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Tragédia de Mariana: governo e mineradoras assinam acordo de R$ 132 bi

Para Lula, é preciso que o poder público acompanhe ações de perto

Andreia Verdélio – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 25/10/2024 — 14:18
Brasília
Brasília (DF), 25/10/2024 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de cerimônia de assinatura do novo acordo de repactuação da reparação dos danos da tragédia de Mariana (MG). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

O gov­er­no fed­er­al assi­nou, nes­ta sex­ta-feira (25), um acor­do para paga­men­to de R$ 132 bil­hões em ind­eniza­ção pelas empre­sas envolvi­das na tragé­dia de Mar­i­ana, em Minas Gerais, em 2015. O val­or visa reparar os pre­juí­zos cau­sa­dos pelo rompi­men­to da Bar­ragem do Fundão, admin­istra­da pela Samar­co, empre­sa con­tro­la­da pelas min­er­ado­ras Vale (brasileira) e BHP Bil­li­ton (anglo-aus­traliana).

O primeiro acor­do para ind­enizar as víti­mas foi assi­na­do em 2016, mas já sabia-se que uma repactu­ação seria necessária diante da dimen­são da tragé­dia. Foram aber­tas, tam­bém, diver­sas ações judi­ci­ais sobre o caso. Em 2018, as nego­ci­ações foram retomadas.

Dos R$ 132 bil­hões pre­vis­tos no acor­do, R$ 100 bil­hões são novos recur­sos que devem ser pagos em até 20 anos pelas empre­sas ao poder públi­co, para serem apli­ca­dos em diver­sas ações. As com­pan­hias tam­bém des­ti­narão R$ 32 bil­hões para custeio de ind­eniza­ções a pes­soas atingi­das e de ações reparatórias que per­manecerão sob sua respon­s­abil­i­dade.

Elas afir­mam, ain­da, já terem desem­bol­sa­do R$ 38 bil­hões na reparação socioam­bi­en­tal, por meio da Fun­dação Ren­o­va, cri­a­da pelas empre­sas para con­duzir as ações de reparação. Com a assi­natu­ra do acor­do, a fun­dação será extin­ta, e a própria Samar­co assumirá as obri­gações.

Brasília (DF), 25/10/2024 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de cerimônia de assinatura do novo acordo de repactuação da reparação dos danos da tragédia de Mariana (MG). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: O pres­i­dente Lula par­tic­i­pa de cer­imô­nia de assi­natu­ra do novo acor­do de repactu­ação da reparação dos danos da tragé­dia de Mar­i­ana — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Em cer­imô­nia no Palá­cio do Planal­to, o pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va cobrou inves­ti­men­tos em pre­venção a esse tipo de even­to.

“Eu espero que as empre­sas min­er­ado­ras ten­ham apren­di­do uma lição. Ficaria muito mais bara­to ter evi­ta­do o que acon­te­ceu, infini­ta­mente mais bara­to. Cer­ta­mente não cus­taria R$ 20 bil­hões evi­tar a des­graça que acon­te­ceu”, disse Lula, crit­i­can­do mod­e­los de pri­va­ti­za­ção.

“É muito difí­cil nego­ciar com uma cor­po­ra­tion que a gente não sabe quem é o dono e que tem mui­ta gente dan­do pal­pite. E que, muitas vezes, o din­heiro que pode­ria ter evi­ta­do a des­graça que acon­te­ceu é uti­liza­do para pagar div­i­den­dos”, acres­cen­tou.

Lula ain­da cobrou de todos os agentes públi­cos envolvi­dos que as ações sejam acom­pan­hadas de per­to, para garan­tir a reparação às víti­mas. “A gente não está lidan­do com coisas estra­nhas, está lidan­do com o ser humano. A gente, pos­sivel­mente, não con­si­ga nun­ca devolver a total­i­dade dos pre­juí­zos que essas pes­soas tiver­am, que tem o pre­juí­zo psi­cológi­co, além das mortes, tem o pre­juí­zo das coisas que as pes­soas gostavam e que nun­ca mais vão ver e que não tem sub­sti­tu­to”, disse.

