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Viúva de Jango participa de ato pelos 60 anos do comício na Central

Repro­dução: © Arqui­vo Nacional

Durante comício, ex-presidente anunciou reformas para o Brasil


Publicado em 13/03/2024 — 08:28 Por Alana Gandra — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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O comí­cio da Cen­tral do Brasil do dia 13 de março de 1964, em que o então pres­i­dente da Repúbli­ca, João Goulart, con­heci­do como Jan­go, anun­ciou refor­mas estru­tu­rais para o Brasil, com­ple­ta 60 anos nes­ta quar­ta-feira (13). Para Maria Thereza Goulart, viú­va de Jan­go (na foto em destaque, no dia do comí­cio), foi um dos momen­tos mais mar­cantes de sua vida.  

“Primeiro, porque foi uma expec­ta­ti­va muito grande do que pode­ria acon­te­cer; um momen­to em que me sen­ti muito orgul­hosa de estar do lado do meu mari­do; e a pre­ocu­pação, o pâni­co, o pavor que eu sem­pre tive de mul­ti­dão. Foram três coisas impor­tan­tís­si­mas. Acho que foi um dos momen­tos mais mar­cantes da min­ha vida”, relem­bra, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Os 60 anos do comí­cio serão lem­bra­dos em ato que ocor­rerá nes­ta quar­ta-feira (13), na Asso­ci­ação Brasileira de Impren­sa (ABI). Antes do ato, o Museu Vir­tu­al Rio Memórias abrirá, às 16h, a exposição vir­tu­al e físi­ca “Rio 64 – a cap­i­tal do golpe” sobre o golpe de 1964, que resul­tou na implan­tação da ditadu­ra mil­i­tar no Brasil. A mostra con­tém ima­gens mar­cantes do perío­do que pre­cedeu o golpe mil­i­tar que cul­mi­nou na deposição do então pres­i­dente João Goulart, o Jan­go.

O pres­i­dente da ABI, Otávio Cos­ta, desta­ca a importân­cia de se cel­e­brar o que chama de  “últi­mo grande ato do gov­er­no João Goulart”, o comí­cio da Cen­tral do Brasil, quan­do o gov­er­no Jan­go “ten­ta dar uma demon­stração de unidade das forças pro­gres­sis­tas, das forças pop­u­lares, e anun­cia as refor­mas de base”.

Cos­ta lem­bra que essas eram refor­mas amplas que abran­giam várias áreas como a refor­ma agrária, refor­ma do ensi­no, refor­ma urbana, refor­ma trib­utária. “Você tin­ha ali várias pro­postas do gov­er­no João Goulart, todas aten­den­do deman­das pop­u­lares tam­bém, porque eram deman­das dos sindi­catos, dos par­tidos políti­cos de esquer­da, de movi­men­tos pop­u­lares, do Coman­do Ger­al dos Tra­bal­hadores, que, inclu­sive, foi uma das enti­dades que saiu à frente na con­vo­cação do comí­cio”.

Ato histórico

Durante o even­to, que ante­cedeu em duas sem­anas o golpe mil­i­tar que colo­caria o Brasil por 21 anos em uma ditadu­ra, Jan­go anun­ciou que enviaria ao Con­gres­so pro­je­tos de refor­mas que pre­vi­am mudanças pro­fun­das no país, a começar pela refor­ma agrária, com desapro­pri­ação de lat­ifún­dios com mais de 500 hectares, e a encam­pação de refi­nar­ias de petróleo pri­vadas.  Os par­tidos de dire­i­ta e setores con­ser­vadores da sociedade argu­men­taram que Jan­go que­ria implan­tar o comu­nis­mo no país, e o depuser­am no dia 1º de abril de 1964. A família foi exi­la­da do Brasil em segui­da.

Segun­do o pres­i­dente da ABI, o comí­cio foi um suces­so, reunin­do mais de 200 mil pes­soas na Cen­tral do Brasil. “Nós esta­mos falan­do de um país que tin­ha 80 mil­hões de habi­tantes. Esta­mos falan­do do Rio de Janeiro, que tin­ha 3 mil­hões de habi­tantes. Você imag­i­na que 200 mil pes­soas na Cen­tral do Brasil aten­der­am à con­vo­cação. Hou­ve falas do pres­i­dente da União Nacional dos Estu­dantes (UNE), José Ser­ra; do ex-gov­er­nador Leonel Brizo­la, que era dep­uta­do fed­er­al; o (sociól­o­go e políti­co) Dar­cy Ribeiro falou”.

