...
quarta-feira ,6 dezembro 2023
Home / Saúde / Vacinação brasileira é modelo para o mundo, mas enfrenta desafios

Vacinação brasileira é modelo para o mundo, mas enfrenta desafios

Repro­dução: © José Cruz/Agência Brasil/Arquivo

Programa Nacional de Imunizações completa 50 anos este mês


Pub­li­ca­do em 01/09/2023 — 07:13 Por Viní­cius Lis­boa* — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

ouvir:

Vacinação 50 anos

Pre­venir con­tra o saram­po uma cri­ança da Ter­ra Indí­ge­na Bacur­iz­in­ho, no Maran­hão. Vaci­nar con­tra a pneu­mo­nia um idoso aca­ma­do em casa, no Com­plexo da Pen­ha, no Rio de Janeiro. Pro­te­ger da rai­va um ado­les­cente feri­do por um morcego sil­vestre na zona da mata mineira. Imu­nizar um bebê con­tra o tétano ain­da na bar­ri­ga da mãe.

Aplicar cen­te­nas de mil­hões de dos­es de vaci­nas por ano em mais de 5 mil municí­pios. Faz­er tudo isso de for­ma gra­tui­ta e segu­ra foi o que tornou o Pro­gra­ma Nacional de Imu­niza­ções [PNI] do Brasil o maior do mun­do e uma refer­ên­cia até mes­mo para país­es desen­volvi­dos.

Há 50 anos, o PNI cumpre a ambi­ciosa mis­são de vaci­nar uma enorme pop­u­lação dis­per­sa num ter­ritório con­ti­nen­tal chama­do Brasil, pro­fun­da­mente mar­ca­do pela diver­si­dade de cul­turas e cenários, e tam­bém pela desigual­dade de condições de vida. Ao lon­go do mês de setem­bro, a Agên­cia Brasil vai relem­brar as con­quis­tas dessas cin­co décadas, dis­cu­tir os desafios do futuro e destacar a importân­cia das vaci­nas para a saúde cole­ti­va do povo brasileiro e da humanidade.

Ape­sar de ser con­sid­er­a­do o maior pro­gra­ma de vaci­nação públi­co e gra­tu­ito do mun­do, com 20 vaci­nas que elim­i­naram doenças impor­tantes como a poliomielite, o tétano neona­tal e a rubéo­la con­gêni­ta, o pro­gra­ma com­ple­ta meio sécu­lo de vida lutan­do para revert­er retro­ces­sos que levaram as cober­turas vaci­nais de vol­ta aos níveis dos anos de 1980. Pesquisadores veem com otimis­mo o novo momen­to vivi­do pelo pro­gra­ma, mas apon­tam que há um lon­go cam­in­ho a ser per­cor­ri­do.

Referência global

“Nós, os brasileiros do PNI [Pro­gra­ma Nacional de Imu­niza­ções], fomos solic­i­ta­dos a dar cur­sos no Suri­name, recebe­mos téc­ni­cos de Ango­la para serem capac­i­ta­dos aqui. Esta­b­ele­ce­mos coop­er­ação téc­ni­ca com Esta­dos Unidos, Méx­i­co, Guiana France­sa, Argenti­na, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Colôm­bia, Peru, Israel, Ango­la, Fil­ip­inas. Fize­mos doações para Uruguai, Paraguai, Repúbli­ca Domini­cana, Bolívia e Argenti­na”.

O tre­cho, reti­ra­do do livro comem­o­ra­ti­vo dos 30 anos do PNI, orga­ni­za­do pelo Min­istério da Saúde, deixa claro o destaque inter­na­cional do Brasil no setor de imu­niza­ções. O ano era 2003, e a imu­niza­ção no país exib­ia ele­va­dos per­centu­ais ano após ano, o que lev­ou à elim­i­nação do tétano neona­tal, da rubéo­la con­gêni­ta e do saram­po do país nos anos seguintes. Des­de 2015, porém, uma que­da con­sid­eráv­el na bus­ca pela vaci­nação fez com que o país revivesse o medo de doenças que ele já tin­ha ven­ci­do: o saram­po retornou em 2018, e a vol­ta da pólio é con­sid­er­a­da uma ameaça de alto risco.