A tragé­dia humana e ambi­en­tal de Mar­i­ana ocor­reu em 5 de novem­bro 2015, com o rompi­men­to da bar­ragem de rejeitos de min­er­ação. O dis­tri­to de Ben­to Rodrigues foi total­mente destruí­do pela lama. Dezen­ove pes­soas mor­reram, três estão desa­pare­ci­das até hoje e 600 pes­soas ficaram desabri­gadas.

Aprox­i­mada­mente 40 mil­hões de met­ros cúbi­cos de rejeitos tóx­i­cos foram despe­ja­dos no meio ambi­ente, atingin­do 49 municí­pios em Minas Gerais e no Espíri­to San­to. A lama per­cor­reu 663 quilômet­ros pela Bacia do Rio Doce, até atin­gir o mar do litoral capix­a­ba.

Mariana (MG) - Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Repro­dução: Área afe­ta­da pelo rompi­men­to de bar­ragem no dis­tri­to de Ben­to Rodrigues, zona rur­al de Mar­i­ana — Anto­nio Cruz/Arquivo/Agência Brasil

O advo­ga­do-ger­al da União, Jorge Mes­sias, expli­cou que as trata­ti­vas feitas, até então, foram insu­fi­cientes, e novas nego­ci­ações atrav­es­saram 2023 e 2024, já pelo gov­er­no Lula. Os ter­mos não pre­vi­am, por exem­p­lo, a reti­ra­da de rejeitos, ações de saúde cole­ti­va e ind­eniza­ções indi­vid­u­ais, que estão pre­vis­tos na nova repactu­ação.

“Hoje esta­mos entre­gan­do um acor­do pos­sív­el”, disse Mes­sias. “[Quero] diz­er para as víti­mas, para a pop­u­lação da Bacia do Rio Doce, que nós temos lado e que não ten­ham dúvi­da que, todo acor­do que foi con­struí­do, foi aten­den­do à reivin­di­cação históri­ca das comu­nidades”, acres­cen­tou.

Vítimas

O Movi­men­to dos Atingi­dos por Bar­ra­gens (MAB), que rep­re­sen­ta as víti­mas da tragé­dia, afir­mou, entre­tan­to, que não teve assen­to na mesa de nego­ci­ação da repactu­ação, “o que foi nega­do sob ale­gação de sig­i­lo pelas empre­sas e pelo Judi­ciário”, mas recon­heceu a importân­cia e os avanços do acor­do.

“Esper­amos que se efe­tivem os vários pro­gra­mas que estão pre­vis­tos, inclu­sive o MAB aju­dou a pro­por vários deles. É um avanço no acor­do a parte mais cole­ti­va”, disse à Rádio Nacional o coor­de­nador nacional do MAB, Joceli Andri­oli, cobran­do a par­tic­i­pação dos atingi­dos na imple­men­tação do acor­do e fis­cal­iza­ção das ações.

Para o movi­men­to, o val­or acor­da­do é insu­fi­ciente para alcançar a reparação inte­gral dos dire­itos dos atingi­dos e do meio ambi­ente. “Neste sen­ti­do, a luta segue por ind­eniza­ções jus­tas”, disse Andri­oli, expli­can­do que uma grande lacu­na é o dire­ito indi­vid­ual, onde os val­ores são muito baixos, de R$ 35 mil aos atingi­dos em ger­al e R$ 95 mil aos pescadores e agricul­tores afe­ta­dos.

“Recon­hece­mos a importân­cia do acor­do e seus avanços para os atingi­dos, emb­o­ra o mes­mo apre­sente insu­fi­ciên­cias. O crime em Mar­i­ana e todas as vio­lações decor­rentes dele são resul­ta­do dire­to do proces­so de pri­va­ti­za­ção, que explo­ra todo povo brasileiro, se apro­pria de nos­sas riquezas e ben­e­fi­cia exclu­si­va­mente o sis­tema finan­ceiro e a ganân­cia do grande cap­i­tal”, expli­ca o movi­men­to, em nota.

