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Viúva de Evaldo Rosa: “257 tiros não são legítima defesa”

Marido de Luciana Nogueira foi morto por militares do Exército, no Rio

Tâmara Freire — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 19/12/2024 — 14:57
Rio de Janeiro
Luciana dos Santos Nogueira, mulher de Edvaldo dos Santos Rosa, músico, morto em uma operação do Exército, em Guadalupe, comparece ao Instituto Médico Legal (IML) para liberar o corpo.
Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

A família do músi­co Eval­do Rosa, mor­to a tiros por mil­itares do Exérci­to no Rio de Janeiro em 2019, ain­da não sabe se vai recor­rer da decisão que absolveu os réus. Depois de tudo o que viu e ouviu durante o jul­ga­men­to no Supre­mo Tri­bunal Mil­i­tar (STM), nes­sa quar­ta-feira (18), a viú­va de Rosa, Luciana Nogueira, perdeu a pou­ca esper­ança que tin­ha.

“Eu já imag­i­na­va que seria um jul­ga­men­to difí­cil, que sendo mil­itares jul­gan­do mil­itares, eles iri­am favore­cer o lado deles e não iri­am se sen­si­bi­lizar pela min­ha dor. Mas eu não imag­i­na­va que seri­am uns votos tão hor­ro­rosos”, lamen­tou.

“Um min­istro falou que a família está atrás de vin­gança. Eu não estou atrás de vin­gança. Eu sim­ples­mente que­ria que a justiça fos­se fei­ta pelo absur­do gigan­tesco que eles come­ter­am con­tra a min­ha família. Nós sabe­mos, infe­liz­mente, que no Brasil a justiça é fal­ha. Eu já desa­cred­i­ta­va da justiça e ago­ra muito mais”, afir­mou.

O crime

Eval­do Rosa diri­gia o car­ro da família e esta­va acom­pan­hado de Luciana, do fil­ho do casal, do sogro e de uma ami­ga, indo para um chá de bebê, na tarde do dia 7 de abril de 2019. Quan­do eles pas­savam por uma via no bair­ro de Guadalupe, na zona norte do Rio, o car­ro foi alve­ja­do por mil­itares do Exérci­to que fazi­am poli­ci­a­men­to na região, por força de um decre­to de Garan­tia da Lei e da Ordem.

Os mil­itares alegam que con­fundi­ram o car­ro da família com out­ro que tin­ha sido rou­ba­do, e dis­pararam 257 tiros de fuzil con­tra o veícu­lo: 62 atin­gi­ram o automóv­el. Eval­do foi balea­do mor­tal­mente, e o sogro ficou feri­do. O cata­dor de mate­r­i­al reci­cláv­el Luciano Mace­do, que ten­tou aju­dar a família em meio aos dis­paros, tam­bém foi atingi­do e mor­reu.

“Todas as provas são bem níti­das. Você não vai ati­rar 257 vezes por legí­ti­ma defe­sa, 257 tiros você ati­ra pra matar. Até mes­mo porque a gente não pas­sou peri­go nen­hum para eles, nós somos pes­soas de bem. Aí eles querem ale­gar que porque tem trá­fi­co pela redondeza, naque­le momen­to eles estavam muito ner­vosos”, con­tes­ta a viú­va de Eval­do.

Decisão

Doze mil­itares foram denun­ci­a­dos pelos crimes de dup­lo homicí­dio qual­i­fi­ca­do e ten­ta­ti­va de homicí­dio. Em primeira instân­cia, oito foram con­de­na­dos: o tenente, que coor­de­na­va a oper­ação a 31 anos de prisão, e os out­ros agentes a 28 anos. Qua­tro mil­itares foram absolvi­dos por não terem efe­t­u­a­do dis­paros.

A defe­sa dos réus recor­reu ao STM e, nes­sa quar­ta-feira, sete mem­bros da Corte decidi­ram seguir o entendi­men­to do min­istro Car­los Augus­to Ama­r­al, rela­tor do caso. Para ele, os mil­itares não podem ser cul­pa­dos pela morte de Eval­do, porque há dúvi­das sobre a origem do dis­paro que ceifou a vida do músi­co, já que ele teria ocor­ri­do durante uma tro­ca de tiros entre a patrul­ha do Exérci­to e os assaltantes. Com isso, os mil­itares foram inocen­ta­dos.

A decisão indig­nou Luciana: “Eles bus­caram fun­da­men­tos que não exi­s­ti­ram, né? Foi um resul­ta­do muito lamen­táv­el. Eles con­tin­u­am com a vida deles e eu e meu fil­ho, a gente vai con­tin­uar com um trau­ma pelo resto das nos­sas vidas”

Os min­istros tam­bém requal­i­ficaram a con­de­nação pela morte de Luciano Mace­do, de homicí­dio doloso, para homicí­dio cul­poso, quan­do não há intenção de matar, acei­tan­do a tese de legí­ti­ma defe­sa. Ago­ra, o tenente terá que cumprir 3 anos e 7 meses e os out­ros sete agentes foram sen­ten­ci­a­dos a 3 anos de prisão em regime aber­to.

Voto pela condenação original

Somente a min­is­tra Maria Eliz­a­beth Rocha, úni­ca mul­her da Corte, votou para man­ter as con­de­nações orig­i­nais. Ela argu­men­tou que o caso demon­stra o racis­mo estru­tur­al da sociedade brasileira e o per­fil­a­men­to feito pelas forças de segu­rança na abor­dagem vio­len­ta de pes­soas negras e pobres.

“Autor­izar o dis­paro de fuzis, inces­san­te­mente, até a morte de meros sus­peitos, em função da per­icu­losi­dade de um local e em razão de os sol­da­dos, suposta­mente, já terem cor­ri­do o risco de morte em situ­ação ante­ri­or e diver­sa da que se está viven­cian­do é colo­car a pop­u­lação, sobre­tu­do a que se encon­tra em locais con­sid­er­a­dos perigosos, em um risco imi­nente, o que é ina­ceitáv­el em um Esta­do democráti­co de dire­ito”, defend­eu a min­is­tra em seu voto.

“Eu parab­eni­zo muito a min­is­tra, pelas palavras dela. Eu acred­i­to que ela se pon­ha no meu lugar, ela é mul­her igual a mim, é mãe igual a mim, é esposa igual a mim. Por isso, eu acred­i­to que pra ela sen­tir a min­ha dor foi bem mais fácil. Porque pros out­ros min­istros que estavam ali, a nos­sa vida parece insignif­i­cante”, disse Luciana.

A família ain­da poderá recor­rer ao próprio STM e ao Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al, caso enten­da que há um dire­ito con­sti­tu­cional em dis­cussão. Luciana vai dis­cu­tir essa pos­si­bil­i­dade com seus advo­ga­dos e com os irmãos de Eval­do, mas não sabe se o esforço valerá a pena. “Ago­ra que tin­ha todas as evidên­cias, para que ocor­resse um resul­ta­do jus­to, não ocor­reu, então eu vou con­tin­uar lutan­do, vou con­tin­uar brig­an­do, e será que lá na frente eu vou ter um resul­ta­do pos­i­ti­vo?”

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