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Poetisa Adélia Prado faz 88 anos e se prepara para lançar livro

Repro­du­ção: © Fra­me TV Cul­tu­ra

Aniversário começou a ser celebrado no sábado com encontro literário


Publi­ca­do em 13/12/2023 — 07:34 Por Elai­ne Patri­cia Cruz – Repór­ter da Agên­cia Bra­sil — São Pau­lo

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Con­si­de­ra­da a mai­or poe­ti­sa viva do Bra­sil e uma das escri­to­ras mais impor­tan­tes da lite­ra­tu­ra naci­o­nal, a minei­ra Adé­lia Pra­do com­ple­ta 88 anos nes­ta quar­ta-fei­ra (13). E é escre­ven­do que ela cele­bra seu ani­ver­sá­rio. Após um perío­do que ape­li­dou de “deser­to cri­a­ti­vo” — e que sur­giu após o lan­ça­men­to de seu últi­mo livro, Mise­re­re, de 2013 – a poe­ta vol­tou a escre­ver e se dedi­ca a uma nova obra, com títu­lo pro­vi­só­rio de O Jar­dim das Oli­vei­ras, ain­da sem data de lan­ça­men­to.

O ani­ver­sá­rio come­çou a ser cele­bra­do no últi­mo sába­do (9), quan­do Adé­lia foi home­na­ge­a­da com um encon­tro lite­rá­rio pro­mo­vi­do pela Fun­da­ção Maria Luí­sa e Oscar Ame­ri­ca­no, em São Pau­lo. O encon­tro apre­sen­tou um pano­ra­ma pro­fun­do sobre a vida e a obra da auto­ra. “Sua for­tu­na crí­ti­ca não pára de cres­cer, qua­se ultra­pas­sou uma cen­te­na de teses uni­ver­si­tá­ri­as, ganhou os pal­cos e rom­peu as fron­tei­ras da lín­gua”, dis­se Augus­to Mas­si, pro­fes­sor de lite­ra­tu­ra bra­si­lei­ra na Uni­ver­si­da­de de São Pau­lo (USP) e um dos con­fe­ren­cis­tas do even­to.

Múl­ti­pla, como sua poe­sia, Adé­lia Pra­do é pro­fes­so­ra, con­tis­ta, poe­ta, escri­to­ra e filó­so­fa. E é com sua obra que ela vai ven­cen­do o tem­po, tor­nan­do-se eter­na, assim como ela mes­ma des­cre­veu em seu poe­ma A Esfin­ge. “Não que­ro con­tar his­tó­ri­as, por­que his­tó­ria é excre­men­to do tem­po. Que­ria dizer-lhes é que somos eter­nos, eu, Ofé­lia e os mana­cás”.

Nas­ci­da em 1935 na cida­de minei­ra de Divi­nó­po­lis, foi ain­da meni­na que se encon­trou com as pala­vras e come­çou a escre­ver os pri­mei­ros ver­sos. Mas foi só aos 40 anos de ida­de, já casa­da e com cin­co filhos, que pas­sou a se dedi­car à car­rei­ra de escri­to­ra, com apro­va­ção do tam­bém poe­ta Car­los Drum­mond de Andra­de. Aliás, foi ele que envi­ou os pri­mei­ros escri­tos de Adé­lia para publi­ca­ção na Edi­to­ra Ima­go, sob o nome de Baga­gem, sua cole­tâ­nea de poe­si­as mais cele­bra­da e ree­di­ta­da.

“A gen­te sem­pre viu, des­de cri­an­ça, o inte­res­se dela [pela escri­ta]. A casa tinha esse ar, essa atmos­fe­ra de livros, de pin­to­res, de músi­ca. Eu sabia que ela escre­via. E ela lia para a gen­te”, con­tou a dire­to­ra e atriz Ana Pra­do, filha caçu­la de Adé­lia.

“Naque­la épo­ca eu tinha uns dez anos e, para mim, era tudo mui­to incrí­vel e diver­ti­do. E a feli­ci­da­de com que ela ficou ao rece­ber a pri­mei­ra car­ta do Drum­mond elo­gi­an­do seu pri­mei­ro livro, a ale­gria dela foi como se um sol se abris­se den­tro de casa”, recor­dou Ana em entre­vis­ta à Agên­cia Bra­sil.

