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“Avançada”, Lei Maria da Penha faz 19 anos, mas violência não diminuiu

Pesquisadoras citam falta de políticas públicas para efetividade

Luiz Clau­dio Fer­reira – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 07/08/2025 — 08:23
Brasília
Violência contra a mulher, criança e adolescente. Violência doméstica. Foto: Freepick
Repro­dução: © Freep­ick

Os números do últi­mo Anuário de Segu­rança Públi­ca, divul­ga­dos no mês pas­sa­do, expuser­am um con­traste doloroso diante do cenário de mas­sacre de mul­heres brasileiras no âmbito da vio­lên­cia domés­ti­ca.

Por um lado, a quan­ti­dade de crimes não para de crescer. Por out­ro, o País tem uma leg­is­lação con­sid­er­a­da “exem­plar” para coibir e pre­venir ess­es crimes: a Lei Maria da Pen­ha, que com­ple­ta 19 anos nes­ta quin­ta (7).

Tirar a lei do “papel”, no entan­to, ain­da é um desafio. Segun­do avaliam pesquisado­ras ouvi­das pela Agên­cia Brasila efe­tivi­dade da leg­is­lação requer imple­men­tação de políti­cas públi­cas para que as ações conc­re­tas ocor­ram como o pre­vis­to: com medi­das integradas de pre­venção à vio­lên­cia e um sis­tema espe­cial de assistên­cia à mul­her.

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Massacre

O cenário atu­al, entre­tan­to, pode ser esmi­uça­do com os números do últi­mo anuário de segu­rança: são qua­tro fem­i­nicí­dios e mais de 10 ten­ta­ti­vas de assas­si­na­to a cada dia. Em 80% dos casos, o agres­sor era com­pan­heiro ou ex-par­ceiro da víti­ma. 

Ao menos 121 das mortes nos últi­mos dois anos ocor­reram quan­do a víti­ma esta­va sob medi­da pro­te­ti­va de urgên­cia. Essa infor­mação, divul­ga­da pela primeira vez em um anuário, é um dos dados con­sid­er­a­dos mais sim­bóli­cos da difi­cul­dade do poder públi­co de evi­tar novas mortes.

Aliás, das 555 mil medi­das pro­te­ti­vas con­ce­di­das no ano pas­sa­do (que foram 88% das solic­i­tadas), pelo menos 101.656 foram des­cumpri­das pelos agres­sores. 

Medidas protetivas

Pesquisado­ra em dire­ito e soci­olo­gia, Isabel­la Matosin­hos, do Fórum Brasileiro de Segu­rança Públi­ca, acred­i­ta que as medi­das pro­te­ti­vas de urgên­cia, garan­ti­das pela “avança­da” Lei Maria da Pen­ha, per­mitem uma apli­cação ráp­i­da e podem ser capazes de sal­var vidas. O prin­ci­pal instru­men­to que a lei Maria da Pen­ha traz, no entan­to, não tem se mostra­do efi­caz, na opinião de Isabel­la.

“As políti­cas públi­cas pre­cisam pas­sar a olhar para os casos em que ela é infringi­da, em que não dá con­ta de pre­venir uma situ­ação de vio­lên­cia e pro­te­ger uma mul­her. Esse é o desafio: olhar para os casos em que a medi­da pro­te­ti­va é inefi­caz.”

A medi­da pro­te­ti­va de urgên­cia é um mecan­is­mo pre­vis­to na Lei Maria da Pen­ha des­de 2006. Em 2019, sofreu alter­ação para per­mi­tir que a autori­dade poli­cial con­cedesse essas medi­das. Até então, era somente o Judi­ciário que pode­ria faz­er a con­cessão.

A pesquisado­ra con­tex­tu­al­iza ain­da que os dados sobre des­cumpri­men­to e morte de mul­heres quan­do dev­e­ri­am estar pro­te­gi­das podem estar sub­no­ti­fi­ca­dos, uma vez que nem todos os esta­dos envi­am as infor­mações.

Por isso, a lei soz­in­ha não con­segue mudar o cenário. No ano pas­sa­do, o Brasil reg­istrou, pelo menos duas, lig­ações por min­u­to rela­cionadas à vio­lên­cia domés­ti­ca.

O atendi­men­to em rede, con­forme pre­vê a lei, garan­tiria acol­hi­men­to de múlti­p­los setores para a mul­her, tais como os serviços de saúde e assistên­cia social, além da questão da segu­rança públi­ca.

