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Um mês de calamidade: a cronologia dos alertas da tragédia no RS

Repro­dução: © Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Fortes chuvas deixaram dezenas mortos e milhares de desabrigados


Publicado em 01/06/2024 — 10:40 Por Alex Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Brasília

Impacta­dos pelo incên­dio que, um dia antes, havia mata­do dez pes­soas em uma pou­sa­da con­trata­da pela prefeitu­ra de Por­to Ale­gre para abri­gar pes­soas em situ­ação de rua, poucos der­am atenção à frente fria que chegou à cap­i­tal gaúcha no dia 27 de abril de 2024.

Às 7h50 daque­le sába­do, a Defe­sa Civ­il munic­i­pal chegou a emi­tir um aler­ta sobre a “pos­si­bil­i­dade de chu­vas inten­sas e ven­tos fortes” atin­girem a cidade entre o fim da tarde do mes­mo dia e a madru­ga­da seguinte (28). O tom do avi­so, con­tu­do, não indi­ca­va o que esta­va por vir.

“Evite tran­si­tar na rua durante esse perío­do”, recomen­da­va o órgão munic­i­pal no aler­ta com­par­til­ha­do no site da prefeitu­ra que, quase simul­tane­a­mente, divul­gou a con­fir­mação de uma feira de tro­ca de livros e de um even­to para adoção de ani­mais, naque­la mes­ma tarde, e detal­h­es sobre o esque­ma de trân­si­to mon­ta­do para per­mi­tir a real­iza­ção de uma mara­tona que reuniu cer­ca de 7 mil par­tic­i­pantes, no domin­go.

“Choveu muito aqui, ontem [sába­do], então há muitas poças d´água e tudo o mais”, reg­istrou o jor­nal­ista Ruy Fer­rari, em um vídeo grava­do pouco antes da larga­da da cor­ri­da, no domin­go. Nas ima­gens é pos­sív­el ver a cap­i­tal cober­ta por nuvens.

De acor­do com a Met­Sul Mete­o­rolo­gia, só na cap­i­tal, choveu, no sába­do (27), o equiv­a­lente a 43 milímet­ros (mm, ou 43 litros de água por metro quadra­do) em ape­nas seis horas. Além de alaga­men­tos e transtornos, o mau tem­po afe­tou as oper­ações no Aero­por­to Sal­ga­do Fil­ho. Ao menos dois aviões da Azul, que fazi­am os voos AD 2929 e AD 2933, prove­nientes de Curiti­ba, tiver­am que pousar em Flo­ri­anópo­lis e aguardar até que as condições climáti­cas per­mi­tis­sem que seguis­sem viagem até Por­to Ale­gre.

Porto Alegre (RS), 21/05/2024 – CHUVAS/ RS - ENCHENTE - Bairro Farrapos, em Porto Alegre, continua alagado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Bair­ro Far­ra­pos, em Por­to Ale­gre, ala­ga­do. Chu­vas inun­daram cidades inteiras no Rio Grande do Su. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Após o primeiro aler­ta sobre “a pos­si­bil­i­dade de chu­va inten­sa”, a prefeitu­ra de Por­to Ale­gre só voltou ao assun­to na man­hã de segun­da-feira (29). Con­tu­do, lim­i­tou-se a infor­mar à pop­u­lação que, dev­i­do ao mau tem­po, a reti­ra­da de fios e cabos de tele­co­mu­ni­cações em desu­so e a apli­cação de inseti­ci­da con­tra mos­qui­tos no bair­ro Vila Jardim tin­ham sido sus­pen­sas. Indi­can­do, inclu­sive, que a reti­ra­da de fios só não seria retoma­da na quar­ta-feira (1) por con­ta do feri­ado. Horas mais tarde, con­tu­do, recon­heceu a gravi­dade da situ­ação ao infor­mar que, ao lon­go daque­la segun­da-feira, hou­ve “um aumen­to nas ocor­rên­cias rela­cionadas a desliza­men­tos de solo e danos em tel­ha­dos de residên­cias, com moradores de 12 bair­ros solic­i­tan­do atendi­men­tos emer­gen­ci­ais. E que a ele­vação do nív­el do Guaí­ba já era moti­vo de pre­ocu­pação. Ape­nas qua­tro dias depois, ou seja, na quin­ta-feira (2), a prefeitu­ra dec­re­taria esta­do de calami­dade públi­ca munic­i­pal.

Interior

Antes de avançar sobre a região met­ro­pol­i­tana de Por­to Ale­gre, os tem­po­rais resul­tantes do aumen­to das tem­per­at­uras e da umi­dade causaram pre­juí­zos e transtornos em out­ras cidades gaúchas, como Sant´Ana do Livra­men­to, no oeste do esta­do, na fron­teira com o Uruguai, e em Pelotas, no extremo sul. As primeiras pre­cip­i­tações sig­ni­fica­ti­vas começaram no dia 26 e se inten­si­ficaram nos dias seguintes.

