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Violência matou mais de 15 mil jovens no Brasil nos últimos 3 anos

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Maioria das vítimas era negra, homem e tinha de 15 a 19 anos


Publicado em 13/08/2024 — 15:01 Por Bruno de Freitas Moura — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Nos últi­mos três anos, mais de 15 mil cri­anças e ado­les­centes até 19 anos foram mor­tos no Brasil de for­ma vio­len­ta. Nesse perío­do, cresceu a pro­porção de mortes cau­sadas por inter­venção poli­cial. As con­statações fazem parte da segun­da edição do relatório Panora­ma da Vio­lên­cia Letal e Sex­u­al con­tra Cri­anças e Ado­les­centes no Brasil, divul­ga­do nes­ta terça-feira (13) pelo Fun­do das Nações Unidas para a Infân­cia (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segu­rança Públi­ca (FBSP).

Foram reg­istradas 4.803 mortes vio­len­tas inten­cionais de cri­anças e ado­les­centes em 2021, 5.354 em 2022 e 4.944 em 2023.

“É um cenário estar­rece­dor. É real­mente um absur­do que a gente per­ca 15 mil vidas de cri­anças e ado­les­centes em três anos”, define a ofi­cial de Pro­teção con­tra Vio­lên­cias do Unicef, Ana Car­oli­na Fon­se­ca.

No entan­to, o total real de mortes no país tende a ser maior, uma vez que o esta­do da Bahia não forneceu dados rel­a­tivos a 2021.

O lev­an­ta­men­to traz dados de reg­istros crim­i­nais como homicí­dio doloso (quan­do há intenção de matar), fem­i­nicí­dio, latrocínio (roubo segui­do de morte), lesão cor­po­ral segui­da de morte e mortes decor­rente de inter­venção poli­cial — este­ja ou não o agente em serviço. Tam­bém são cole­tadas infor­mações ref­er­entes à vio­lên­cia sex­u­al.

Para os pesquisadores, esse con­jun­to de dados é um indi­cador mais com­ple­to para tratar de vio­lên­cia letal a par­tir dos parâmet­ros da segu­rança públi­ca. O FBSP é uma orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal for­ma­da por profis­sion­ais da área de segu­rança, acadêmi­cos e rep­re­sen­tantes da sociedade civ­il.

Ana Car­oli­na Fon­se­ca expli­cou à Agên­cia Brasil que, ape­sar de o estu­do estar na segun­da edição – a primeira inclui dados de 2016 a 2020 –, não há com­para­ção dire­ta entre eles. “A gente não fez essa com­para­ção por haver muitas difer­enças na for­ma como os dados são disponi­bi­liza­dos pelos esta­dos”, jus­ti­fi­ca.

Assim como out­ros tipos de vio­lên­cia que afe­tam a pop­u­lação brasileira inde­pen­den­te­mente de idade, a morte vio­len­ta de cri­anças e ado­les­centes atinge prin­ci­pal­mente a pop­u­lação negra, com­pos­ta por pre­tos e par­dos.

Nos últi­mos três anos, 91,6% dos casos de mortes por vio­lên­cia letal de cri­anças e ado­les­centes englo­baram pes­soas de 15 a 19 anos; 82,9% eram pre­tos e par­dos; e 90%, home­ns.

Brasília (DF), 13.08.2024 - Arte de gráfico para a matéria da Unicef. Arte/Agência Brasil

Fator cor

De acor­do com o lev­an­ta­men­to, a taxa de mortes vio­len­tas para cada grupo de 100 mil negros até 19 anos é de 18,2, enquan­to entre bran­cos a taxa é de 4,1. Isso equiv­ale diz­er que o risco de um ado­les­cente negro, do sexo mas­culi­no, ser assas­si­na­do no Brasil é 4,4 vezes supe­ri­or ao de um ado­les­cente bran­co.

A ofi­cial de Pro­teção con­tra Vio­lên­cias do Unicef apon­ta o racis­mo como “pon­to impor­tante” por trás dess­es dados.

“A gente está falan­do de uma pop­u­lação que é não é pro­te­gi­da como a bran­ca. Existe uma ideia de que essa vida vale menos que out­ras”, crit­i­ca Ana Car­oli­na.

“O desafio que se colo­ca é real­mente de enfrentar o racis­mo, que está pre­sente tam­bém na ação das forças poli­ci­ais, na for­ma como serviços se estru­tu­ram para respon­der a essas mortes, tan­to do pon­to de vista da pre­venção, quan­to de inves­ti­men­to de apu­ração, respon­s­abi­lizar por essas mortes”, com­ple­men­ta a rep­re­sen­tante do Unicef.