“É muito difí­cil que exista o fun­ciona­men­to inte­gra­do dessas redes”, diz Isabel­la Matosin­hos.

Ela acres­cen­ta que um dos papéis das polí­cias seria man­ter com mais rig­or a fis­cal­iza­ção cotid­i­ana dos agres­sores para evi­tar que se aprox­imem das mul­heres.

Atuação em rede

Pesquisado­ra do Cen­tro de Estu­dos de Crim­i­nal­i­dade e Segu­rança Públi­ca, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Minas Gerais (UFMG), a pro­fes­so­ra Aman­da Lagre­ca, que tam­bém atu­ou no anuário de segu­rança públi­ca, con­sid­era que as políti­cas públi­cas têm que ser real­izadas e imple­men­tadas con­sideran­do à com­plex­i­dade que envolve a real­i­dade de mul­heres brasileiras.

“Isso impor­ta porque as insti­tu­ições devem imple­men­tar de fato essa lei. O poder públi­co pre­cisa pen­sar como a assistên­cia social, a polí­cia e o próprio sis­tema de justiça crim­i­nal estão imple­men­tan­do a leg­is­lação”, salien­ta a Aman­da.

Segun­do avaliam as pesquisado­ras, nas cap­i­tais essa estraté­gia fun­cionar­ia mel­hor para os serviços. Mas, no inte­ri­or, os desafios são maiores: “É pre­ciso que haja inves­ti­men­to do esta­do, dos municí­pios, para que essa rede se sus­tente”, diz Isabel­la.

Ambas ressaltam que a vio­lên­cia con­tra a mul­her atinge víti­mas de todas as class­es soci­ais e regiões. No entan­to, elas apon­tam que, con­forme o próprio anuário de segu­rança públi­ca, 63,6% das víti­mas eram mul­heres negras, e 70,5% entre 18 e 44 anos.

“A maio­r­ia delas são mor­tas den­tro de casa por home­ns. Mul­heres jovens e negras acabam sendo as prin­ci­pais atingi­das”, afir­ma Isabel­la.

Mudança de consciência

As pesquisado­ras argu­men­tam que a Lei Maria da Pen­ha pro­move um olhar com­ple­to para pre­venção por inter­mé­dio de medi­das pro­te­ti­vas pos­síveis, que vão des­de a restrição de con­ta­to com a víti­ma, e pode con­tem­plar tam­bém a par­tic­i­pação do agres­sor em gru­pos reflex­ivos.

“É algo muito impor­tante no sen­ti­do educa­ti­vo. Mas a gente tam­bém tem vis­to uma tendên­cia na leg­is­lação de ‘enfrentar’ o prob­le­ma com aumen­to das penas. No entan­to, a gente pre­cisa avançar mais em políti­cas públi­cas”, adverte a pesquisado­ra da UFMG.

Aman­da Lagre­ca recon­hece o fato de que a Lei Maria da Pen­ha nasceu de deman­das da sociedade civ­il e é um mar­co ao enquadrar a vio­lên­cia con­tra a mul­her como uma vio­lação de dire­itos humanos. Hoje uma luta da sociedade e do poder públi­co é ocu­par espaços de influên­cia, como as esco­las, e out­ros ambi­entes educa­tivos para ensi­nar aos meni­nos ou rapazes que a sociedade não tol­era vio­lên­cia con­tra a mul­her.  

“É uma lei, fru­to de uma luta, que tem quase duas décadas e foi recon­heci­da, inclu­sive pela ONU, como uma das mais impor­tantes do mun­do e um mod­e­lo a ser segui­do no com­bate à vio­lên­cia con­tra as mul­heres”, diz Aman­da Lagre­ca.

Um dos avanços de atu­al­iza­ção da lei foi con­sid­er­ar a vio­lên­cia psi­cológ­i­ca como uma for­ma de agressão. 

Serviço

Para solic­i­tar a medi­da pro­te­ti­va, é necessário que haja um históri­co de vio­lên­cia. Pre­venir as primeiras vio­lên­cias envolve uma mudança cul­tur­al.

As pesquisado­ras con­sid­er­am que a lei surgiu em um momen­to impor­tante da história do Brasil, com o avanço dos dire­itos das mul­heres.

“Esse agrava­men­to da vio­lên­cia de gênero é o grande gar­ga­lo da democ­ra­cia brasileira, no que diz respeito às mul­heres. Elas mor­rem por serem mul­heres. A uti­liza­ção da Lei Maria da Pen­ha con­tin­uará sendo um instru­men­to de com­bate”, con­clui Aman­da.

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