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Viva Maria, 40 anos: uma trajetória de sucesso e superação

Repro­dução: © Igo Estrela

O engajamento antes mesmo das redes sociais


Pub­li­ca­do em 11/09/2021 — 07:20 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter Agên­cia Brasil — Brasília

Uma com­posição de pais­agens humanas, que já atrav­es­sa décadas, tem vozes, histórias e o poder das mul­heres. O pro­gra­ma Viva Maria, da Empre­sa Brasil de Comu­ni­cação, veic­u­la­do pela Rádio Nacional da Amazô­nia, tem uma tra­jetória sin­gu­lar na comu­ni­cação brasileira ao traz­er a cidada­nia para a pau­ta diária. Mul­heres entre­vis­tadas gan­ham voz ao pedir o ban­co da esco­la, a car­ta, as plan­tas, o tra­bal­ho, a união por uma sol­i­dariedade e soror­i­dade fem­i­ni­nas. No dia 14 de setem­bro, o Viva Maria com­ple­ta 40 ano no ar e a Agên­cia Brasil  te con­vi­da a con­hecer, na série Viva Maria, 40 anos, alguns dos per­son­agens que con­struíram a história do pro­gra­ma. 

Repro­dução: Ban­ner Viva Maria 40 anos — Arte EBC

Engajamento raiz

Ela recebe car­tas man­u­scritas, mes­mo em tem­pos da inter­net. Mas tam­bém tem a caixa lota­da de men­sagens instan­tâneas e e‑mails. Cole­cionado­ra de histórias e recon­hec­i­men­to.  A jor­nal­ista Mara Régia di Per­na, uma das profis­sion­ais mais pre­mi­adas do Brasil, apre­sen­ta­do­ra do Viva Maria há 40 anos, man­tém o espíri­to guer­reiro de 9,6 mil pro­gra­mas atrás, em 1981.

Nesse cam­in­ho, o que ela gos­ta mes­mo é de comem­o­rar as tra­jetórias de trans­for­mação que pôde teste­munhar e espal­har pelos seus micro­fones. Histórias vin­das da Amazô­nia ou de out­ras partes do país. As Marias, como ela denom­i­na as mul­heres luta­do­ras, encon­traram na profis­sion­al a con­fi­ança para denun­ciar, aler­tar, pedir aju­da, comem­o­rar jun­to ou mes­mo decla­mar uma poe­sia… “Bom dia, bom dia…” espal­ha aos 70 anos de idade uma ani­mação per­ma­nente, como se ain­da estivesse ape­nas começan­do.

A mis­são está na pon­ta da lín­gua.

“Nós não cob­ri­mos espetac­u­lar­iza­ção. O pro­gra­ma cobre proces­sos”.

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, Mara Régia recor­da o começo do pro­gra­ma, histórias mar­cantes, os sen­ti­men­tos e os basti­dores de cober­turas.

Agên­cia Brasil: Como começou o Viva Maria?
Mara Régia di Per­na: “Maria, Maria, é um dom, uma cer­ta magia…”.Olha só. (É uma história de) Pura magia, como a músi­ca de Fer­nan­do Brandt e Mil­ton Nasci­men­to. Esta­va em Brasília o grupo Cor­po com a músi­ca Maria, Maria fazen­do do balé uma expressão de força, raça e fé. E tive­mos a ideia de cri­ar um pro­gra­ma que falasse com as mul­heres. Des­de o começo, eu tin­ha ante­na­do que pre­cisá­va­mos falar sobre a mul­heres de Brasília. Até porque muitas mul­heres se ressen­ti­am de só terem comu­ni­cação mas­culi­na no ar. Eram só os home­ns que falavam. Havia uma ideia pre­con­ce­bi­da que as mul­heres não ouvem out­ras mul­heres. Ao ide­alizarmos o pro­gra­ma, eu e a Antoni­eta Negrão, nós tive­mos por parte do nos­so ger­ente, o saudoso Eduar­do Fajar­do, para não abrir­mos mão de uma voz mas­culi­na por quem as mul­heres pudessem se apaixonar. Dis­cor­damos. Todos enten­der­am que o Viva Maria seria um pro­gra­ma para falar de mul­her para mul­her. Assim se pas­saram 40 anos. Meu Deus, eu nem acred­i­to…

Agên­cia Brasil: Como foi que surgiu essa relação com a Amazô­nia?
Mara Regia: A Amazô­nia foi a respon­sáv­el pelo meu iní­cio de car­reira no rádio. Eu estu­da­va na Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) o cur­so de pub­li­ci­dade e pro­pa­gan­da. Um ami­go soube que o sis­tema públi­co havia cri­a­do uma rádio para a Amazô­nia. Então fiquei com aqui­lo na cabeça. Hoje sei que não é por aca­so que ten­ho Régia no nome. Eu fui, então, faz­er a pro­va. Fiz, na época, um jor­nal do seringueiro. Deu cer­to. Depois, na Radio­brás, ocu­pei um lugar que esta­va vago, uma opor­tu­nidade na Rádio Nacional, à tarde. Assim con­sol­i­damos o Viva Maria nes­sas ondas. Na Rio 1992, come­cei a faz­er a cam­pan­ha do Plan­e­ta Fêmea. Foi um delírio total. Foi graças à Rio 92 que con­heci, por exem­p­lo, histórias como a de dona Raimun­da dos Cocos (fale­ci­da em 2018). Ela está no cal­endário que comem­o­ra os 40 anos do Viva Maria. Sem­pre vi no rádio um pro­je­to de trans­for­mação social. Nes­sa tra­jetória, fiz uma série de ofic­i­nas sobre saúde da mul­her, tam­bém em relação aos dire­itos repro­du­tivos. Tive 183 vezes na Amazô­nia fazen­do tra­bal­ho de formigu­in­ha e para con­hecer as mul­heres. São muitas as pecu­liari­dades. Tive­mos a opor­tu­nidade de nos encon­trar­mos com os micro­fones da EBC para faz­er o Viva Maria e o Natureza Viva. Esse é o rádio em que a gente acred­i­ta. O rádio que está a serviço da comu­ni­cação públi­ca.

