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Uma em cada seis crianças de até 6 anos foi vítima de racismo no país

Dados são da Pesquisa Panorama da Primeira Infância

Mar­i­ana Tokar­nia — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 06/10/2025 — 07:02
Rio de Janeiro
Brasília (DF) 16/11/2023 – Ensaio com estudantes para ilustrar reportagens sobre educação. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Uma em cada seis cri­anças de até 6 anos de idade foi víti­ma de racis­mo no Brasil. As crech­es e pré-esco­las são os locais onde ocor­reu a maior parte dess­es crimes. Os dados são do Panora­ma da Primeira Infân­cia: o impacto do racis­mo, pesquisa nacional encomen­da­da ao Datafol­ha pela Fun­dação Maria Cecil­ia Souto Vidi­gal — orga­ni­za­ção da sociedade civ­il que tra­bal­ha pela causa da primeira infân­cia -, divul­ga­da nes­ta segun­da-feira (6).

A pesquisa ouviu 2.206 pes­soas, sendo 822 respon­sáveis pelo cuida­do de bebês e cri­anças de 0 a 6 anos. Os dados foram cole­ta­dos em abril deste ano, por meio de entre­vis­tas pres­en­ci­ais real­izadas em pon­tos de grande fluxo pop­u­la­cional.

Os dados cole­ta­dos mostram que 16% dos respon­sáveis por cri­anças de até 6 anos afir­mam que elas já sofr­eram dis­crim­i­nação racial. A dis­crim­i­nação é maior quan­do os respon­sáveis são tam­bém pes­soas de pele pre­ta ou par­da. Entre elas, esse índice chega a 19%, enquan­to entre cri­anças com respon­sáveis de pele bran­ca a por­cent­agem é 10%.

Sep­a­ra­dos por idade, 10% dos cuidadores de cri­anças de até 3 anos de idade afir­mam que os bebês e cri­anças sofr­eram racis­mo e 21% daque­les com cri­anças de idade entre 4 e 6 anos relatam que elas foram víti­mas desse crime.

Onde ocorreram os casos

A pesquisa rev­ela ain­da que crech­es e pré-esco­las foram os ambi­entes mais cita­dos como locais onde cri­anças já sofr­eram dis­crim­i­nação racial — 54% dos cuidadores afir­mam que as cri­anças viven­cia­ram situ­ações desse tipo em unidades de edu­cação infan­til, sendo 61% na pré-esco­la e 38% nas crech­es.

Pouco menos da metade dos entre­vis­ta­dos, 42%, afir­mam que o crime ocor­reu em espaços públi­cos, como na rua, praça ou par­quin­ho; cer­ca de 20% dizem que ocor­reu no bair­ro, na comu­nidade, no con­domínio ou viz­in­hança; e 16% con­tam que ocor­reu na família. Espaços pri­va­dos, como shop­ping, comér­cio e clube, apare­cem entre os locais cita­dos por 14% dos entre­vis­ta­dos, segui­dos por serviços de saúde ou assis­ten­ci­ais (6%) e por igre­jas, tem­p­los e espaços de cul­to (3%).

Segun­do a CEO da Fun­dação Maria Cecil­ia Souto Vidi­gal, Mar­i­ana Luz, a esco­la é o primeiro espaço de social­iza­ção da cri­ança, é onde ela pas­sa grande parte do tem­po é que dev­e­ria ser de pro­teção.

“É um espaço social que, pelas nos­sas peças leg­isla­ti­vas, dev­e­ria ser um dev­er nos­so, da sociedade, que a esco­la seja um espaço de pro­teção e de desen­volvi­men­to. É muito críti­co a gente com­bat­er o racis­mo des­de o berço, des­de uma mul­her grávi­da, na ver­dade, para que ela não sofra racis­mo na gravidez. Ago­ra, com o bebê, com uma cri­ança peque­na, é ain­da mais con­tun­dente a neces­si­dade de com­bate ao racis­mo estru­tur­al, para que ele não acon­teça nun­ca, mas sobre­tu­do nes­sa fase da vida que é onde o maior pico de desen­volvi­men­to está acon­te­cen­do”, diz.

Quan­do per­gun­ta­dos sobre como percebem o racis­mo prat­i­ca­do con­tra bebês e cri­anças, a maior parte dos respon­sáveis entre­vis­ta­dos (63%) acred­i­ta que pes­soas pre­tas e par­das são tratadas de for­ma difer­ente por causa da cor da pele, do tipo de cabe­lo e de out­ras car­ac­terís­ti­cas físi­cas. Out­ros 22% acred­i­tam que, emb­o­ra exista racis­mo, é raro que cri­anças na primeira infân­cia, ou seja, com idade até 6 anos, sejam víti­mas desse crime. Na out­ra pon­ta, 10% acred­i­tam que a sociedade brasileira prati­ca­mente não é racista e 5% descon­hecem o assun­to.

