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Um dos maiores parques de transmissão da América Latina faz 50 anos

Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Complexo do Rodeador abriga transmissores de rádios da EBC


Pub­li­ca­do em 01/03/2024 — 07:49 Por Pedro Rafael Vilela — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O prin­ci­pal meio de comu­ni­cação da Amazô­nia não está local­iza­do em nen­hum pon­to da mais exten­sa flo­res­ta trop­i­cal do plan­e­ta. É em uma zona rur­al nos arredores de Brasília que abri­ga o maior com­plexo de trans­mis­são radiofôni­ca do país, incluin­do os trans­mis­sores em ondas cur­tas (OC) da Rádio Nacional da Amazô­nia, a úni­ca emis­so­ra do país que con­segue ter alcance nacional e até inter­na­cional. Inau­gu­ra­do em 11 de março de 1974, próx­i­mo à Bra­zlân­dia — região admin­is­tra­ti­va do Dis­tri­to Fed­er­al a cer­ca de 40 quilômet­ros (km) da cap­i­tal da Repúbli­ca — o Par­que do Rodeador está com­ple­tan­do 50 anos em 2024. A data está sendo cel­e­bra­da com uma série de ativi­dades pro­movi­das pela Empre­sa Brasil de Comu­ni­cação (EBC).

“Esta­mos falan­do da emis­so­ra de rádio mais potente da história do nos­so país. Esta­mos falan­do do maior par­que de trans­mis­são de rádio do Brasil e de um dos maiores par­ques de trans­mis­são de rádio da Améri­ca Lati­na”, desta­ca Octavio Pier­an­ti, pro­fes­sor do Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Mídia e Tec­nolo­gia da Uni­ver­si­dade Estad­ual Paulista Júlio de Mesqui­ta Fil­ho (Une­sp) e asses­sor da Sec­re­taria de Políti­cas Dig­i­tais Presidên­cia da Repúbli­ca. Ele foi um dos par­tic­i­pantes de uma live orga­ni­za­da pela EBC e pela Sociedade Brasileira de Estu­dos Inter­dis­ci­pli­nares da Comu­ni­cação (Inter­com), nes­ta quin­ta-feira (29), para con­tar a tra­jetória do pro­je­to.

Pier­an­ti é autor do livro Entre plan­tações de moran­gos, flo­restas e oceanos — arquiv­os esque­ci­dos da Rádio Nacional recon­tam a origem da Radio­braslança­do em 2022. O livro con­ta jus­ta­mente a história por trás da decisão do gov­er­no da época, em ple­na ditadu­ra mil­i­tar, de cri­ar o mais ambi­cioso pro­je­to de comu­ni­cações vis­to até então vis­to no país.

Com inves­ti­men­tos de cer­ca de US$ 15 mil­hões à época — que em val­ores cor­rigi­dos somari­am cer­ca de R$ 500 mil­hões, segun­do Pier­an­ti -, foram adquiri­dos, por lic­i­tação, nove trans­mis­sores em ondas cur­tas, além de dois trans­mis­sores de ondas médias (Rádio Nacional AM) e um trans­mis­sor FM (da Rádio Nacional FM de Brasília). Atual­mente, no Par­que do Rodeador, oper­am dois trans­mis­sores em ondas cur­tas.

A área abri­ga qua­tro con­jun­tos de ante­nas gigantes, sendo uma de ondas médias, com 142 met­ros de altura, além de mais três con­jun­tos com tor­res mais altas, atingin­do 147 met­ros, e trans­mitem em ondas cur­tas. O pro­je­to foi desen­volvi­do com os recur­sos mais mod­er­nos da época, para obter maior gan­ho, alcance da trans­mis­são dos sinais de rádio e tin­ha a pro­pos­ta de trans­mi­tir con­teú­dos em seis idiomas dis­tin­tos, já que o sinal pode­ria ser cap­ta­do muito além das fron­teiras do país. Há até mes­mo uma subestação de ener­gia própria para ali­men­tar o sis­tema de ante­nas e trans­mis­sores do par­que.

Brasília (DF) 29/02/2024 – O Parque do Rodeador, que é o complexo de transmissão em ondas curtas da Rádio Nacional da Amazônia, celebra 50 anos em março deste ano. Para marcar a data, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) vão promover duas lives para contar um pouco da história de um dos maiores parques transmissores de rádio da América Latina, em ondas médias e curtas.Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília — Par­que do Rodeador, com­plexo de trans­mis­são em ondas cur­tas da Rádio Nacional da Amazô­nia, cel­e­bra 50 anos em março — Foto Joéd­son Alves/Agência Brasil

Ondas cur­tas é o nome que se dá à faixa do espec­tro eletro­mag­néti­co local­iza­da aprox­i­mada­mente entre três e 30 mega­hertz. São as úni­cas que per­mitem a trans­mis­são radiofôni­ca em vas­tas áreas da super­fí­cie ter­restre, ultra­pas­san­do fron­teiras.