Depois da publi­ca­ção de Baga­gem, vie­ram outros como O Cora­ção Dis­pa­ra­do [ven­ce­dor do prê­mio Jabu­ti em 1978], O Peli­ca­no e Vida Doi­da. Tam­bém sur­gi­ram livros em pro­sa e infan­til e, em con­sequên­cia, mui­tos prê­mi­os e home­na­gens. Em 2020, por exem­plo, Adé­lia Pra­do foi home­na­ge­a­da com o Prê­mio Jabu­ti. Prê­mi­os que, mui­tas vezes, rece­bia e colo­ca­va no banhei­ro. “Ela tinha uma capa­ci­da­de de com­pre­en­são de seu pró­prio limi­te. Quan­do come­çou a ganhar alguns prê­mi­os, sem­pre os colo­ca­va den­tro do banhei­ro, dizen­do: ‘isso é só para a gen­te dar uma lem­bra­da da dimen­são’. Eu rio mui­to, mas essa é uma vol­ta para o limi­te, para a peque­nez de tudo”.

“Na con­di­ção de filha, tenho um orgu­lho gigan­tes­co e o pri­vi­lé­gio de acom­pa­nhar, de per­ti­nho, essa tra­je­tó­ria. Acho que tal­vez ela seja a pes­soa mais coe­ren­te que conhe­ço, que ten­tou ali­ar todo o seu pro­ces­so cri­a­ti­vo a uma vida par­ti­cu­lar. A bele­za que con­se­guiu per­ce­ber no mun­do, de manei­ra tão pecu­li­ar, ela levou tam­bém para a nos­sa famí­lia”, des­ta­cou Ana.

Vanguardista

Conhe­ci­da prin­ci­pal­men­te por falar sobre sexo, reli­gião e mor­te — temas que for­mam o tri­pé de sua obra, segun­do suas pró­pri­as pala­vras – Adé­lia pre­sen­te­ou a lite­ra­tu­ra com poe­mas sobre o coti­di­a­no e a con­di­ção da mulher. “Quan­do nas­ci um anjo esbel­to, des­ses que tocam trom­be­ta, anun­ci­ou: vai car­re­gar ban­dei­ra. Car­go mui­to pesa­do pra mulher, essa espé­cie ain­da enver­go­nha­da. Acei­to os sub­ter­fú­gi­os que me cabem, sem pre­ci­sar men­tir”, são os ver­sos que escre­veu em Com licen­ça poé­ti­ca, poe­sia que ilus­tra seu pri­mei­ro livro.

Foi escre­ven­do sobre mulhe­res comuns que Adé­lia Pra­do se colo­cou na van­guar­da da cul­tu­ra bra­si­lei­ra. “Ela é uma mulher, do inte­ri­or, dona de casa, reli­gi­o­sa. Mas, des­de mui­to cedo, se envol­veu poli­ti­ca­men­te, inclu­si­ve na vida da cida­de. Tra­ba­lhou por um tem­po na Secre­ta­ria de Cul­tu­ra da cida­de. Na épo­ca da dita­du­ra, se envol­veu em gre­ves. E essa é uma his­tó­ria que pou­ca gen­te sabe ou não che­ga ao inte­res­se das pes­so­as. Mas a gen­te sem­pre viu a movi­men­ta­ção dela nes­sa dire­ção. Ela fala sobre femi­nis­mo e, às vezes, é mui­to mal inter­pre­ta­da. Mas acho que sem­pre foi à fren­te do seu tem­po: teve um casa­men­to com­ple­ta­men­te fora do padrão, ain­da que tenha se casa­do com um homem do inte­ri­or e de famí­lia tra­di­ci­o­nal. Ela teve um casa­men­to mui­to livre, ten­do liber­da­de para exer­cer sua pro­fis­são. Em vári­os aspec­tos, viveu as pau­tas do femi­nis­mo e as pau­tas polí­ti­cas em que sem­pre acre­di­tou: só não era e nun­ca foi uma ati­vis­ta”, dis­se Ana.

“Mas a vida dela sem­pre foi de posi­ci­o­na­men­tos fir­mes. Tenho mui­to orgu­lho dis­so e acho que ela foi mui­to valen­te, mui­to bra­va e mui­to cora­jo­sa, inclu­si­ve para não assu­mir deter­mi­na­das posi­ções de um ati­vis­mo que ela acha­va que pode­ria resul­tar em algu­ma coi­sa em que não acre­di­tas­se”, com­ple­tou.