Em 2023, a Vale reg­istrou lucro líqui­do de R$ 39,9 bil­hões, enquan­to a BHP teve lucros de quase R$ 45 bil­hões no ano fis­cal encer­ra­do em jun­ho deste ano.

Por out­ro lado, no novo acor­do, o movi­men­to desta­ca alguns avanços que “sem­pre estiver­am pre­sentes nas pau­tas de reivin­di­cações das lutas”. Eles citam como pos­i­ti­vo o pro­tag­o­nis­mo do Esta­do na con­dução do proces­so de reparação; os fun­dos especí­fi­cos des­ti­na­dos aos povos indí­ge­nas, quilom­bo­las, povos e comu­nidades tradi­cionais, às mul­heres, aos pescadores e agricul­tores famil­iares; e a con­sti­tu­ição do fun­do per­pé­tuo para ações em saúde, a con­tinuidade da asses­so­ria téc­ni­ca inde­pen­dente, a políti­ca de sanea­men­to, retoma­da econômi­ca, fun­do para enchentes, infraestru­tu­ra e a questão ambi­en­tal.

“Con­sid­er­amos que, após nove anos de injustiças, sofri­men­to e vio­lações de dire­itos, o acor­do pro­pos­to abre um cenário de opor­tu­nidades para con­quis­tas impor­tantes, resul­ta­do de um inten­so proces­so de luta das pop­u­lações atingi­das e das forças ali­adas, em toda Bacia do Rio Doce e litoral capix­a­ba”, acres­cen­ta a nota.

O acor­do assi­na­do hoje será homolo­ga­do pelo Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) para, segun­do a Corte, “evi­tar a con­tínua judi­cial­iza­ção de vários aspec­tos do con­fli­to [no Brasil] e o pro­longa­men­to da situ­ação de inse­gu­rança jurídi­ca”. Até então, as ações eram tratadas pela Justiça Fed­er­al em Minas Gerais.

Em Lon­dres, out­ra ação de ind­eniza­ção começou a ser jul­ga­da nes­ta sem­ana. O proces­so envolve cer­ca de 620 mil víti­mas e bus­ca que a min­er­ado­ra BHP Bil­li­ton, acionista da Samar­co sedi­a­da no Reino Unidos, seja con­de­na­da ao paga­men­to da ind­eniza­ção. A pre­visão é que o jul­ga­men­to dure até março de 2025 e mais três meses para que a juíza britâni­ca Fino­la O’Farrell pro­nun­cie a sen­tença.

Brasília (DF), 25/10/2024 - O advogado-geral da União, Jorge Messias, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participam de cerimônia de assinatura do novo acordo de repactuação da reparação dos danos da tragédia de Mariana (MG). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: O advo­ga­do-ger­al da União, Jorge Mes­sias, o vice-pres­i­dente Ger­al­do Alck­min e o pres­i­dente Lula durante a cer­imô­nia de assi­natu­ra de acor­do de repactu­ação da reparação dos danos da tragé­dia de Mar­i­ana — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

A pagar

Do total de R$ 100 bil­hões a serem pagos ao poder públi­co, R$ 40,73 bil­hões serão des­ti­na­dos dire­ta­mente aos atingi­dos. Out­ros R$ 16,13 bil­hões serão apli­ca­dos na recu­per­ação ambi­en­tal. Uma parcela de R$ 17,85 bil­hões será reser­va­da para fins socioam­bi­en­tais com reflexões aos indi­re­ta­mente atingi­dos e ao meio ambi­ente.

Para mel­ho­rias em sanea­men­to e rodovias estão pre­vis­tos R$ 15,6 bil­hões, enquan­to o restante será des­ti­na­do aos municí­pios afe­ta­dos (R$ 7,62 bil­hões) e a apli­cações insti­tu­cionais, de transparên­cia e out­ros fins (R$ 2,07 bil­hões).

A primeira parcela, no val­or de R$ 5 bil­hões, dev­erá ser paga 30 dias após a assi­natu­ra do acor­do e seguirá um crono­gra­ma de paga­men­to con­tín­uo, ano a ano, até 2043. Os val­ores anu­ais vari­am entre R$ 4,41 bil­hões, pre­vis­tos para a últi­ma parcela, em 2043, e R$ 7 bil­hões, o mais alto a ser pago em um ano, em 2026.