Em 2018, o Par­que do Rodeador foi ofi­cial­mente clas­si­fi­ca­do como infraestru­tu­ra críti­ca de radiod­i­fusão em situ­ações de desas­tre, catástro­fes nat­u­rais e emer­gen­ci­ais, quan­do a radiod­i­fusão é uti­liza­da como serviço com­ple­men­tar de comu­ni­cação. Esse enquadra­men­to foi deter­mi­na­do pelo Gabi­nete de Segu­rança Insti­tu­cional da Presidên­cia da Repúbli­ca (GSI). “Se, por algum moti­vo, cair o aces­so à inter­net numa deter­mi­na­da região do país, cair a pos­si­bil­i­dade de comu­ni­cação pelas redes tradi­cionais, vai ser pos­sív­el, ain­da assim, para o Esta­do brasileiro, chegar à pop­u­lação, por meio da Rádio Nacional da Amazô­nia”, expli­ca Pier­an­ti.

História

O nome Rodeador está nos reg­istros de via­jantes que cruzaram o Brasil em mea­d­os do sécu­lo XVIII. Pesquisadores goianos e brasiliens­es, a par­tir de 1980, com­pi­la­ram reg­istros de via­gens de D. Luis da Cun­ha Menezes. Em 1734, o então capitão-gen­er­al da Cap­i­ta­nia de Goiás atrav­es­sou o país, sain­do de Sal­vador até onde hoje é a Cidade de Goiás, uma das mais anti­gas do país, para chegar lá, próx­i­mo da área onde hoje é Brasília.

EBC, Pereira Gomes, Rodeador
Repro­dução: Par­que do Rodeador — José Cruz/Agência Brasil

“A pre­sença do Rodeador está mar­ca­da na Estra­da Real dos Goias­es. Esse ambi­ente de inserção do Rodeador na história do Brasil é inspi­rador para pen­sar o que veio a se tornar esse lugar, em importân­cia estratég­i­ca”, rela­ta Fer­nan­do Pauli­no, pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) e pres­i­dente da Asso­ci­ação Lati­no-Amer­i­cana de Pesquisadores em Comu­ni­cação (Ala­ic).

Out­ra refer­ên­cia é a viagem de Fran­cis­co Adol­fo Varn­hagen, o vis­conde de Por­to Seguro, que a pedi­do do então imper­ador D. Pedro II, atrav­es­sou do litoral ao Planal­to Cen­tral descreven­do sua pas­sagem pela mes­ma região onde viria ser con­struí­da a cap­i­tal do país quase 100 anos depois. Seu estu­do, pub­li­ca­do em livro — A Questão da Cap­i­tal: marí­ti­ma ou no inte­ri­or? — teria influ­en­ci­a­do a escol­ha de mudança da cap­i­tal brasileira.

“No livro, ele apon­ta as van­ta­gens em defe­sa da mudança cap­i­tal, que influ­en­ciou vários dis­cur­sos de Jusceli­no Kubitschek”, acres­cen­ta Pauli­no.

Irradiações alienígenas

O con­tex­to de con­strução desse sis­tema de comu­ni­cação expli­ca a pre­ocu­pação com a grandeza da obra. O mun­do esta­va em ple­na Guer­ra Fria, opon­do Esta­dos Unidos e União Soviéti­ca na dis­pu­ta ide­ológ­i­ca e mil­i­tar entre cap­i­tal­is­tas e comu­nistas.

“Era um dos momen­tos mais autoritários e repres­sivos da ditadu­ra, durante o gov­er­no [Emílio Gar­ras­tazu] Médi­ci, momen­to tam­bém da real­iza­ção das obras faraôni­cas daque­le perío­do, como a Rodovia Transamazôni­ca, a Ponte Rio-Niterói. É nesse con­tex­to que se encaixa o par­que do Rodeador”, con­ta Pier­an­ti. Uma pre­ocu­pação dos mil­itares era a inte­gração nacional e a ameaça comu­nista que vin­ha do norte, mais especi­fi­ca­mente de Cuba.

