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Tragédia em AL: “vivemos um luto coletivo”, diz moradora

Acidente com ônibus deixou 18 pessoas mortas na Serra da Barriga

Paula Labois­sière e Luiz Clau­dio Fer­reira – Repórteres da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 26/11/2024 — 08:02
Brasília
União dos Palmares (AL), 20/11/2023 - Festividades do Dia da Consciência Negra no Parque Memorial do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

A dor tomou os olhares dos moradores de União dos Pal­mares (AL), que vivem o luto cole­ti­vo após a morte de 18 pes­soas em um aci­dente com ônibus na Ser­ra da Bar­ri­ga, local con­sid­er­a­do históri­co para o Brasil e sagra­do para religiões de matriz africana. As out­ras 30 pes­soas embar­cadas no veícu­lo estão feri­das. Os pas­sageiros no ônibus da prefeitu­ra vis­i­tari­am o pon­to mais alta da ser­ra. A reli­giosa Mãe Nei­de Oyá D´Oxum, de 62 anos, morado­ra há mais de qua­tro décadas na região, tem um restau­rante próx­i­mo ao local do aci­dente e teste­munha que a cidade está pro­fun­da­mente abal­a­da 

“Esta­mos viven­do um luto cole­ti­vo em um solo sagra­do onde as pes­soas vão rev­er­en­ciar nos­sos ances­trais. Enten­do que foi uma fatal­i­dade. Esse pro­je­to de visi­ta à ser­ra tem dado mui­ta vis­i­bil­i­dade ao Quilom­bo dos Pal­mares e per­tenci­men­to às pes­soas que lutam pela causa negra”. Ela expli­ca que, de fato, o per­cur­so requer atenção e os motoris­tas fazem o tra­je­to com veloci­dade baixa para que se con­tem­ple a natureza.

O ônibus trans­porta­va pes­soas que chegari­am ao platô da Ser­ra da Bar­ri­ga para vis­i­tar o local históri­co e con­sid­er­a­do sagra­do. Isso porque a prefeitu­ra local pro­move o pro­je­to Pôr do Sol na Ser­ra e fornece o ônibus para a visi­ta. A cidade esta­va mais movi­men­ta­da por causa das cel­e­brações do 20 de novem­bro, Dia da Con­sciên­cia Negra. A Polí­cia Civ­il inves­ti­ga se o veícu­lo esta­va em condições para o serviço.

Segun­do o pro­fes­sor Clébio Cor­reia, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Alagoas (Ufal), as orga­ni­za­ções do movi­men­to negro estão pro­fun­da­mente abal­adas com a tragé­dia. “Esse 20 de novem­bro foi, pela primeira vez, um feri­ado nacional. Todo o esta­do de Alagoas está de luto”.

A coor­de­nado­ra do Insti­tu­to Raízes de Áfric­as, Arísia Bar­ros, tam­bém lamen­tou o aci­dente e lem­brou que já teve medo das condições da estra­da. “Uma vez, o car­ro em que está­va­mos rodopi­ou na pista, quan­do era estra­da de bar­ro”. O asfal­ta­men­to foi feito em 2019.  “Esse é o cam­in­ho diário de estu­dantes que descem para esco­la”, aler­tou.

Ajuda da população

O som das ambulân­cias e os relatos que chegavam de um aci­dente na Ser­ra da Bar­ri­ga fiz­er­am com que a jor­nal­ista alagoana Rayane Sil­va, de 27 anos, morado­ra de União dos Pal­mares (AL), saísse cor­ren­do de casa. Ela pegou gar­rafas de água e se disponi­bi­li­zou a aju­dar no res­gate das víti­mas do ônibus que despen­cou em uma rib­an­ceira. “Mui­ta gente da cidade foi até lá para aju­dar os bombeiros”.

“Esta­va tudo muito caóti­co”. Ela entende que a pop­u­lação foi fun­da­men­tal para aju­dar no res­gate. Rayane expli­ca que se tra­ta de uma região de mata fecha­da e ter­reno muito íngreme. “Era mui­ta pedra e esta­va bem escor­re­ga­dio. As pes­soas estavam sendo reti­radas na mão e colo­cadas em macas com a aju­da da pop­u­lação. Geral­mente, seis ou sete pes­soas car­regavam víti­ma por víti­ma. Não ten­ho ideia de quan­tas pes­soas eu socor­ri”, teste­munha a morado­ra que chegou ao local do aci­dente por uma estra­da na parte mais baixa da ser­ra.