Esse estar sem­pre à fren­te do seu tem­po a trans­for­mou tam­bém em um fenô­me­no pop, algo inco­mum para escri­to­res, prin­ci­pal­men­te de poe­sia. “É mui­to difí­cil mes­mo você encon­trar esse tipo de lei­tor [de poe­si­as], mas dian­te de toda essa difi­cul­da­de, ela con­se­guiu atra­ves­sar vári­os por­tais de difi­cul­da­des e fez esse suces­so pop. As pes­so­as vão a uma pales­tra dela como quem vai ver um ído­lo pop. Acho que foi mui­to impor­tan­te ela atra­ves­sar essas bar­rei­ras e fazer a poe­sia entrar em luga­res que eram ain­da mui­to escu­ros. Ela ilu­mi­nou vári­os nichos que antes não tinham aces­so a esse tipo de lite­ra­tu­ra”, lem­brou a filha.

Deserto criativo

Como poe­ta que refle­te sobre o coti­di­a­no, Adé­lia escre­ve não só sobre o sexo e o amor, mas tam­bém sobre a dor. Em 2014, em entre­vis­ta ao pro­gra­ma Roda Viva, da TV Cul­tu­ra, ela falou sobre o sofri­men­to. “Não há uma pes­soa que pas­se a vida sem sofrer. Acho o sofri­men­to impor­tan­tís­si­mo por­que ele é con­di­ção de cons­ci­ên­cia, de mais cons­ci­ên­cia. Uma pes­soa que não sofre é um fenô­me­no e pre­ci­sa ser obser­va­da”, dis­se ela, na oca­sião. “Acho que uma das coi­sas mais impor­tan­tes na vida de alguém é enca­rar o sofri­men­to”, com­ple­tou.

Um des­ses sofri­men­tos che­gou a ela logo após escre­ver Mise­re­re. Nes­se perío­do, enfren­tou o que cha­ma de “deser­to cri­a­ti­vo” e que só foi ven­ci­do recen­te­men­te, qua­se dez anos depois, quan­do come­çou a escre­ver seu novo livro. “Ela falou que esta­va atra­ves­san­do o deser­to. E não há dor mai­or do que essa, de per­der o aces­so à poe­sia”, con­tou a filha.

Após atra­ves­sar essa ari­dez, a ideia para o novo livro aca­bou sur­gin­do de for­ma ines­pe­ra­da. “Ela esta­va se ques­ti­o­nan­do: ‘meu Deus, será que encer­rou [não vou mais escre­ver?]. Mas, num movi­men­to em casa, aca­bou achan­do em gave­tas tex­tos mui­to anti­gos, coi­sas que ela escre­veu aos 20, 30 anos. E alguns poe­mas tam­bém. Acha­mos um tesou­ro. E foi um gati­lho incrí­vel por­que ela dis­se; ‘meu Deus, eu esta­va viven­do exa­ta­men­te aos 20 anos o dra­ma que estou viven­do aos 80’. E isso foi um tiro para o livro que come­çou a escre­ver. Ela está mais frá­gil de saú­de, com difi­cul­da­des de ordem físi­ca, mas nes­se pro­ces­so incrí­vel [de escri­ta] do novo livro”, comen­tou Ana.

Se a saú­de está mais frá­gil, não se pode dizer o mes­mo sobre a dis­po­si­ção de Adé­lia. Ao mes­mo tem­po em que escre­ve sua nova obra, a poe­ta se dedi­ca a uma nova for­ma para se comu­ni­car com seu públi­co: as redes soci­ais. Nos últi­mos meses, sur­giu a ideia de cri­ar uma pági­na para que ela pudes­se reci­tar seus poe­mas. A rede soci­al é abas­te­ci­da de acor­do com o tem­po da escri­to­ra. “As pílu­las vão ser no tem­po dela por­que pas­sa tudo por sua apro­va­ção. Não tem aque­le rit­mo ace­le­ra­do, mas é uma pági­na que está mui­to boni­ta e é um espa­ço que a dei­xou mui­to feliz, um can­to em que vai poder falar poe­sia ou sobre poe­sia”.

Para os mui­tos fãs de Adé­lia Pra­do e que que­rem matar a sau­da­de de ouvi-la falar sobre poe­sia ou reci­tá-las, a poe­ta está ago­ra no Ins­ta­gram sob o nome @euadeliaprado.

Edi­ção: Gra­ça Adju­to

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