No dia 27, um tor­na­do atingiu a zona rur­al de São Mar­t­in­ho da Ser­ra, no cen­tro do esta­do — feliz­mente, sem causar grandes danos. Já em San­ta Cruz do Sul, no Vale do Rio Par­do, a cer­ca de 165 quilômet­ros de Por­to Ale­gre, cen­te­nas de casas foram destel­hadas e o fornec­i­men­to de ener­gia elétri­ca inter­rompi­do. Os estra­gos e a per­sistên­cia da chu­va motivou a Defe­sa Civ­il munic­i­pal a, no dia 29, ori­en­tar os moradores do bair­ro Várzea a deixarem suas residên­cias por con­ta do risco de alaga­men­to, pois o Rio Par­dinho, que cor­ta a cidade, já esta­va trans­bor­dan­do.

“Des­de o dia 27, esta­mos pas­san­do por um perío­do bas­tante difí­cil, afe­ta­dos por um desas­tre nat­ur­al. [Hou­ve] que­da de grani­zo, ven­tos fortes e chu­va inten­sa”, comen­tou o secretário de Segu­rança e Mobil­i­dade Urbana de San­ta Cruz do Sul, José Joaquim Dias Bar­bosa, em um vídeo divul­ga­do nas redes soci­ais. “Real­mente, nos­sa cidade está sendo asso­la­da por uma situ­ação bas­tante grave e muito pre­ocu­pante, pois con­tin­ua choven­do”, acres­cen­tou a prefei­ta, Hele­na Her­many.

Canoas (RS), 21/05/2024 – CHUVAS/ RS - ABRIGO - Abrigo para pessoas atingidas pela enchente, na ULBRA, em Canoas. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Chu­vas levaram mil­hares de pes­soas a deixarem suas casas e irem para abri­gos públi­cos. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Primeiras mortes

Em 30 de abril, um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) sobrevoou a região e res­ga­tou, na viz­in­ha Can­delária, a primeira de uma série de famílias ilhadas pelas enchentes. Na véspera (29), as duas primeiras mortes asso­ci­adas aos efeitos adver­sos das chu­vas ocor­reram em Pavera­ma, a ape­nas 90 quilômet­ros de dis­tân­cia de San­ta Cruz do Sul. E só então, o gov­er­nador Eduar­do Leite se pro­nun­ciou sobre a situ­ação.

“Eu não sou o homem do tem­po, mas toda vez que eu sou­ber de notí­cia grave sobre o cli­ma aqui no esta­do, vou vir aqui com­par­til­har com vocês”, comen­tou Leite em um vídeo para as redes soci­ais. “Acabo de rece­ber da nos­sa Defe­sa Civ­il o aler­ta des­ta sem­ana. Neste momen­to, o aler­ta dá con­ta dessas regiões do esta­do, mas provavel­mente, aman­hã, já ten­hamos a trans­for­mação dis­so para o grau severo para todo o esta­do”, acres­cen­tou o gov­er­nador.

No mes­mo vídeo, ele men­cio­nou que, até o dia 29, já havia chovi­do, em algu­mas local­i­dades, até 200 mm. “Há a per­spec­ti­va de, até o fim da sem­ana, até a próx­i­ma sex­ta-feira (3), chover mais 150 mm [poden­do chegar até] 300 mm em algu­mas regiões”.

Prevenção

A sucessão dos fatos levan­tou uma questão: mes­mo con­sideran­do o vol­ume excep­cional das chu­vas, por que os órgãos respon­sáveis não foram capazes de aler­tar a pop­u­lação, em tem­po hábil, sobre a real dimen­são do peri­go? Se já em 25 de abril, a Defe­sa Civ­il do Rio Grande do Sul iden­ti­fi­cou que, nos dias seguintes, tem­po­rais trari­am risco de alaga­men­tos, ven­tos fortes e trans­bor­da­men­to de cur­sos d´água, por que só a par­tir do iní­cio de maio, quan­do a infraestru­tu­ra de algu­mas cidades já tin­ha sido com­pro­meti­da, os aler­tas gan­haram a necessária ênfase?