A jor­nal­ista expli­ca que, ini­cial­mente, o res­gate ocor­ria subindo com as víti­mas. Depois, foram encam­in­hadas para uma estra­da vic­i­nal mais próx­i­ma de onde o ônibus caiu. “Con­fes­so que depois que pas­sou a situ­ação, eu fui assim­i­lan­do dire­ito que eram as pes­soas. Foi muito chocante. Eu me recor­do de um rapaz que recon­heceu o cor­po da irmã. Ele ficou sen­ta­do ao lado”.

Rayane chegou a con­ver­sar com um guia turís­ti­co que esta­va no ônibus e desceu do veícu­lo segun­dos antes de o ônibus ficar descon­tro­la­do e descer de ré pela mata. “Ele me rela­tou que quan­do o ônibus esta­va subindo a ser­ra, todos escu­taram um barul­ho como de uma mangueira estouran­do. O motorista (que mor­reu) parou o ônibus e pediu para o pes­soal descer. Quan­do ele abriu a por­ta, esse rapaz foi o primeiro e úni­co a descer”. Ela tam­bém teste­munhou o res­gate de uma ges­tante que teve o fil­ho no Hos­pi­tal da Mata no próprio domin­go.

Patrimônio

Local­iza­da no municí­pio de União dos Pal­mares, Zona da Mata do esta­do de Alagoas, a Ser­ra da Bar­ri­ga abrange área de aprox­i­mada­mente 27,92 quilômet­ros quadra­dos (km²) e figu­ra, des­de 2017, como patrimônio cul­tur­al brasileiro inscrito no Livro do Tombo Históri­co e no Livro do Tombo Arque­ológi­co, Etno­grá­fi­co e Pais­agís­ti­co des­de 1986. Em maio de 2017, a comu­nidade rece­beu ain­da o títu­lo de patrimônio cul­tur­al do Mer­co­sul.

De acor­do com o Cen­tro de Cul­tura e Estu­dos Étni­cos Ana­jô, enti­dade vin­cu­la­da à Asso­ci­ação Cul­tur­al Agentes de Pas­toral Negros do Brasil, as víti­mas seguiam para o Par­que Memo­r­i­al Quilom­bo dos Pal­mares para acom­pan­har o pôr do sol.

“Lamen­ta­mos ain­da mais que essa tragé­dia mar­que o Mês da Con­sciên­cia Negra com extrema tris­teza e dor, num ter­ritório de tan­ta importân­cia históri­ca”, escreveu o movi­men­to em nota de pesar. A min­is­tra da Igual­dade Racial, Anielle Fran­co, tam­bém desta­cou o impacto para a região. “Em um mês tão impor­tante para todo o país, da Con­sciên­cia Negra, sobre­tu­do para a região do Quilom­bo dos Pal­mares, essa tragé­dia nos entris­tece ain­da mais pro­fun­da­mente”.

Paisagem

De acor­do com o Insti­tu­to do Patrimônio Históri­co e Artís­ti­co Nacional (Iphan), ain­da no sécu­lo 18, esta­b­ele­ceu-se, na Ser­ra da Bar­ri­ga, no Quilom­bo dos Maca­cos, a sede do Quilom­bo dos Pal­mares. “Na pais­agem nat­ur­al e edi­fi­ca­da, obser­va-se, ain­da, grande quan­ti­dade de palmeiras que, segun­do his­to­ri­adores, der­am origem ao nome Pal­mares”.

Entre as car­ac­terís­ti­cas da Ser­ra da Bar­ri­ga estão nascentes que ali­men­tam um açude e uma lagoa, denom­i­na­da Lagoa dos Negros – segun­do o Insti­tu­to do Patrimônio Históri­co e Artís­ti­co Nacional (Iphan), um dos lugares con­sid­er­a­dos sagra­dos pela comu­nidade, onde reli­giosos de matriz africana fazem rit­u­ais.

“O Quilom­bo dos Pal­mares rep­re­sen­ta um mar­co na luta dos escravos no Brasil. Tal proces­so diz respeito aos ances­trais africanos que se man­i­fes­tam nas for­mas ima­te­ri­ais de suas religiões, seus deuses, mitos, obje­tos sagra­dos de cul­tos, artefatos de uso cotid­i­ano, ali­men­tos, expressões cul­tur­ais e alguns espaços geográ­fi­cos man­ti­dos por seus descen­dentes como locais sagra­dos ou de preser­vação da história das pes­soas negras trazi­das da África.”

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