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Voto feminino faz 92 anos; ação de ativista alagoana marca luta

Repro­dução: © Foto prefeitu­ra de Maceió/Divulgação

História de Almerinda Farias Gama vai render livro


Pub­li­ca­do em 24/02/2024 — 14:09 Por Luiz Cláu­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Home­ns obser­vam uma mul­her diante da urna. Ela, vesti­da como para uma fes­ta, com a cédu­la na mão e o sor­riso no ros­to, está pronta para exercer um dire­ito bási­co de cidada­nia. A cam­in­ha­da da alagoana Almerin­da Farias Gama até o voto (para eleição de dep­uta­dos clas­sis­tas), em 20 de jul­ho de 1933, é fei­ta de luta com os barul­hos da voz e da máquina de escr­ev­er. Neste sába­do (24/2), quan­do se com­ple­tam 92 anos da garan­tia do voto fem­i­ni­no, os pas­sos que foram invis­i­bi­liza­dos dessa sufrag­ista negra, fem­i­nista e nordes­ti­na refletem a neces­si­dade de recon­hec­i­men­to e revisão históri­ca como inspi­ração para o país. 

Foi diante do silên­cio e de lacu­nas que a pesquisado­ra em história, jor­nal­ista e tam­bém alagoana Cibele Tenório se deparou quan­do resolveu saber mais sobre a con­ter­rânea. Não havia reg­istro nem mes­mo de data de morte. Depois de dois anos de cam­in­ha­da, desco­briu que Almerin­da viveu entre maio de 1899 e 31 de março de 1999.  A pesquisa de mestra­do (con­cluí­da em 2020, pela Uni­ver­si­dade de Brasília) vai ren­der livro depois de vencer prêmio literário da edi­to­ra Todavia. A pesquisa foi ori­en­ta­da pela pro­fes­so­ra Tere­sa Mar­ques.

Alagoas 24/02/2024Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada. História da alagoana Almerinda Farias será trazida em biografia e deve receber homenagem em cidade natal. Foto FGV
Repro­dução: Luta pelo voto fem­i­ni­no tem pro­tag­o­nista negra invis­i­bi­liza­da — Foto FGV

A pesquisado­ra fez tam­bém um doc­u­men­tário sobre Almerin­da a par­tir dos raros doc­u­men­tos disponíveis no Cen­tro de Pesquisa e Doc­u­men­tação de História Con­tem­porânea da Fun­dação Getulio Var­gas.

Almerinda, a luta continua

O filme Almerin­da, a luta con­tin­ua! faz um res­gate históri­co da vida dessa per­son­agem, uma das primeiras mil­i­tantes fem­i­nis­tras brasileiras. Foi real­iza­do na 2ª Ofic­i­na de Pro­dução Audio­vi­su­al do Núcleo de Audio­vi­su­al e Doc­u­men­tário FGV/CPDOC., com direção de Cibele Tenório.

Comprometimento

Cibele, da Empre­sa Brasil de Comu­ni­cação (EBC) e que atual­mente cur­sa doutora­do em história na UnB, avalia que Almerin­da teve par­tic­i­pação ati­va na Fed­er­ação Brasileira pelo Pro­gres­so Fem­i­ni­no.

“A fed­er­ação era uma enti­dade que reu­nia, naque­le perío­do, entre 80 e 100 mul­heres. Ela não era uma pes­soa que esta­va ali e assis­tia às palestras. Era com­ple­ta­mente ati­va naque­le ambi­ente e a quem a Bertha Lutz (lid­er­ança sufrag­ista que criou a fed­er­ação) entre­gou muitas tare­fas. E era uma pes­soa que se com­pro­me­tia com as tare­fas”, expli­ca.

Poder na máquina

Almerin­da atu­a­va em várias frentes e esta­va empoder­a­da por ser datiló­grafa. “Era uma fer­ra­men­ta que nem todo mun­do domi­na­va. Além de datilo­gra­far, escrevia e se expres­sa­va bem”. Assim, foi assu­min­do tare­fas naque­le lugar, incluin­do lob­by par­la­men­tar, tex­tos com divul­gação para a impren­sa e até roteiro de pro­gra­ma de rádio.