Agên­cia Brasil: Qual a sua pri­or­i­dade no pro­gra­ma?
Mara Régia: Nós não cob­ri­mos a espetac­u­lar­iza­ção, a morte, o incên­dio. A gente cobre proces­sos. Ao lon­go desse 40 anos, esse cam­in­ho nos dá a pos­si­bil­i­dade de con­tar histórias muito comoventes, como a das parteiras da flo­res­ta em bus­ca de recon­hec­i­men­to, ou o dra­ma do escalpela­men­to, ou das poe­t­i­zas da Amazô­nia. Essas mul­heres são as matrizes das histórias que deve­mos con­tar.

Agên­cia Brasil: Quais os perío­dos mais mar­cantes?
Mara Régia: Ess­es perío­dos que coroam a nos­sa existên­cia são fru­tos de exper­iên­cias-lim­ite. Por duas vezes, me sen­ti em situ­ação muito vul­neráv­el. Cer­ta vez, em Lucas do Rio Verde (GO), em que fui min­is­trar uma ofic­i­na sobre agri­cul­tura famil­iar, cheguei bem na hora que um avião esta­va pul­ver­izan­do a cidade inteira com agrotóx­i­co paraquat. Quan­do, na ver­dade, dev­e­ria estar restri­ta à lavoura. Os male­fí­cios dessa intox­i­cação pud­er­am ser sen­ti­dos muito tem­po depois. As mul­heres que estavam grávi­das, por exem­p­lo, tiver­am o leite mater­no con­t­a­m­i­na­do. Out­ra vez foi quan­do par­ticipei de mutirão de recu­per­ação cirúr­gi­ca das víti­mas de escalpela­men­to. Home­ns que perder­am pênis, mul­heres que tiver­am o couro cabe­lu­do arran­ca­do e até a orel­ha arran­cadas. Quan­do se perde a orel­ha, onde colo­car o ócu­los, que é tão impor­tante para sobre­vivên­cia delas? Inclu­sive, na EBC fize­mos tam­bém cam­pan­ha para ter as máquinas para faz­er peru­ca e arrecadação de cabe­lo nat­ur­al. O cabe­lo sin­téti­co não é ade­qua­do para quem vive na Amazô­nia.

Agên­cia Brasil: Quan­tos pro­gra­mas de Viva Maria? Tem ideia?
Mara Régia: Até onde eu con­segui con­tar, são 9,6 mil. Esta­mos a cam­in­ho das 10 mil edições desse pro­gra­ma que se ali­men­ta de histórias dessas mul­heres que são a razão da min­ha vida.

Agên­cia Brasil: Essas mul­heres rev­e­lam recon­hec­i­men­to pelo pro­gra­ma ter muda­do a história de vidas delas. Como você vê define esse sen­ti­men­to 40 anos depois da primeira edição?
Mara Régia: Em uma palavra, não há menor condição de definir esse sen­ti­men­to. Eu agradeço a gen­erosi­dade e a cumpli­ci­dade que a rádio esta­b­elece. Falam­os numa vibração que faz acred­i­tar no poder de comu­ni­cação. Esta­mos lançan­do sementes de ale­gria. E sementes reais conc­re­tas de árvores que já plan­ta­mos. São mais de 1 mil­hão. Ess­es relatos delas são uma grande rec­om­pen­sa por essa tra­jetória. Ouvir dessas Marias ess­es relatos de taman­ha soror­i­dade é como se a gente fos­se rec­om­pen­sa­do por todas as dores. É como eu me sin­to do alto dos meus 70 anos de vida, e 40 de Viva Maria.

Agên­cia Brasil: O pro­gra­ma é muito pre­mi­a­do. E você uma das jor­nal­is­tas mais pre­mi­adas do Brasil. O que rep­re­sen­ta pra você?
Mara Régia: São mais de 30. Entre prêmios, medal­has, diplo­mas… Pos­so citar o Prêmio Ayr­ton Sen­na que me deu uma imen­sa ale­gria pela história que ele con­tem­pla. Uma meni­na que foi ven­di­da em Aripuanã do Norte (MT), que havia sido ven­di­da pelo pai três vezes, E ela pediu aju­da pelo rádio para pro­te­ger as irmãs. Uma história dilac­er­ante.. Graças a uma rede que for­mamos com enti­dades como Andi, con­seguimos chamar o Con­sel­ho Tute­lar para sal­var a meni­na. É uma história que jus­ti­fi­ca a nos­sa profis­são. Mais recen­te­mente, rece­bi o Prêmio Audálio Dan­tas, pelo con­jun­to da obra, que foi tam­bém muito sig­ni­fica­ti­vo para mim.

Repro­dução:  Prêmio Mul­her Impren­sa — Divul­gação EBC

Agên­cia Brasil: Quais são os son­hos para os próx­i­mos 40 anos?
Mara Régia: Que meus netos (duas meni­nas e um meni­no) recon­heçam esse tra­bal­ho. Que foi uma ten­ta­ti­va da avó para que eles tivessem dire­ito a uma vida mais feliz, jus­ta e igual­itária.

Edição: Alessan­dra Esteves

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