“Fala­va-se que emis­so­ras de país­es social­is­tas, ou seja, país­es inimi­gos do Brasil num con­tex­to de Guer­ra Fria, chegavam à Amazô­nia, espe­cial­mente emis­so­ras cubanas. O Esta­do brasileiro não con­seguia faz­er resistên­cia a essa entra­da. Em vários doc­u­men­tos, a ditadu­ra mil­i­tar se ref­ere a essas trans­mis­sões como ‘irra­di­ações aliení­ge­nas’, como se ela viesse do espaço, mas vin­ha de alguns quilômet­ros ao norte”.

Comunicação de massa

Ape­sar do impul­so geopolíti­co que deu cabo ao pro­je­to, no decor­rer dos anos 1970, o agrava­men­to da crise econômi­ca fez o Esta­do brasileiro reori­en­tar as pri­or­i­dades da Rádio Nacional da Amazô­nia, que pas­sou a fun­cionar muito mais como fator de inte­gração region­al em um país de dimen­sões con­ti­nen­tais.

“A Rádio Nacional da Amazô­nia é respon­sáv­el por uni­ver­salizar a comu­ni­cação de mas­sa. Naque­les pon­tos, no meio da flo­res­ta, onde é impos­sív­el ouvir uma rádio FM, chega o sinal da Nacional da Amazô­nia, trans­mitin­do em ondas cur­tas. Ela é respon­sáv­el por garan­tir o dire­ito à comu­ni­cação de parte sig­ni­fica­ti­va da pop­u­lação”, desta­ca Pier­an­ti.

“Nen­hum país do mun­do, que tem o taman­ho do Brasil, renun­ciou às suas emis­so­ras de ondas cur­tas, porque sabe que elas são estratég­i­cas, até mes­mo em questões de segu­rança”, argu­men­ta Nélia Del Bian­co, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Goiás (UFG) e da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB), e pesquisado­ra de políti­cas públi­cas de comu­ni­cação.

Brasília - A representante da Intercom Nélia Del Bianco, durante o seminário Migração das Rádios AM para FM, realizado pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Repro­dução: Brasília — A pro­fes­so­ra Nélia Del Bian­co, da Uni­ver­si­dade de Brasília — Foto Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Um episó­dio trági­co, em 2017, mar­cou a história do Par­que do Rodeador. Uma sequên­cia de raios atingiu a subestação de ener­gia que ali­men­ta o par­que, forçan­do a Rádio Nacional da Amazô­nia, a oper­ar em horário reduzi­do e e restringir o alcance do sinal, que ficou com ape­nas 5% da sua capaci­dade. O prob­le­ma só foi resolvi­do em 2020.

“Esse aci­dente trouxe à luz a importân­cia da Rádio Nacional da Amazô­nia. A emis­so­ra deixou de alcançar mil­hões de moradores em áreas rurais, ribeir­in­has e fron­teir­iças da Região Amazôni­ca. Aque­le episó­dio lev­ou caciques e líderes ribeir­in­hos a redi­girem man­i­festo pedin­do empen­ho para que se retor­nasse à rádio com sua potên­cia orig­i­nal. É uma pop­u­lação que a gente às vezes não imag­i­na, per­corre dias de bar­co até a cidade mais próx­i­ma, então, a úni­ca for­ma de conec­tar-se ao mun­do é pelo rádio”, obser­va Del Bian­co. Ain­da nos dias atu­ais, os ouvintes fieis da rádio na Amazô­nia têm uma uma relação afe­ti­va com locu­tores, pro­du­tores e repórteres da emis­so­ra.

“Ain­da é um veícu­lo pri­mor­dial para falar de temas com­plex­os, como mudanças climáti­cas, como a seca que atingiu a Amazô­nia no ano pas­sa­do”, diz a pro­fes­so­ra. Ape­sar do avanço do aces­so à inter­net no país, na região Amazôni­ca esse proces­so ain­da é rel­a­ti­va­mente lento e desigual. “Não é pos­sív­el pen­sar que ini­cia­ti­vas como a do Elon Musk e sua con­ste­lação de satélites da Star­link seja solução para os prob­le­mas de aces­so à inter­net na região. Lev­an­ta­men­tos da pesquisa mostram que 10% das esco­las na Amazô­nia nem sequer têm ener­gia elétri­ca”, afir­ma Nélia Del Bian­co.

*Matéria alter­a­da às 10h01 para esclare­cer infor­mações no títu­lo e no quar­to pará­grafo. O Par­que do Rodeador é um dos maiores da Améri­ca Lati­na, e não o maior, como pub­li­ca­do ini­cial­mente.

Edição: Graça Adju­to

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