Violência policial

Ao lon­go dos três anos abrangi­dos pelo relatório, fica con­stata­do aumen­to na parcela de mortes de jovens cau­sa­da por inter­venção poli­cial. As inter­venções respon­di­am por 14% dos casos em 2021, pro­porção que subiu para 17,1% em 2022 e 18,6% em 2023. Isso rep­re­sen­ta quase uma em cada cin­co mortes vio­len­tas.

Enquan­to a taxa de letal­i­dade provo­ca­da pelas polí­cias entre habi­tantes com idade supe­ri­or a 19 anos é de 2,8 mortes por 100 mil, no grupo etário de 15 a 19 anos chega a 6 mortes por 100 mil habi­tantes, mais que o dobro (113,9%) da taxa ver­i­fi­ca­da entre adul­tos.

“Infe­liz­mente, as vidas jovens negras estão ain­da na mira da ação poli­cial”, lamen­ta Ana Car­oli­na.

Para os pesquisadores, uma políti­ca de redução de homicí­dios com foco em cri­anças e ado­les­centes pre­cisa, em vários esta­dos, nec­es­sari­a­mente con­sid­er­ar “o con­t­role do uso da força das polí­cias”, de acor­do com o relatório.

A ofi­cial do Unicef ressalta que 18 unidades da Fed­er­ação têm taxa de mortes de pes­soas até 19 anos por ação da polí­cia infe­ri­or à média nacional (1,7 por 100 mil). Os maiores índices estão com Amapá (10,9), Bahia (7,4), Sergipe (3,7), Rio de Janeiro (3,1), Mato Grosso (2,9), Pará (2,5), Rio Grande do Norte (2,3) e Espíri­to San­to (1,9). Goiás não forneceu dados de mortes cau­sadas por inter­venção da polí­cia.

“A gente pre­cisa olhar para o Brasil, enten­den­do as difer­enças e bus­car, jus­ta­mente, ess­es locais onde esse uso da força está sendo feito de for­ma exces­si­va­mente letal, que destoa do restante do país”, sug­ere Ana Car­oli­na.

Violência urbana

O relatório indi­ca que, entre os jovens com mais de 15 anos, as mortes totais no país são atre­ladas a car­ac­terís­ti­cas que sug­erem envolvi­men­to com vio­lên­cia arma­da urbana: mais da metade (62,3%) dos casos acon­te­cem em via públi­ca e por pes­soas que a víti­ma não con­hecia (81,5%).

Ao se com­parar dados de víti­mas dos sex­os mas­culi­no e fem­i­ni­no, no uni­ver­so de pes­soas entre 10 e 19 anos, percebe-se que as meni­nas são mais víti­mas de armas bran­cas e agressões do que meni­nos. Nos últi­mos três anos, em torno de 20% das víti­mas do sexo fem­i­ni­no mor­reram por arma bran­ca e 5%, em média, por agressão. Em relação aos indi­ví­du­os do sexo mas­culi­no, as armas bran­cas ficaram no pata­mar de 8% dos casos, e as agressões não chegam a 2%.

Já em relação ao autor do crime, entre as meni­nas, 69,8% eram con­heci­dos das víti­mas. Quan­do se obser­vam os dados das víti­mas do sexo mas­culi­no, ape­nas 13,2% foram cometi­dos por con­heci­dos.

Violência infantil

Em out­ro recorte, de cri­anças até 9 anos, o per­fil da vio­lên­cia letal é mais asso­ci­a­do a con­tex­to de maus-tratos e de vio­lên­cia domés­ti­ca, prat­i­ca­da con­tra essas cri­anças pelas pes­soas mais próx­i­mas a elas, segun­do a análise do Unicef. Em 2023, quase metade (44,6%) acon­tece em casa e 82,1% são cometi­dos por pes­soas con­heci­das da cri­ança.

Os anal­is­tas do Unicef e do FNSP fazem recomen­dações de políti­cas de segu­rança que podem aju­dar o país a com­bat­er a vio­lên­cia con­tra a cri­ança e o ado­les­cente. Entre as ori­en­tações estão o con­t­role do uso da força pelas polí­cias, con­t­role do uso de arma­men­to béli­co por civis, enfrenta­men­to do racis­mo estru­tur­al e mel­ho­ria nos sis­temas de mon­i­tora­men­to e reg­istros de casos de vio­lên­cia.

“A importân­cia de estu­dos como esse é con­seguir enten­der a dinâmi­ca da vio­lên­cia con­tra cada grupo e enten­der que cada vida impor­ta. A gente pre­cisa ser capaz de con­stru­ir uma respos­ta efe­ti­va que enx­er­gue cada meni­no e cada meni­na”, avalia a rep­re­sen­tante do Unicef.

Edição: Juliana Andrade

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