Alagoas 24/02/2024Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada. História da alagoana Almerinda Farias será trazida em biografia e deve receber homenagem em cidade natal. Foto FGV
Repro­dução: Luta pelo voto fem­i­ni­no tem pro­tag­o­nista negra — Foto FGV

Almerin­da pas­sou a ter out­ras frentes de atu­ação. “Na políti­ca, inclu­sive, ela sai can­di­da­ta, logo após o códi­go eleitoral per­mi­tir que mul­heres alfa­bet­i­zadas pudessem votar. É pre­ciso lem­brar que Almerin­da nasceu pouco mais de uma déca­da depois da abolição da escravidão no Brasil”.

Na eleição de 1934, a pro­fes­so­ra Antoni­eta de Bar­ros foi a primeira mul­her negra elei­ta (como dep­uta­da estad­ual de San­ta Cata­ri­na). Ela e a Almerin­da podem ter sido as primeiras mul­heres negras a con­cor­rerem a car­gos ele­tivos no Brasil. Além da fed­er­ação das mul­heres, Almerin­da ain­da atu­ou, com Bertha Lutz, no sindi­ca­to das datiló­grafas e taquí­grafas.

Para a pesquisado­ra, as questões de gênero e de classe estão muito intrin­cadas. “Almerin­da nun­ca escreveu sobre si. Emb­o­ra ten­ha sido uma mul­her lig­a­da ao ofí­cio tex­tu­al, o que a gente sabe dela é por meio das fontes da pesquisa, difer­ente­mente de out­ras sufrag­is­tas. Esse apaga­men­to se tor­na ain­da maior pelo fato de ela ser uma mul­her negra”. A data de morte foi con­heci­da depois de um con­ta­to com famil­iares. Cibele lia sobre sufrag­is­tas e nun­ca apare­ci­am muitos dados sobre Almerin­da, o que seria a mate­ri­al­i­dade desse apaga­men­to.

Reconhecimento do legado

Diante de mais pesquisas e infor­mações, como as que chegaram pela con­ter­rânea Cibele Tenório, a admin­is­tração munic­i­pal de Maceió bus­ca jog­ar luzes na história de Almerin­da. A cidade natal da sufrag­ista criou ini­cia­ti­vas em bus­ca de reduzir esse apaga­men­to. A coor­de­nado­ra de Igual­dade Racial da prefeitu­ra, Arísia Bar­ros, diante da inex­istên­cia de reg­istros na cidade e em Alagoas, diz que ini­ciou um movi­men­to para recon­hecer e divul­gar o lega­do de Almerin­da.

“Foi cri­a­da uma praça (no bair­ro da Jatiú­ca), que é o Par­que da Mul­her, onde 100 mul­heres ref­er­en­ci­ais de Alagoas serão hom­e­nageadas”. Almerin­da está entre elas, no par­que que pode ser inau­gu­ra­do ofi­cial­mente no mês que vem. Out­ra pro­pos­ta apre­sen­ta­da na Câmara de Vereadores é a cri­ação do “Dia de Almerin­da” em 16 de maio, data de nasci­men­to da sufrag­ista.

Alagoas 24/02/2024Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada. História da alagoana Almerinda Farias será trazida em biografia e deve receber homenagem em cidade natal. Foto FGV
Repro­dução: A Luta pelo voto fem­i­ni­no tem pro­tag­o­nista negra invis­i­bi­liza­da — Foto FGV

“Começamos uma mobi­liza­ção para traz­er essa mul­her tão impor­tante para Maceió, para os ban­cos da esco­la, para os livros esco­lares e faz­er ela cam­in­har”, diz a rep­re­sen­tante do municí­pio.  Ela entende que uma cam­pan­ha educa­ti­va é fun­da­men­tal para bus­car o recon­hec­i­men­to. “Ela foi apa­ga­da. A gente ago­ra quer cri­ar essa luz sobre ela. Essa história de luta e de per­sistên­cia pelo voto fem­i­ni­no foi fun­da­men­tal e pre­cisa real­mente ser vis­i­bi­liza­da. A Almerin­da fez rev­oluções”.