Rio de Janeiro (RJ) - PNI é modelo global de sucesso. - Chefe de saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Luciana Phebo. Foto: UNICEF
Repro­dução: Chefe de saúde do Fun­do das Nações Unidas para a Infân­cia (Unicef) no Brasil, Luciana Phe­bo. Foto: Unicef

A chefe de saúde do Fun­do das Nações Unidas para a Infân­cia (Unicef) no Brasil, Luciana Phe­bo, clas­si­fi­ca o pro­gra­ma como uma refer­ên­cia glob­al, prin­ci­pal­mente para país­es com ren­da média e baixa e semel­hanças socioe­conômi­cas com o Brasil.

“É um pro­gra­ma de refer­ên­cia não só para a Améri­ca Lati­na, mas para país­es da África tam­bém. E o Unicef, jun­to com a OMS [Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde], tem tam­bém essa função de levar boas práti­cas do Brasil para out­ros país­es de con­tex­tos semel­hantes. O PNI não é só impor­tante para o Brasil, é impor­tante para todo o mun­do”.

Luciana Phe­bo desta­ca que o Brasil dis­põe de fer­ra­men­tas impor­tantes que cri­aram as condições para um pro­gra­ma tão bem suce­di­do, como um sis­tema públi­co e uni­ver­sal de saúde, insti­tu­ições com tec­nolo­gia para pro­duzir vaci­nas, e uma rede de atenção bási­ca que ain­da pode mel­ho­rar, mas que con­ta com um alcance rel­e­vante para chegar a quem pre­cisa das vaci­nas.

“O SUS [Sis­tema Úni­co de Saúde] é extra­ordinário, está aci­ma do que acon­tece no mun­do e até mes­mo em país­es desen­volvi­dos, com a capi­lar­i­dade, com uma gestão unifi­ca­da, com o Min­istério da Saúde chegan­do aos municí­pios mais remo­tos e a todo o ter­ritório nacional, que é vastís­si­mo. Poucos país­es têm essa estru­tu­ra.”

As quedas nas cober­turas vaci­nais obser­vadas des­de 2015, porém, acen­der­am um sinal de aler­ta para autori­dades san­itárias do Brasil e do exte­ri­or, e a pos­si­bil­i­dade de que doenças elim­i­nadas do país retornem causa pre­ocu­pação.

“Com a pan­demia, essa redução se agravou e, no perío­do pós-pandêmi­co, acon­tece uma peque­na mel­ho­ra, a cur­va começa a tomar uma out­ra direção, mas essa respos­ta tem que ser acel­er­a­da. E ain­da não teve a acel­er­ação necessária para garan­tir que não haja rein­tro­dução de doenças como a poliomielite ou sur­tos de saram­po que poderão voltar a acon­te­cer”.

Reconstrução progressiva

Brasília (DF), 14/08/2023 - A ministra da Saúde, Nísia Trindade, participa da cerimônia de acolhimento dos profissionais do Programa Mais Médicos para o Brasil. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Repro­dução:  Min­is­tra da Saúde, Nísia Trindade, durante even­to em Brasília. Foto: Wil­son Dias/Arquivo Agên­cia Brasil

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, a min­is­tra da Saúde, Nísia Trindade, desta­ca que o gov­er­no tem atu­a­do para reesta­b­ele­cer o pro­tag­o­nis­mo do pro­gra­ma e a con­fi­ança da sociedade no Min­istério da Saúde enquan­to autori­dade san­itária nacional. Ape­sar de con­sid­er­ar que o desafio está sendo ven­ci­do, ela lem­bra que a recon­strução será pro­gres­si­va e levará tem­po.

“Quan­do começamos a avançar com maior expressão, a par­tir de fins da déca­da de 1980, o mun­do ficou impres­sion­a­do com nos­sa capaci­dade de enga­jar a pop­u­lação, de esta­b­ele­cer essa relação de con­fi­ança com a vaci­nação. A exper­iên­cia bem-suce­di­da e a pro­teção con­tra diver­sas doenças, per­cep­tíveis nos dados de redução e elim­i­nação dessas doenças, reforçaram essa con­fi­ança que pre­cisamos hoje recu­per­ar”, reforçou.