Otávio Cos­ta con­sid­era o dis­cur­so final, do Jan­go, “excep­cional”. “Ele faz uma aber­tu­ra, falan­do da questão da democ­ra­cia. Havia as forças rea­cionárias – mil­itares, empresários, a própria igre­ja – que diziam que Jan­go ia levar o país ao comu­nis­mo, que era sub­ver­si­vo”. O ex-pres­i­dente faz então uma intro­dução sobre democ­ra­cia e acen­tuan­do que não era sub­ver­si­vo, mas esta­va ali falan­do em nome do povo. “Estou na praça do povo, falan­do em nome do povo. Sub­ver­si­vo é quem quer dar um golpe em um gov­er­no con­sti­tu­cional­mente eleito”, relem­bra Cos­ta.

Sub­ver­si­vo, para o ex-pres­i­dente, era quem esta­va con­tra a von­tade do povo. Cos­ta salien­tou que a ABI escol­heu cel­e­brar o episó­dio por con­sid­er­ar que o comí­cio foi um ato impor­tante e históri­co. “E uma ten­ta­ti­va de mostrar aos golpis­tas que as forças pop­u­lares, que as forças pro­gres­sis­tas, que a esquer­da do Brasil estavam unidas con­tra o golpe. Daí a importân­cia desse even­to”.

O ato da ABI con­tará com a pre­sença da viú­va do ex-pres­i­dente João Goulart, a fil­ha deles, Denize, e netas. Tam­bém estarão no even­to Clodsmidt Riani Fil­ho, cujo pai foi orga­ni­zador do comí­cio; par­entes do ex-gov­er­nador Leonel Brizo­la; enti­dades do movi­men­to social como o Movi­men­to dos Tra­bal­hadores Rurais Sem Ter­ra (MST) e Coal­izão Brasil por Memória, Ver­dade, Justiça, Reparação e Democ­ra­cia; par­la­mentares, sindi­catos, lid­er­anças estu­dan­tis; o con­sel­heiro da ABI, pro­fes­sor Ivan Proença, históri­co defen­sor da democ­ra­cia, que atu­ou na resistên­cia ao golpe de 1964; além de Gabriel do Vale, can­tor e neto do ‘poeta do povo”, João do Vale, que fará uma par­tic­i­pação espe­cial.

História

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, a viú­va de Jan­go afir­ma que os fatos ocor­ri­dos depois do comí­cio afe­taram sua vida para sem­pre. “Perdemos a nos­sa pátria, nos­sos son­hos, os ami­gos. Eu per­di meu pai e min­ha mãe. Para mim, foi muito mar­cante. Sem­pre me lem­bro muito de meus pais porque, quan­do fui para o exílio, eu per­di min­ha mãe, com 58 anos de idade, depois meu pai”.

Durante o exílio impos­to pelo gov­er­no mil­i­tar, a família Goulart sofreu muitas perseguições. “Nos­sa vida foi muito con­tro­la­da. Tin­ha pes­soas que con­trolavam tudo: aonde nós andá­va­mos, a nos­sa casa, a nos­sa vida. Tudo, tudo. Nós fomos real­mente persegui­dos em out­ro país”. Maria Thereza admi­tiu, no entan­to, que  o Uruguai, onde a família ficou exi­la­da, foi sua segun­da pátria. “Para mim, foi muito impor­tante, porque meus fil­hos eram muito pequenos e eu pude educá-los no colé­gio. Eles fiz­er­am amizades que até hoje con­ser­vam. Então, teve essa parte tam­bém”.

Maria Thereza con­sid­era que a pior parte do exílio foi a tris­teza e o aba­ti­men­to do Jan­go. “O resto eu tratei de tocar min­ha vida, porque eu tin­ha tão pou­ca idade. Acho que quan­do a gente tem pou­ca idade, parece que tem mais força; a gente encara mel­hor as situ­ações, mas a nos­sa vida foi muito con­tro­la­da”.

