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Direitos humanos: relatório lista 1.171 casos de violência em 4 anos

Repro­dução: © Divul­gação Polí­cia Fed­er­al

Foram mapeadas ocorrências em todos os estados


Pub­li­ca­do em 14/06/2023 — 09:05 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Um relatório pro­duzi­do pelas orga­ni­za­ções não gov­er­na­men­tais (ONGs) Ter­ra de Dire­itos e Justiça Glob­al mapeou 1.171 casos de vio­lên­cia con­tra defen­so­ras e defen­sores de dire­itos humanos entre os anos de 2019 e 2022. Divul­ga­do nes­ta quar­ta-feira (14), ele rev­ela episó­dios envol­ven­do situ­ações vari­adas como ameaça, agressão físi­ca, assas­si­na­to, aten­ta­do, impor­tu­nação sex­u­al, calú­nia, injúria, difamação, ataques racis­tas e homofóbi­cos, vio­lên­cia insti­tu­cional e judi­cial e suicí­dio em con­tex­to de vio­lações de dire­itos.

Inti­t­u­la­do Na Lin­ha de Frente: vio­lações con­tra quem defende dire­itos humanos, o lev­an­ta­men­to está na sua quar­ta edição. As três primeiras con­tabi­lizaram, respec­ti­va­mente, as ocor­rên­cias dos perío­dos 1997–2001, 2002–2005 e 2006–2012. O novo tra­bal­ho se con­cen­tra nos anos do gov­er­no do ex-pres­i­dente Jair Bol­sonaro.

“Foram qua­tro anos de ataques e hos­til­i­dades con­tra defen­sores de dire­itos humanos. E nós percebe­mos a importân­cia de retomar essa lin­ha históri­ca. De 2012 para cá, exis­tem dados lev­an­ta­dos por orga­ni­za­ções inter­na­cionais, que his­tori­ca­mente têm feito esse tipo de mapea­men­to. Mas enten­demos que é muito impor­tante que haja uma análise fei­ta a par­tir do Brasil”, expli­ca Alane Sil­va, asses­so­ra jurídi­ca da Ter­ra de Dire­itos e uma das coor­de­nado­ras da pesquisa. Ela desta­ca que, levan­do em con­ta a sub­no­ti­fi­cação, o número de episó­dios ocor­ri­dos no perío­do é provavel­mente maior.

As víti­mas das ocor­rên­cias mapeadas são ativis­tas que atu­am, por exem­p­lo, em apoio à pop­u­lação em situ­ação de rua, ribeir­in­hos, povos indí­ge­nas, quilom­bo­las, cri­anças, mul­heres em situ­ação de vio­lên­cia domés­ti­ca, imi­grantes em condição vul­neráv­el, alvos de pre­con­ceito de raça e de gênero, tra­bal­hadores em situ­ação degradante e víti­mas de vio­lên­cia arma­da ou de vio­lações prat­i­cadas por forças de segu­rança do Esta­do. Defen­d­em o dire­ito à ter­ra, à mora­dia, ao tra­bal­ho, à saúde, à edu­cação e ao trata­men­to dig­no.

Foram mapeadas ocor­rên­cias em todas as unidades da Fed­er­ação. O esta­do com maior número de reg­istros foi o Pará, onde hou­ve 143 casos. Em segui­da, apare­cem Maran­hão (131), Bahia (109) e Per­nam­bu­co (100). Quase metade (47%) dos casos envolve vio­lên­cias reg­istradas na área da Amazô­nia Legal. Tam­bém chama a atenção o fato de que os episó­dios ocor­ri­dos nas regiões Norte e Nordeste respon­dem por 63,9% do total.

O relatório indi­ca que o gov­er­no de Jair Bol­sonaro foi um agente ati­vo do ataque aos dire­itos humanos, fomen­tan­do a vio­lên­cia por meio de dis­cur­sos e medi­das políti­cas, entre elas a flex­i­bi­liza­ção do aces­so às armas. Tam­bém indi­ca que a dete­ri­o­ração e o sucatea­men­to das estru­turas gov­er­na­men­tais de garan­tias de dire­itos fiz­er­am crescer o ambi­ente hos­til con­tra gru­pos que são his­tori­ca­mente mar­gin­al­iza­dos.

Os retro­ces­sos, segun­do Alane, foram denun­ci­a­dos por meio da atu­ação de defen­so­ras e defen­sores de dire­itos humanos. “Hou­ve uma inten­si­fi­cação dos ataques, inclu­sive pelas falas do gov­er­no e pelas falas de diver­sas fig­uras públi­cas alin­hadas ao gov­er­no. E esse ataque ver­bal legit­i­ma o ataque nos ter­ritórios. Porque se o próprio gov­er­no colo­ca quilom­bo­las e indí­ge­nas como impasse para o desen­volvi­men­to, ele dá legit­im­i­dade para que os ataques acon­teçam”, diz.