“Recon­quis­tar as altas cober­turas vaci­nais, por­tan­to, em um segun­do momen­to, pode voltar a nos colo­car em uma posição de refer­ên­cia que nos faça con­tribuir mais no enfrenta­men­to ao nega­cionis­mo e à hes­i­tação vaci­nal. Nos­so obje­ti­vo é voltar a ser exem­p­lo para o mun­do. Retomar essa posição de refer­ên­cia inter­na­cional e mobi­lizá-la na nos­sa coop­er­ação com out­ros país­es, incluin­do a vaci­nação, é nos­sa pri­or­i­dade.”

SUS

Brasília (DF), 26.08.2023 - Ministério da Saúde lançou, no Zoológico de Brasília, a campanha de multivacinação no Distrito Federal. - Talis Rodrigues e o filho, Noau Rodrigues. Foto: José Cruz/Agência Brasil. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Min­istério da Saúde lançou a cam­pan­ha de mul­ti­vaci­nação no Dis­tri­to Fed­er­al no final de agos­to. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Con­sul­to­ra da Orga­ni­za­ção Pan-Amer­i­cana da Saúde (Opas) e ex-coor­de­nado­ra do PNI, Car­la Domingues desta­ca que o pro­gra­ma se for­t­ale­ceu porque foi con­sid­er­a­do uma políti­ca de Esta­do, ten­do se estru­tu­ra­do des­de a ditadu­ra mil­i­tar e pas­sa­do por difer­entes gov­er­nos democráti­cos. A robustez con­quis­ta­da, porém, veio prin­ci­pal­mente na déca­da de 1990, a par­tir da cri­ação do Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS).

“O PNI foi um exem­p­lo de suces­so porque todos os princí­pios do SUS foram efe­ti­va­mente con­sol­i­da­dos. Começan­do pela uni­ver­sal­i­dade, que define que todas as vaci­nas cheguem a toda a pop­u­lação brasileira, seja ela dos grandes cen­tros, cidades médias, pop­u­lação ribeir­in­ha ou indí­ge­na”, afir­ma Car­la Domingues, que esteve à frente do pro­gra­ma brasileiro por 13 anos.

“A história de suces­so vai até 2016. Hoje, infe­liz­mente, nos­sos indi­cadores estão sendo com­para­dos a país­es como Haiti e Venezuela. Infe­liz­mente, deix­am­os de ser mod­e­lo. O grande desafio é voltar a esta­b­ele­cer essa con­fi­ança que a gente teve por mais de qua­tro décadas, com a pop­u­lação brasileira sendo respon­sáv­el e com­pare­cen­do aos pos­tos de vaci­nação”.

Um pon­to impor­tante que o PNI intro­duz­iu no país, expli­ca a espe­cial­ista, foi a par­tic­i­pação dos esta­dos e municí­pios nas políti­cas de imu­niza­ção, com atribuições definidas para cada uma das esferas do gov­er­no. A com­pra cen­tral­iza­da e em larga escala de vaci­nas para todo o país por parte do gov­er­no fed­er­al, tam­bém garan­ti­da a par­tir do pro­gra­ma, foi essen­cial para que todas as pop­u­lações pudessem ser vaci­nadas, inde­pen­den­te­mente da saúde finan­ceira ou pri­or­i­dade orça­men­tária de seus esta­dos.

“Até a déca­da de 1970, os pro­gra­mas da varío­la, da pólio e da rubéo­la fazi­am suas com­pras, e não havia uma políti­ca nacional de aquisição de vaci­nas. E para doenças como saram­po, dif­te­ria, tétano e coqueluche, os esta­dos que tin­ham recur­sos fazi­am pro­gra­mas estad­u­ais. Isso não tin­ha impacto para a elim­i­nação das doenças. Com com­pras cen­tral­izadas, dis­tribuição e apli­cação descen­tral­izadas, garan­tia de fornec­i­men­to e toda uma cadeia de trans­porte e logís­ti­ca, você con­seguiu imple­men­tar essa políti­ca de vaci­nação”.