A viú­va de Jan­go ressalta que não con­segue enten­der como ain­da há quem defen­da a vol­ta da ditadu­ra mil­i­tar ao Brasil. “Acho hor­rív­el. Sin­ce­ra­mente, não enten­do como as pes­soas podem pen­sar dessa maneira, emb­o­ra admi­to que cada pes­soa tem o seu modo de pen­sar, de agir e de falar. Mas eu fico real­mente impres­sion­a­da como elas con­seguem se adap­tar nesse mod­e­lo de que não impor­ta a ditadu­ra. Eu não con­si­go acred­i­tar”.

Para o Brasil de hoje, Maria Thereza espera um “mila­gre” para que o país ten­ha mel­ho­rias sig­ni­fica­ti­vas. “Acho que cada um se aco­mo­da no lugar e não acon­tece nada. Eu fico muito pre­ocu­pa­da com a vio­lên­cia aqui no Brasil”. Quan­do retornou ao país após o exílio, ela teve a per­cepção de um ambi­ente vio­len­to,  pes­soas ner­vosas e de pobreza per­ma­nente.

Exposição

A exposição Rio 64 – a Cap­i­tal do Golpe, que abar­ca o perío­do com­preen­di­do entre 1º de janeiro de 1964 até 15 de abril do mes­mo ano, quan­do o gen­er­al Hum­ber­to Caste­lo Bran­co tomou posse como 26º pres­i­dente do Brasil e primeiro pres­i­dente do perío­do da ditadu­ra mil­i­tar, ten­do sido um dos artic­u­ladores do golpe ocor­ri­do na madru­ga­da do dia 1º de abril de 1964.

Rio de Janeiro (RJ) 12/03/2024 - Rio 64 - a capital do golpe
Repro­dução: Fotorafia na exposição Rio 64 — a Cap­i­tal do Golpe, aber­ta na ABI  — Rio Memórias/Divulgação

Ide­al­izado­ra do Rio Memórias, Lívia Sá Baião disse à Agên­cia Brasil que a mostra desta­ca out­ros acon­tec­i­men­tos históri­cos do perío­do, como a fala de João Goulart durante reunião de sar­gen­tos no Automóv­el Clube. No dia 30 de março de 1964; declar­ações do gov­er­nador do então esta­do da Gua­n­abara, Car­los Lac­er­da; entre out­ros fatos mar­cantes. “Tem todo o con­tex­to cul­tur­al da época”, disse Lívia. “Foi o ano em que o surf chegou ao Rio, que a atriz france­sa Brigitte Bar­dot veio ao Brasil, que os Bea­t­les estavam fazen­do muito suces­so, as músi­cas mais tocadas eram deles, a Bossa Nova ain­da esta­va no auge. Enfim, todo o con­tex­to históri­co, cul­tur­al e int­elec­tu­al tam­bém está na exposição”.

A exposição ficará em car­taz até o dia 13 de abril. Ela tem curado­ria assi­na­da por Heloisa Star­ling, escrito­ra, his­to­ri­ado­ra, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Minas Gerais (UFMG) e coor­de­nado­ra do Pro­je­to Repúbli­ca, e por Dani­lo Mar­ques, doutor em história pela UFMG e pesquisador do Pro­je­to Repúbli­ca.

Simul­tane­a­mente à inau­gu­ração da exposição físi­ca, será lança­da a ver­são vir­tu­al no site Rio Memórias , onde os vis­i­tantes já podem aces­sar na ínte­gra as memórias apre­sen­tadas na exposição físi­ca, além de out­ros acon­tec­i­men­tos.

Rio Memórias

O Rio Memórias é um museu vir­tu­al, fun­da­do em 2019, que tem como mis­são reg­is­trar, val­orizar e divul­gar a história e a cul­tura do Rio de Janeiro. Além do museu vir­tu­al, o Rio Memórias pro­move ativi­dades educa­ti­vas em esco­las públi­cas, exposições físi­cas e pod­casts (pro­gra­mas de rádio que podem ser ouvi­dos na inter­net a qual­quer hora) nar­ra­tivos. As gale­rias do Rio Memórias são temáti­cas e nar­ram a história da cidade sem seguir uma ordem cronológ­i­ca, per­mitin­do que os vis­i­tantes con­stru­am seus próprios roteiros pelas nar­ra­ti­vas. Atual­mente, o museu con­ta com 21 gale­rias. “Mais de mil “memórias” que são os tex­tos nar­ra­tivos com as ima­gens”, afir­mou Lívia Sá Baião.

Edição: Aline Leal

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