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Vítima de violência, conselheira tutelar atua para salvar crianças

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Eleição para novos conselheiros tutelares será no dia 1º de outubro


Pub­li­ca­do em 17/09/2023 — 13:20 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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A cada dia, Mar­l­la Cos­ta, de 40 anos, tem reen­con­tros mar­ca­dos con­si­go mes­ma. São visões dolori­das do pas­sa­do. Lem­branças da infân­cia e da ado­lescên­cia, dos abu­sos sex­u­ais que sofreu, da dependên­cia quími­ca, inclu­sive do crack já na vida adul­ta. Das histórias de vio­lên­cias, estupro, quan­do viveu em situ­ação de rua. O racis­mo a rodeou por todos os lados. 

Hoje, após uma incrív­el história de revi­ra­vol­ta, a ago­ra con­sel­heira tute­lar de Arniqueiras, no Dis­tri­to Fed­er­al, enx­er­ga o próprio pas­sa­do em out­ras pes­soas. “Eu fui abu­sa­da quan­do cri­ança. Cresci em uma família dis­fun­cional”.

Ela se vê em quem sofre, como se car­regasse um espel­ho translú­ci­do. Ela se enx­er­ga na meni­na, na moça, na mul­her, na mãe. Só que, muito mais do que sen­tir a dor do pas­sa­do, ela tra­bal­ha.

“Eu encon­tro ‘Mar­l­las’ em várias situ­ações na min­ha vida. E esse encon­tro me faz mais forte. Não ten­ho tem­po para estar frag­iliza­da diante de situ­ações que pre­cisam ser resolvi­das. Quan­do cheguei ao con­sel­ho tute­lar, eu já vim cura­da do meu pas­sa­do”, afir­mou a con­sel­heira em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Brasília (DF), 15/09/2023 - A conselheira tutelar de Arniqueiras, Marlla Costa. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF) — A con­sel­heira tute­lar de Arniqueiras, Mar­l­la Cos­ta, deixou o pas­sa­do de vio­lên­cia para trás para sal­var cri­anças em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade. Foto: Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Não há tem­po para chorar o pas­sa­do. A mis­são do con­sel­heiro tute­lar, pre­vista no Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente (ECA), pre­vê ações legais e ime­di­atas para garan­tir à infân­cia a pro­teção diária.

Inclu­sive, para atu­ar no con­sel­ho tute­lar, é necessário con­cor­rer a um manda­to de qua­tro anos. Em 2023, as eleições, que ocor­rem em cada cidade, estão mar­cadas para o dia 1º de out­ubro. O voto é fac­ul­ta­ti­vo e pes­soas aci­ma dos 16 anos de idade podem escol­her o rep­re­sen­tante de sua comu­nidade no con­sel­ho. Cin­co são eleitos por municí­pio.

» Leia mais sobre a preparação do TSE para as eleições para o Con­sel­ho Tute­lar

Participação

O Min­istério dos Dire­itos Humanos e Cidada­nia expli­ca que é necessário estim­u­lar a par­tic­i­pação comu­nitária nes­sa escol­ha. Segun­do Diego Bez­er­ra Alves, coor­de­nador de For­t­alec­i­men­to do Sis­tema de Garan­tia de Dire­itos do min­istério, o papel do Con­sel­ho Tute­lar é ser um garan­ti­dor de dire­itos da con­vivên­cia famil­iar e comu­nitária.

“A preser­vação dos laços famil­iares das cri­anças deve ser a pri­or­i­dade. A reti­ra­da emer­gen­cial de uma cri­ança da família é uma exceção, o últi­mo caso, e com a val­i­dação da Justiça”.

O coor­de­nador apon­ta que a rep­re­sen­tação está rela­ciona­da com a con­fi­ança e a legit­im­i­dade da comu­nidade. “A pes­soa rep­re­sen­tante da comu­nidade pode mel­hor aten­der as cri­anças e as famílias, e ori­en­tar a rede de atendi­men­to. Mas existe o desafio de faz­er com que haja maior recon­hec­i­men­to e val­oriza­ção desse tra­bal­ho pela sociedade”.