Calendários para todos

Toda essa estru­tu­ra per­mi­tiu que o pro­gra­ma saísse das qua­tro vaci­nas ofer­tadas na déca­da de 1970 para 20 vaci­nas disponíveis hoje, com cal­endários para cri­anças, ado­les­centes, adul­tos, ges­tantes e cam­pan­has de grande porte como a vaci­nação anu­al con­tra o Influen­za.

Ess­es motivos fiz­er­am com que o Brasil sem­pre fos­se con­vi­da­do a apre­sen­tar suas exper­iên­cias nas reuniões da Orga­ni­za­ção Pan-Amer­i­cana de Saúde, lem­bra Car­la Domingues, que acres­cen­ta que o país tam­bém imple­men­tou de for­ma célere as recomen­dações e os com­pro­mis­sos debati­dos no organ­is­mo inter­na­cional.

“O Brasil serviu de mod­e­lo quan­do a orga­ni­za­ção mostra­va os casos de suces­so e, prin­ci­pal­mente, pelos desafios, sendo um país tão grande, com pop­u­lações tão dis­per­sas e em condições geográ­fi­cas tão difer­entes.”

Brasília (DF) 31/08/2023 - Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Mônica Levi.Foto: Divulgação/SBIM
Repro­dução: Pres­i­dente da Sociedade Brasileira de Imu­niza­ções, Môni­ca Levi. Foto: Divulgação/SBIM

A pres­i­dente da Sociedade Brasileira de Imu­niza­ções (SBIm), Mon­i­ca Levi, con­cor­da que, ape­sar de cada país ter suas car­ac­terís­ti­cas, o Brasil era um mod­e­lo. Ela desta­ca que, da mes­ma for­ma, out­ras exper­iên­cias inter­na­cionais podem agre­gar estraté­gias no enfrenta­men­to de desafios, como o anti­vacin­is­mo.

“O Brasil é um país que serve de mod­e­lo por ter um êxi­to nas cober­turas vaci­nais por vários e vários anos, o que não é mais uma real­i­dade ago­ra”, con­ta Môni­ca.

“É impor­tante ver como out­ros país­es enfrentaram as crises de con­fi­ança e con­seguiram con­tornar a situ­ação. Mas o que acon­tece em um país em ter­mos de hes­i­tação vaci­nal nem sem­pre é o mes­mo que em out­ros”, afir­ma a espe­cial­ista apon­ta­do exem­p­los como o Japão e a Aus­trália, que enfrentaram fortes movi­men­tos anti­vaci­na con­tra o imu­niza­ção anti-HPV.

A SBIm, a Fun­dação Oswal­do Cruz e o Min­istério da Saúde têm tra­bal­ha­do jun­tos em um pro­je­to de rever­são das baixas cober­turas vaci­nais que obteve bons resul­ta­dos no Amapá e na Paraí­ba, envol­ven­do as comu­nidades e os líderes comu­nitários na mobi­liza­ção pró-vaci­nas. Ess­es resul­ta­dos têm nortea­do as cam­pan­has de mul­ti­vaci­nação que devem chegar a todos os esta­dos até o fim do ano.

“Já vejo mel­ho­ra, mas não para todas as vaci­nas. Sou otimista e acred­i­to que vamos con­seguir recu­per­ar nos­sa cober­tu­ra vaci­nal e voltar a ser como éramos antes. Já tive­mos uma mel­ho­ra em 2022, mas ain­da não esta­mos per­to de atin­gir o que a gente pre­cisa. Ain­da tem muito tra­bal­ho pela frente”.

 

 

*Colaborou Tâmara Freire, da Rádio Nacional

Edição: Lílian Beral­do

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Campanha Novembro Azul alerta para perigo de doenças urológicas

Repro­dução: © Wil­son Dias/Agência Brasil Objetivo é elevar nível de informação sobre essas doenças Pub­li­ca­do …