Porto Alegre (RS), 17/05/2024 – CHUVAS RS- ENCHENTES-DRONE - Centro histórico de Porto Alegre permanece alagado devido as fortes chuvas dos últimos dias. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Cen­tro históri­co de Por­to Ale­gre foi toma­do pela água no mês de maio. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Em entre­vis­tas pub­li­cadas pela Agên­cia Brasil no dia 15 de maio, espe­cial­is­tas foram unân­imes ao sus­ten­tar que, com treina­men­to ade­qua­do de profis­sion­ais e da pop­u­lação, é pos­sív­el ao menos min­i­mizar as con­se­quên­cias dos fenô­menos climáti­cos

“Não temos uma Defe­sa Civ­il efi­ciente. O que vimos foi que ela está deses­tru­tu­ra­da, com difi­cul­dades, mal apar­el­ha­da, sucatea­da. E sem mecan­is­mos de aler­ta. Além dis­so, temos uma pop­u­lação que, por não haver pro­gra­mas estratégi­cos para ela, tem prob­le­mas de aces­so às infor­mações de pre­venção”, disse o geól­o­go Rual­do Menegat, pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio Grande do Sul (UFRGS)

“As defe­sas civis de alguns municí­pios, prin­ci­pal­mente dess­es que foram afe­ta­dos, têm uma ou duas pes­soas. Poucos têm uma Defe­sa Civ­il con­sol­i­da­da. E a pop­u­lação pre­cisa de treina­men­to para saber se defend­er”, comen­tou o engen­heiro civ­il e pro­fes­sor da Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca (PUC-RS), Jaime Fed­eri­ci Gomes. “Imag­inemos o exem­p­lo do Japão, que lida com furacões, ter­re­mo­tos e mare­mo­tos, e tem toda uma estru­tu­ra para con­viv­er com ess­es even­tos extremos. Isso é algo que temos que começar a esta­b­ele­cer na cul­tura. Pre­cisamos apren­der a nos defend­er, a lidar com essas situ­ações e, aos poucos, faz­er as adap­tações estru­tu­rais”, com­ple­tou Gomes.

Alarme

No iní­cio da tarde do dia 30, o gov­er­nador Eduar­do Leite voltou a faz­er uma trans­mis­são nas redes soci­ais, recon­hecen­do que, em vários municí­pios, a situ­ação já era “pre­ocu­pante”. Leite ain­da con­ver­sou, por tele­fone, com o pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, que asse­gurou que o gov­er­no fed­er­al enviaria aju­da ao esta­do e aos municí­pios gaú­chos.

No mes­mo dia, a Defe­sa Civ­il emi­tiu um aler­ta no qual, pela primeira vez, recomen­da­va às prefeituras que ado­tassem seus “planos de con­tingên­cia, imple­men­tan­do os abri­gos públi­cos e real­izan­do a reti­ra­da das pes­soas que vivem nas mar­gens dos rios, prin­ci­pal­mente em áreas já afe­tadas ante­ri­or­mente”. Segun­do o órgão estad­ual, moradores de áreas de risco de seis cidades (São Fran­cis­co de Paula, Canela, Gra­ma­do, Nova Petrópo­lis, Vale Real e Feliz) devi­am bus­car locais seguros.

Porto Alegre (RS), 25/05/2024 - Aeroporto Salgado Filho (POA) continua alagado pelas enchentes que atinge o estado.Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Ala­ga­do, Aero­por­to Sal­ga­do Fil­ho, em Por­to Ale­gre, parou de oper­ar. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

No dia 1 de maio, o gov­er­no do Rio Grande do Sul decre­tou esta­do de calami­dade públi­ca. O esta­do já con­tabi­liza­va ao menos dez mor­tos e 21 desa­pare­ci­dos. E Leite recon­hecia que a destru­ição pre­nun­ci­a­va o “maior desas­tre da história” gaúcha em ter­mos de pre­juí­zo mate­r­i­al.

O gov­er­nador, no entan­to, deu declar­ações negan­do ter demor­a­do a agir para aler­tar e evac­uar a pop­u­lação. Em entre­vista à BBC Brasil, em 17 de maio, o gov­er­nador afir­mou que as providên­cias foram tomadas à medi­da que se ver­i­fi­ca­va sua neces­si­dade, nas condições e infor­mações disponíveis no momen­to. E reit­er­ou que no dia 29 pediu pela primeira vez para as pes­soas saírem das áreas de risco.

Ques­tion­a­da sobre o por que da demo­ra do gov­er­no estad­ual e das prefeituras recomen­darem que os moradores de áreas de risco deix­as­sem suas residên­cias, a Defe­sa Civ­il estad­ual não havia respon­di­do até a pub­li­cação des­ta reportagem. De acor­do com o mais recente bole­tim divul­ga­do pelo órgão, ao menos 171 pes­soas perder­am a vida e mais de [2,34] mil­hões de gaú­chos foram dire­ta ou indi­re­ta­mente afe­ta­dos em um dos [473] municí­pios atingi­dos. Há ain­da 43 pes­soas desa­pare­ci­das e pelo menos 37.812 desabri­gadas em todo o esta­do.

Edição: Marce­lo Brandão

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