Esse apaga­men­to, de acor­do com a coor­de­nado­ra, tem relação com o racis­mo estru­tur­al. “É necessário levar a Almerin­da para a esco­la, dar nome a uma esco­la e a uma praça, por exem­p­lo”. Arísia tam­bém tem pedi­do a par­la­mentares apoio para inclusão do nome da sufrag­ista no livro de Heróis e Heroí­nas da Pátria.

 “Lutava pela igualdade”, diz neta

Neta de Almerin­da, Juliana Leite Nunes, de 52 anos, diz que tem fica­do feliz com mais pesquisas e recon­hec­i­men­to sobre o papel da avó para o Brasil.

“Ela luta­va pela igual­dade de salário, de dire­itos tra­bal­his­tas, pelo dire­ito ao voto. A gente sabia da importân­cia porque tin­ha fotos na parede da sala de voto, mas não tin­ha essa noção que tem hoje”. A neta lem­bra que mes­mo depois dos 90 anos fazia questão de estar muito bem infor­ma­da sobre o que ocor­ria no Brasil em leitu­ra diária do noti­ciário.

Hostilidade e violência

Evi­den­te­mente, a invis­i­bi­liza­ção e vio­lên­cia con­tra a mul­her no espaço políti­co não são fenô­menos restri­tos ao sécu­lo pas­sa­do. Pesquisado­ra em dire­itos humanos, Leonor Cos­ta entende que existe maior dis­cussão sobre o tema. “A par­tir de mui­ta luta, está sendo pos­sív­el traz­er as deman­das das mul­heres negras. O mun­do da políti­ca é hos­til com a mul­her em ger­al e muito mais com as mul­heres negras”.

Leonor, que no mestra­do da UnB estu­dou o lega­do de Marielle Fran­co para mul­heres negras na políti­ca insti­tu­cional, con­sid­era que o assas­si­na­to da vereado­ra chamou atenção para o prob­le­ma. “A gente já tem a vio­lên­cia con­tra as mul­heres na políti­ca muito forte des­de sem­pre. Não à toa que temos pou­cas mul­heres que tril­haram um cam­in­ho de suces­so, que estão aí há muito tem­po. Marielle foi assas­si­na­da e seu assas­si­na­to escan­car­ou o nív­el a que pode chegar a vio­lên­cia con­tra as mul­heres”.

Alagoas 24/02/2024Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada. História da alagoana Almerinda Farias será trazida em biografia e deve receber homenagem em cidade natal. Foto Arquivo pessoal
Repro­dução: Luta pelo voto fem­i­ni­no tem pro­tag­o­nista negra invis­i­bi­liza­da — Foto FGV

Para a pesquisado­ra, o crime pos­si­bil­i­tou mais atenção para a vio­lên­cia e as hos­til­i­dades em relação às mul­heres que se colo­cam no mun­do da políti­ca, sobre­tu­do as mul­heres negras e tam­bém as trans. “Eu acho que mais de 90 anos depois do dire­ito ao voto fem­i­ni­no, obvi­a­mente mui­ta coisa mel­horou. Hoje, a gente tem cada vez mais mul­heres se colo­can­do nos espaços, par­tic­i­pan­do dos par­tidos, das orga­ni­za­ções políti­cas, das enti­dades sindi­cais, com mui­ta luta, nun­ca por con­cessão dos home­ns. Mas é pre­ciso avançar muito mais”.

Ess­es avanços incluem o não cercea­men­to da liber­dade de expressão no espaço públi­co, nem ameaças de qual­quer tipo. “Há muito cam­in­ho para con­stru­ir e luta a empen­har para que, final­mente, a gente con­si­ga estar nos espaços sem ter a pre­sença ques­tion­a­da ou avil­ta­da”.

Edição: Graça Adju­to

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