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Entenda a nova lei que equipara a injúria racial ao racismo

Repro­dução: © Val­ter Campanato/Agência Brasil

Ofensas pelo humor ou feitas em espaços culturais têm penas mais duras


Pub­li­ca­do em 14/01/2023 — 11:33 Por Daniel Mel­lo – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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A equiparação do crime de injúria racial ao de racis­mo, san­ciona­da nes­ta sem­ana pelo pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, cor­rige uma dis­torção, afir­mam espe­cial­is­tas ouvi­dos pela Agên­cia Brasil. “Essa mudança na lei vem reparar uma grande injustiça”, diz o pres­i­dente da Comis­são de Igual­dade Racial da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil(OAB) em São Paulo, Ira­puã San­tana do Nasci­men­to da Sil­va, em refer­ên­cia à Lei 14.532 de 2023.

Ira­puã expli­ca que o crime de racis­mo está pre­vis­to pela Lei 7.716 de 1989, mas que, em 1997, hou­ve uma mudança que acabou crian­do a difer­en­ci­ação entre as ofen­sas racis­tas dirigi­das dire­ta­mente a uma pes­soa e a dis­crim­i­nação racial. “Se obser­var­mos o que acon­te­ceu den­tro do proces­so leg­isla­ti­vo, na cal­a­da da noite, sim­ples­mente colo­caram a injúria racial no Códi­go Penal em vez de colo­car na Lei 7.716.”

Assim, na práti­ca, a injúria se tornou um crime menos grave, com pena menor, que pode­ria ter a pos­si­bil­i­dade de punição extin­ta após um pra­zo deter­mi­na­do, difer­ente­mente do racis­mo, que é impre­scritív­el. Do mes­mo modo, a injúria racial pre­via a pos­si­bil­i­dade de o acu­sa­do respon­der em liber­dade com o paga­men­to de fiança, o que não é autor­iza­do no caso de racis­mo.

De acor­do com Ira­puã, a mudança legal acom­pan­ha os entendi­men­tos recentes dos tri­bunais supe­ri­ores. Em out­ubro de 2021, o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) enten­deu que o crime de injúria racial não pre­screve e que os casos pode­ri­am ser enquadra­dos crim­i­nal­mente como racis­mo.

O pro­fes­sor da Fac­ul­dade Pres­bi­te­ri­ana Macken­zie e autor do livro Racis­mo Recre­ati­vo, Adil­son Mor­eira, diz que a injúria racial é uma das modal­i­dades de dis­crim­i­nação por raça, cor ou origem.

Segun­do Mor­eira, racis­mo é quan­do se comete um ato inten­cional e arbi­trário para colo­car uma pes­soa racial­iza­da em desvan­tagem. Isso pode acon­te­cer pela negação de dire­itos, pela não prestação de serviço por uma insti­tu­ição públi­ca ou pri­va­da, pelo imped­i­men­to ao aces­so a pos­tos de tra­bal­ho. Essas con­du­tas já estavam explici­ta­mente proibidas pela lei que punia o racis­mo.

A injúria, ressalta Mor­eira, é o ataque à hon­ra, no caso da ofen­sa racial, envol­ven­do a cor, raça ou origem da pes­soa. “[É] quan­do uma deter­mi­na­da men­sagem afe­ta o sen­so de dig­nidade pes­soal.”

Ape­sar da difer­en­ci­ação entre as con­du­tas que vig­o­ra­va até a sem­ana pas­sa­da, o pro­fes­sor afir­ma que a intenção das ações é a mes­ma. “É um ato inten­cional que procu­ra impor uma desvan­tagem a alguém”, desta­ca. “Moti­va­dos por estereóti­pos, por fal­sas gen­er­al­iza­ções sobre um deter­mi­na­do grupo, pela ideia de que essas pes­soas, por serem infe­ri­ores, não mere­cem nem as mes­mas opor­tu­nidades, nem o mes­mo nív­el de respeitabil­i­dade social que pes­soas bran­cas têm.”

Falta de punição

Porém, a difer­en­ci­ação legal entre injúria e racis­mo fazia com que, na práti­ca, não hou­vesse punição para a maior parte dos crimes. “Prati­ca­mente ninguém foi até hoje con­de­na­do pelo crime de racis­mo”, diz. “O que muitos advo­ga­dos sem­pre fiz­er­am era solic­i­tar a desclas­si­fi­cação do crime de racis­mo para o crime de injúria racial”, acres­cen­ta.

Na avali­ação de Mor­eira, isso tam­bém tem a ver com a apli­cação da lei pela polí­cia e pelo Judi­ciário. “Grande parte do dos juízes dos tri­bunais tem pouco ou nen­hum con­hec­i­men­to do que é racis­mo, do que é dis­crim­i­nação, do que é o dire­ito antidis­crim­i­natório. E, além dis­so, nos­sos tri­bunais são fun­da­men­tal­mente com­pos­tos por pes­soas bran­cas, het­eros­sex­u­ais de classe alta. Por­tan­to, sem­pre hou­ve uma negação da relevân­cia social do racis­mo, seja pelos del­e­ga­dos, seja pelo Min­istério Públi­co, e tam­bém pelos juízes.”

A nova lei acer­ta, na opinião do pro­fes­sor, ao traz­er penas mais duras se as ofen­sas racis­tas ocor­reram em ambi­entes cul­tur­ais, esportivos ou pelo humor. Para Mor­eira, piadas e supostas brin­cadeiras são uma for­ma usa­da para praticar o racis­mo de for­ma escamotea­da. “Quan­do pes­soas bran­cas, ou insti­tu­ições con­tro­ladas por pes­soas bran­cas, uti­lizam o humor hos­til para repro­duzir estereóti­pos raci­ais para atin­gir pes­soas negras, asiáti­cas e indí­ge­nas”, expli­ca.

O pro­fes­sor enfa­ti­za que o ódio e despre­zo expres­sos dessa maneira, muitas vezes, servem para garan­tir o espaço das pes­soas bran­cas nas mel­ho­ras posições soci­ais, em detri­men­to das negras e indí­ge­nas. “O que está por trás desse racis­mo maro­to é a suprema­cia bran­ca [ideia de que as pop­u­lações bran­cas são supe­ri­ores às demais]”, enfa­ti­za sobre as ações que acabam crian­do ambi­entes em que as pes­soas negras não con­seguem per­manecer.

Citan­do um exem­p­lo real, Mor­eira con­tou o caso em que uma mul­her negra que assum­iu car­go de chefia em um ban­co e foi alvo de um ataque coor­de­na­do com piadas e ofen­sas racis­tas por out­ros fun­cionários de seu setor. Ela acabou pedin­do demis­são por causa do nív­el de hos­til­i­dade no ambi­ente de tra­bal­ho. Se ela tivesse sido sim­ples­mente demi­ti­da, o caso pode­ria ser enquadra­do como racis­mo, enquan­to as ofen­sas, antes da nova lei, pode­ri­am ser clas­si­fi­cadas ape­nas como injúria racial, ape­sar de terem o mes­mo resul­ta­do na práti­ca.

As penas para injúria na nova lei, ini­cial­mente entre dois e cin­co anos de prisão e mul­ta, tam­bém podem ser aumen­tadas caso as ofen­sas sejam feitas para atacar a reli­giosi­dade de alguém. De acor­do com Mor­eira, ataques às religiões de matriz africana são um prob­le­ma “muito grave” no Brasil e têm par­tido, essen­cial­mente, de “rad­i­cais reli­giosos” de algu­mas cor­rentes evangéli­cas.

Edição: Nádia Fran­co

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