Para con­cor­rer, a pes­soa tem que residir no municí­pio onde pre­tende ser eleito, ser maior de 21 anos de idade e com idonei­dade moral. “É muito impor­tante que essas pes­soas já ten­ham exper­iên­cia com a garan­tia dos dire­itos da cri­ança e do ado­les­cente. Pes­soas que ten­ham capaci­dade téc­ni­ca além do seu sen­so comum, de crenças reli­giosas ou políti­cas”.

Diego Bez­er­ra Alves afir­ma que o atu­al gov­er­no fed­er­al tem investi­do na capac­i­tação das pes­soas que ocu­pam os con­sel­hos tute­lares com a Esco­la Nacional dos Dire­itos da Cri­ança e do Ado­les­cente, uma unidade de for­mação online com cur­sos gra­tu­itos na área. Os salários dos con­sel­heiros vari­am de acor­do com a capaci­dade do municí­pio, mas os profis­sion­ais eleitos devem, segun­do o gov­er­no fed­er­al, agir com inde­pendên­cia para fis­calizar a apli­cação dos dire­itos.

No caso de Mar­l­la Cos­ta, ela não vai poder con­cor­rer des­ta vez porque teve prob­le­ma na entre­ga de doc­u­men­tos. Não só gos­tou do serviço como se encon­trou. A con­sel­heira é casa­da com um com­pan­heiro de vida que encon­trou, em 2011, quan­do esta­va em situ­ação de rua. Os dois se aju­daram e revi­raram o des­ti­no. Hoje tem dois fil­hos. Depois de recu­per­a­da, foi para a fac­ul­dade e tra­bal­hou como vol­un­tária em um insti­tu­to de pro­teção de cri­anças em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade.

Na pele

Ela se for­mou em serviço social e embar­cou em pós-grad­u­ação. “Eu sen­ti tam­bém a neces­si­dade de con­tin­uar estu­dan­do leis, arti­gos e a função do con­sel­ho tute­lar. Temos que bus­car uma for­ma human­iza­da do atendi­men­to da maio­r­ia das mães aqui, que são mães solo, mul­heres negras e que tam­bém sofrem vio­lên­cia domés­ti­ca dos seus mari­dos e com­pan­heiros”. Vio­lên­cias que ela encon­tra tam­bém diari­a­mente nas ruas.

Mar­l­la, inclu­sive, foi a primeira víti­ma de racis­mo que reg­istrou o crime depois que hou­ve equiparação com injúria racial (enten­da a lei https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023–01/entenda-nova-lei-que-equipara-injuria-racial-ao-racismo). Foi no dia 13 janeiro que dois home­ns, após uma dis­cussão de trân­si­to, a vio­len­taram com palavras racis­tas e até puxões de cabe­lo. Os agres­sores foram pre­sos em fla­grante. “Eu tra­bal­ho com denún­cias de pes­soas vio­len­tadas. Tin­ha certeza de que não pode­ria me calar. Se eu não denun­ci­asse, não pode­ria tra­bal­har no dia seguinte”.

Ela atende mul­heres e cri­anças que a inspi­ram. “Ini­cial­mente, eu não con­segui pedir socor­ro quan­do eu esta­va nas dro­gas. Eu sim­ples­mente fui me afun­dan­do. Quan­do eu con­si­go olhar aqui uma mãe pedin­do aju­da porque o fil­ho está nas dro­gas, eu pos­so con­ver­sar, eu pos­so falar, porque eu já estive nesse lugar”, con­ta.

Esse lugar de fala não tirou dela impactos a cada história que desco­bre, como de vio­lên­cias diver­sas con­tra cri­anças prat­i­cadas em casa, em out­ros ambi­entes, e tam­bém pelas insti­tu­ições que dev­e­ri­am pro­te­ger.

“Uma das nos­sas atribuições é req­ui­si­tar serviços públi­cos na área da saúde, edu­cação, serviço social, pre­v­idên­cia, tra­bal­ho e segu­rança, por exem­p­lo. Nós podemos req­ui­si­tar jun­to à autori­dade judi­cial medi­das diante de caso de qual­quer des­cumpri­men­to ou mes­mo ameaça”. Para os futur­os con­sel­heiros tute­lares, Mar­l­la recomen­da mui­ta dis­posição, ouvi­dos e olhos aten­tos para esse tra­bal­ho tão espe­cial. “É pre­ciso estar sem­pre indig­na­da e incon­for­ma­da con­tra vio­lên­cias e injustiças”.

Edição: Car­oli­na Pimentel

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