Entre as ações pre­vis­tas pelo gov­er­no fed­er­al está o Pro­gra­ma de Trans­fer­ên­cia de Ren­da (PTR), sob respon­s­abil­i­dade do Min­istério do Desen­volvi­men­to Agrário e Agri­cul­tura Famil­iar (MDA) e do Min­istério da Pesca e Aqui­cul­tura (MPA). Ele pre­vê R$ 3,75 bil­hões para um auxílio men­sal a pescadores e agricul­tores atingi­dos no val­or de 1,5 salário mín­i­mo por até qua­tro anos.

Um total de R$ 8 bil­hões está des­ti­na­do à real­iza­ção de um mod­e­lo de auto­gestão dos próprios indí­ge­nas, povos e comu­nidades tradi­cionais, acom­pan­hados pela União, para asse­gu­rar o dire­ito ao rece­bi­men­to de auxílio finan­ceiro e ver­bas reparatórias a out­ros povos e comu­nidades não recon­heci­das.

Recur­sos da ordem de R$ 14,13 bil­hões estarão sob respon­s­abil­i­dade do Min­istério do Meio Ambi­ente (MMA) e dos esta­dos de Minas Gerais e Espíri­to San­to para serem apli­ca­dos em dois fun­dos volta­dos ao meio ambi­ente.

O acor­do pre­vê R$ 12 bil­hões para apli­cação em saúde cole­ti­va na Bacia do Rio Doce. Deste total, R$ 3,6 bil­hões serão investi­dos em infraestru­tu­ra e equipa­men­tos e R$ 8,4 bil­hões, na con­sti­tu­ição de um fun­do per­pé­tuo que uti­lizará os rendi­men­tos em custeio adi­cional do Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS( na região da Bacia do Rio Doce.

O sanea­men­to bási­co nos municí­pios da bacia dev­erá con­tar com R$ 11 bil­hões, a serem apli­ca­dos com o propósi­to de asse­gu­rar e ante­ci­par as metas de uni­ver­sal­iza­ção, com redução de tar­i­fas.

A fazer

Entre as obri­gações do novo acor­do que per­manecem com as empre­sas estão a reti­ra­da de 9 mil­hões de met­ros cúbi­co de rejeitos deposi­ta­dos no reser­vatório da usi­na hidrelétri­ca Riso­le­ta Neves. Ela está situ­a­da na Bacia do Rio Doce e ocu­pa uma área de mais de 83 mil quilômet­ros quadra­dos nos esta­dos de Minas Gerais e Espíri­to San­to.

As empre­sas ficam obri­gadas, ain­da, a finalizar o reassen­ta­men­to nas regiões de Ben­to Rodrigues e Para­catu de Baixo, out­ro dis­tri­to de Mar­i­ana atingi­do pela lama, recu­per­ar 54 mil hectares de flo­res­ta nati­va e 5 mil nascentes na Bacia do Rio Doce, e realizar o Geren­ci­a­men­to das Áreas Con­t­a­m­i­nadas.

Soma-se a isso a implan­tação do Pro­gra­ma Ind­eniza­tório Defin­i­ti­vo (PID), que é volta­do prin­ci­pal­mente para os atingi­dos pela tragé­dia que não con­seguiram com­pro­var doc­u­men­tal­mente os danos sofri­dos. Eles pas­sam a ter dire­ito ao rece­bi­men­to de ind­eniza­ção, de R$ 35 mil aos atingi­dos em ger­al e R$ 95 mil aos pescadores e agricul­tores afe­ta­dos. A esti­ma­ti­va é de que mais de 300 mil pes­soas terão dire­ito a rece­ber ess­es val­ores, total­izan­do R$ 11,5 bil­hões.

Out­ras 20 mil pes­soas devem rece­ber R$ 13 mil pelos danos à água, pes­soas que tiver­am suas ativi­dades finan­ceiras, pro­du­ti­vas ou ren­da com­pro­meti­das pelo rompi­men­to da Bar­ragem de Fundão.

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