“O primeiro pas­so em qual­quer grande desafio é a gente recon­hecer que é uma sociedade racista e com­bat­er isso com veemên­cia”, diz Mar­i­ana Luz. Segun­do ela, as esco­las devem ter pro­to­co­los para lidar com essas situ­ações, que inclu­am a for­mal­iza­ção das denún­cias e a for­mação de todos os profis­sion­ais que atu­am na insti­tu­ição.

“Para todo mun­do saber o que faz­er, cada esco­la, primeiro, tem que qual­i­ficar o cor­po dos pro­fes­sores, dos dire­tores, dos super­vi­sores, dos aux­il­iares, de toda essa rede que lida no dia a dia com as cri­anças. Tam­bém a gestão, des­de a sec­re­taria munic­i­pal de Edu­cação, à estad­ual, até o Min­istério da Edu­cação. Pre­cisa ser um con­jun­to grande de todo mun­do atuan­do nes­sa mes­ma direção”, acres­cen­ta.

Impactos do racismo

O estu­do mostra que o racis­mo sofri­do por bebês e cri­anças tem impacto no desen­volvi­men­to delas. “O racis­mo é um dos fatores que com­põem as chamadas exper­iên­cias adver­sas na infân­cia, vivên­cias que expõem a cri­ança ao estresse tóx­i­co, que inter­fer­em em sua saúde físi­ca e socioe­mo­cional e no seu desen­volvi­men­to inte­gral”, afir­ma o tex­to.

Segun­do a pesquisa, crech­es e pré-esco­las são os espaços de maior opor­tu­nidade de pre­venção e pro­teção con­tra a dis­crim­i­nação. Para isso, é fun­da­men­tal que a edu­cação infan­til con­te com profis­sion­ais prepara­dos e mate­ri­ais ade­qua­dos para a edu­cação das relações étni­co-raci­ais. 

“É dev­er de toda a sociedade recon­hecer e com­bat­er o racis­mo e pro­mover uma edu­cação antir­racista des­de cedo, como deter­mi­na a Lei nº 10.639/2003, garan­ti­n­do pro­teção às cri­anças na primeira infân­cia con­tra qual­quer for­ma de dis­crim­i­nação e vio­lên­cia”, diz o estu­do.

A Lei 10.639/2003 esta­b­elece que os con­teú­dos ref­er­entes à história e cul­tura afro-brasileira sejam min­istra­dos no âmbito de todo o cur­rícu­lo esco­lar, ou seja, em todas as eta­pas de ensi­no, da edu­cação infan­til ao ensi­no médio. A lei, no entan­to, não é cumpri­da. Uma pesquisa divul­ga­da em 2023 mostra que sete em cada dez sec­re­tarias munic­i­pais de Edu­cação não realizaram nen­hu­ma ação ou pou­cas ações para imple­men­tação do ensi­no da história e da cul­tura afro-brasileira nas esco­las.

Mar­i­ana Luz com­ple­men­ta que os dados rev­e­lam a importân­cia de uma edu­cação antir­racista des­de a primeira infân­cia, tan­to para pro­te­ger as cri­anças negras e indí­ge­nas, quan­to para edu­car as cri­anças bran­cas des­de pequenas.

“O fato de a primeira infân­cia ser a maior fase de desen­volvi­men­to, tam­bém pre­cisa ser um momen­to ini­cial de com­bate ao racis­mo e de pro­teção dessas cri­anças, mas tam­bém de edu­cação de cri­anças bran­cas e do cor­po docente, de todo o cor­po de pro­fes­sores, para que a gente con­si­ga com­bat­er o racis­mo estru­tur­al”.

Racismo é crime

De acor­do com a Lei nº 7.716/1989, racis­mo é crime no Brasil. A lei reg­u­la­men­ta tre­cho da Con­sti­tu­ição Fed­er­al que tornou o racis­mo inafi­ançáv­el e impre­scritív­el.

A Lei nº 14.532, san­ciona­da pelo pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va em janeiro de 2023, aumen­ta a pena para a injúria rela­ciona­da à raça, cor, etnia ou pro­cedên­cia nacional. Com a nor­ma, quem pro­ferir ofen­sas que desre­speit­em alguém, seu deco­ro, sua hon­ra, seus bens ou sua vida poderá ser punido com reclusão de 2 a 5 anos. A pena poderá ser dobra­da se o crime for cometi­do por duas ou mais pes­soas.

As víti­mas de racis­mo devem reg­is­trar bole­tim de ocor­rên­cia na Polí­cia Civ­il. É impor­tante tomar nota da situ­ação, citar teste­munhas que tam­bém pos­sam iden­ti­ficar o agres­sor. Em caso de agressão físi­ca, a víti­ma pre­cisa faz­er exame de cor­po de deli­to logo após a denún­cia e não deve limpar os machu­ca­dos, nem tro­car de roupa – essas evidên­cias podem servir como provas da agressão.

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