Para ela, é difí­cil con­tabi­lizar com exatidão o total de defen­so­ras e defen­sores de dire­itos humanos que foram alvos de vio­lên­cia no perío­do não ape­nas pela sub­no­ti­fi­cação. Em diver­sos casos mapea­d­os, hou­ve mais de uma víti­ma e nem sem­pre todas são dev­i­da­mente iden­ti­fi­cadas. Em algu­mas ocasiões, o alvo foi uma pes­soa jurídi­ca, como orga­ni­za­ções e movi­men­tos soci­ais que atu­am em defen­sa dos dire­itos humanos.

Dos 1.171 casos mapea­d­os, ape­nas 41,6% tiver­am como alvo uma só pes­soa. No restante, hou­ve duas ou mais víti­mas. De out­ro lado, foi pos­sív­el iden­ti­ficar o nome de 65 indi­ví­du­os que apare­ce­r­am em pelo menos dois episó­dios, ocor­ri­dos em datas difer­entes, sinal­izan­do que foram ata­ca­dos mais de uma vez.

Con­forme o lev­an­ta­men­to, episó­dios rela­ciona­dos com impor­tu­nação sex­u­al e suicí­dio envolvem uma víti­ma. Já aten­ta­dos têm sido uma for­ma de vio­lên­cia prat­i­ca­da fre­quente­mente con­tra cole­tivi­dades, como por exem­p­lo uma aldeia indí­ge­na ou um assen­ta­men­to rur­al.

No recorte por raça, os dados mostram os gru­pos mais vul­neráveis. Foi lev­an­ta­da infor­mação sobre a clas­si­fi­cação racial de 598 víti­mas. Desse total, 346 eram indí­ge­nas e 153 negros. Jun­tos, eles rep­re­sen­tam 83,4% das víti­mas com infor­mação sobre a clas­si­fi­cação racial disponív­el.

Ameaças e assassinatos

Completam dez anos do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang. Na foto, placa em homenagem a Dorothy no local onde a missionária foi assassinada (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Repro­dução: Com­ple­tam dez anos do assas­si­na­to da mis­sionária norte-amer­i­cana Dorothy Stang. Na foto, pla­ca em hom­e­nagem a Dorothy no local onde a mis­sionária foi assas­si­na­da (Tomaz Silva/Agência Brasil) — Tomaz Silva/Agência Brasil

Foram mapea­d­os 169 assas­si­natos no perío­do, o que sig­nifi­ca que, em média, três defen­so­ras ou defen­sores de dire­itos humanos foram mor­tos a cada mês. Em pelo menos 63,3% dos casos, hou­ve emprego de arma de fogo.

O relatório chama a atenção para o fato de que muitas víti­mas são ameaçadas antes de serem assas­si­nadas e, no entan­to, as ameaças são rara­mente inves­ti­gadas. São cita­dos alguns exem­p­los emblemáti­cos como as mortes da mis­sionária Dorothy Stang, em 2005 no Pará, e do advo­ga­do Manoel Mat­tos, em 2009 na Paraí­ba.

Ocor­ri­do mais recen­te­mente, o assas­si­na­to do indi­genista Bruno Pereira e do jor­nal­ista Dom Phillips tam­bém é men­ciona­do. Eles foram víti­mas, há pouco mais de um ano, em uma embosca­da no Vale do Javari, no Ama­zonas. “O caso tam­bém repro­duz esse históri­co. Bruno já havia sofri­do ameaças antes de ser mor­to”, reg­is­tra o relatório.

Banner Bruno e Dom
Repro­dução: Ban­ner Bruno e Dom — Arte/Agência Brasil

Os autores do lev­an­ta­men­to apon­tam que há inclu­sive difi­cul­dades para reg­is­trar essas ocor­rên­cias nas insti­tu­ições poli­ci­ais. “O crime de ameaça, pre­vis­to no Arti­go 147 do Códi­go Penal brasileiro, é con­sid­er­a­do de menor poten­cial ofen­si­vo e não gan­ha a atenção das autori­dades poli­ci­ais. Ocorre que, com grande fre­quên­cia, as ameaças são recor­rentes e, em muitos casos, após anos sem serem inves­ti­gadas, resul­tam em homicí­dios”.

Conflitos no campo

Dos 1.171 casos de vio­lên­cia con­tra defen­so­ras e defen­sores de dire­itos humanos, 919 tiver­am como alvo pes­soas que atu­am na luta pela ter­ra, pelo ter­ritório e pelo meio ambi­ente. Dessa for­ma, rep­re­sen­tam 78,5% de todas as ocor­rên­cias. Em 4,8%, as víti­mas eram ativis­tas dos dire­itos LGBTQI+. Em 3,7%, a vio­lên­cia foi endereça­da con­tra defen­sores da mora­dia e do dire­ito à cidade.

Além dis­so, dos 169 assas­si­na­dos entre 2019 e 2022, 140 eram pes­soas envolvi­das na luta pelo dire­ito à ter­ra e ao ter­ritório. O dado reit­era pre­ocu­pações que foram expres­sas em lev­an­ta­men­to recente da orga­ni­za­ção inter­na­cional Glob­al Wit­ness: de 227 assas­si­natos de defen­sores de ter­ras e do meio ambi­ente em todo o mun­do no ano de 2020, 20 foram no Brasil. Os números do país só são super­a­dos pela Colôm­bia, pelo Méx­i­co e as Fil­ip­inas.

