes­soa com um mag­net­ismo muito grande. Ela me entre­gou seus pacientes, que era a coisa que ela mais ama­va no mun­do, e eu per­gun­tei para ela o que ela que­ria que eu fizesse, e ela falou: “Você faz o que você achar mel­hor, usa a sua cria­tivi­dade”. Aí eu come­cei a faz­er exper­iên­cias musi­cais que eu não con­seguia faz­er na esco­la de músi­ca, e isso foi mar­avil­hoso para mim, tan­to como profis­sion­al, como quan­to pes­soa, porque eu come­cei a con­stru­ir uma out­ra out­ra for­ma de ver o mun­do”.

Sua exper­iên­cia de 40 anos, tra­bal­han­do com as ofic­i­nas e depois con­tribuin­do com o museu, deu origem ao livro recém-lança­do “Do asi­lo ao museu — Nise da Sil­veira e as coleções da lou­cu­ra”.

Ele ten­ta explicar toda a potên­cia das obras: “O mun­do inter­no é um grande uni­ver­so que está para ser descober­to e que a nos­sa sociedade val­oriza muito pouco. Pes­soas que dão um mer­gul­ho nesse mun­do inter­no, que se per­dem nesse mun­do inter­no e sofrem por terem per­di­do a inte­gri­dade do pen­sa­men­to e da con­sciên­cia por causa de exper­iên­cias pro­fun­das muito poderosas que a gente mal con­hece e dá o nome de lou­cu­ra, sem­pre foram excluí­das, estigma­ti­zadas. A douto­ra Nise res­ga­ta uma coisa impor­tante que é a indi­vid­u­al­i­dade dessas pes­soas, demon­stran­do ao mun­do os val­ores e as riquezas desse mun­do inter­no”

Mais de 200 exposições

Hoje o museu abri­ga cer­ca de 400 mil obras, mas a coleção só aumen­ta, já que as ofic­i­nas con­tin­u­am a ser ofer­e­ci­das. Cer­ca de 128 mil delas foram tombadas pelo Iphan e estão sendo dig­i­tal­izadas. O museu tam­bém é o guardião da bib­liote­ca pes­soal de Nise da Sil­veira, e de todo o seu acer­vo de estu­dos e pesquisas. A direção está con­cluin­do o pro­je­to exec­u­ti­vo para lev­an­tar ver­bas para uma ampli­ação, que vai per­mi­tir o mel­hor acondi­ciona­men­to do acer­vo, e prop­i­ciar mais con­for­to e mais ativi­dades para os vis­i­tantes.

Rio de Janeiro (RJ) 13/02/2025 – Acervo de obras do Museu de Imagens do Inconsciente, no Engenho de Dentro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Acer­vo de obras do Museu de Ima­gens do Incon­sciente, no Engen­ho de Den­tro. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Des­de a sua cri­ação, já foram real­izadas mais de 200 exposições, incluin­do “Nise da Sil­veira — A rev­olução do afe­to”, que já está em sua séti­ma edição, pas­san­do pelo Cen­tro Cul­tur­al Ban­co do Brasil de Brasília e pelo Sesc de Soro­ca­ba.

“A gente fez uma curado­ria de seis artis­tas, uma seleção dessas ima­gens do museu, e colo­cou em diál­o­go tan­to com alguns artis­tas mod­er­nos que fre­quen­taram o ate­lier como tam­bém com obras con­tem­porâneas, porque out­ras pes­soas tam­bém lidam com o prob­le­ma da saúde men­tal, dire­ta­mente ou por out­ras for­mas de pen­sar cor­pos mar­gin­al­iza­dos”, expli­ca Isabel Seixas, uma das curado­ras da exposição. Ela com­ple­men­ta que as obras foram escol­hi­das não só pela sua rep­re­sen­ta­tivi­dade artís­ti­ca, mas pelo con­tex­to em que se inserem nas pesquisas feitas por Nise, que aju­daram a psiquia­tria a enten­der mel­hor o incon­sciente.

A mostra já foi vista por mais de 300 mil pes­soas, incluin­do 50 mil estu­dantes que foram lev­a­dos pelas esco­las. Isabel faz uma reflexão que se encaixa na real­i­dade dos artis­tas mas tam­bém dos vis­i­tantes: “Ter con­ta­to com a arte é sem­pre ampli­ar os ref­er­en­ci­ais de mun­do. Você tem aces­so a uni­ver­sos inter­nos de out­ras pes­soas e isso amplia sua for­ma de olhar o mun­do, seja ape­nas para o delete estéti­co, seja na for­ma como isso impacta você”

Rio de Janeiro (RJ) 13/02/2025 – Exposição de obras do Museu de Imagens do Inconsciente, no Engenho de Dentro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Exposição de obras do Museu de Ima­gens do Incon­sciente, no Engen­ho de Den­tro. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil
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