O relatório apon­ta que dire­itos con­sagra­dos na Con­sti­tu­ição e em trata­dos inter­na­cionais foram vio­la­dos por meio da alter­ação de nor­mas e do sucatea­men­to de insti­tu­ições. “A vio­lên­cia começa nos próprios mecan­is­mos estatais de destru­ição das políti­cas públi­cas. Isso se dá com a mudança da leg­is­lação ambi­en­tal e com a par­al­isação da tit­u­lação de ter­ritórios quilom­bo­las, da demar­cação de ter­ras indí­ge­nas e da refor­ma agrária. São proces­sos que foram legit­i­man­do a vio­lên­cia”, avalia Alane. Ela cita ain­da o enfraque­c­i­men­to do Insti­tu­to Nacional de Col­o­niza­ção e Refor­ma Agrária (Incra) como parte dos fatores que fiz­er­am aumen­tar a ten­são no cam­po.

O estu­do tam­bém bus­cou iden­ti­ficar car­ac­terís­ti­cas dos agentes vio­ladores dos dire­itos. Pelo menos 32,7% das ocor­rên­cias envolver­am sujeitos pri­va­dos como empre­sas, madeireiros, fazen­deiros e milí­cias. Out­ras 22,9% tiver­am a par­tic­i­pação de agentes públi­cos como polí­cias, políti­cos, rep­re­sen­tantes de órgãos e admin­is­tração públi­ca e atores do sis­tema de Justiça. Em 44,4%, não há infor­mação.

Proteção

Alane avalia que o lev­an­ta­men­to rev­ela a urgên­cia de se ampli­ar políti­cas capazes de efe­ti­var os dire­itos à ter­ra, ao ter­ritório, à mora­dia, à saúde e à edu­cação. Além dis­so reit­era a neces­si­dade de revisão e for­t­alec­i­men­to do Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos, Comu­ni­cadores e Ambi­en­tal­is­tas. Essa tem sido uma cobrança do Comitê Brasileiro de Defen­so­ras e Defen­sores de Dire­itos Humanos (CBDDH), for­ma­do por 45 enti­dades e movi­men­tos soci­ais de todo o Brasil, incluin­do o Ter­ra de Dire­itos e a Justiça Glob­al. Já existe uma sinal­iza­ção pos­i­ti­va do Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia (MDHC) em torno das deman­das apre­sen­tadas, mas a demo­ra tem inco­moda­do as orga­ni­za­ções.

A inclusão no Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos, Comu­ni­cadores e Ambi­en­tal­is­tas pode ocor­rer por pedi­do do próprio inter­es­sa­do ou por solic­i­tação de enti­dades da sociedade civ­il, do Min­istério Públi­co ou de out­ros órgãos públi­cos que ten­ham con­hec­i­men­to da ameaça. Entre diver­sos mecan­is­mos pre­vis­tos, está o acom­pan­hamen­to das inves­ti­gações e a ofer­ta de assistên­cia jurídi­ca e psi­cológ­i­ca. Em casos excep­cionais, é pre­vista a artic­u­lação da pro­teção poli­cial e a reti­ra­da pro­visória da pes­soa do seu local de atu­ação por até 90 dias. Segun­do o site do gov­er­no fed­er­al, atual­mente há 506 pes­soas inscritas no pro­gra­ma.

A primeira ver­são de um Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos foi lança­da em 2004, mas de lá pra cá ele sofreu diver­sas mod­i­fi­cações. A CBDDH apon­ta que, durante o gov­er­no de Jair Bol­sonaro, ele foi esvazi­a­do de recur­sos e perdeu força insti­tu­cional. As prin­ci­pais reivin­di­cações do comitê são a pari­dade entre sociedade civ­il e gov­er­no no con­sel­ho delib­er­a­ti­vo do pro­gra­ma, a aprovação de uma lei para insti­tu­cional­izá-lo, a cri­ação de um plano nacional de pro­teção e o reforço no orça­men­to.

For­t­ale­cer o Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos, Comu­ni­cadores e Ambi­en­tal­is­tas é inclu­sive uma das deter­mi­nações da Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos, esta­b­ele­ci­das na sen­tença que con­de­nou o Brasil pela vio­lação dos dire­itos à ver­dade e à pro­teção da família de Gabriel Sales Pimen­ta, jovem advo­ga­do assas­si­na­do em 1982, aos 27 anos. Atuan­do na defe­sa dos dire­itos dos tra­bal­hadores rurais, ele foi alve­ja­do por tiros quan­do saía de um bar na cidade de Marabá (PA). Na sen­tença, pub­li­ca­da no ano pas­sa­do, a Corte Inter­amer­i­cana apon­tou fal­has graves do Esta­do brasileiro, que não se mobi­li­zou ade­quada­mente para esclare­cer as cir­cun­stân­cias do crime e punir os envolvi­dos.

Edição: Graça Adju­to

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