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Fóruns anônimos propagam conteúdos que incitam violência contra mulher

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal jr/Agência Brasil

Posts passaram de 19 por semana para 228 por hora entre 2021 e 2023


Pub­li­ca­do em 23/09/2023 — 09:33 Por Alana Gan­dra – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Em quase metade (46%) das dis­cussões sobre mul­heres em fóruns anôn­i­mos de inter­net, os par­tic­i­pantes usam ter­mos vio­len­tos para se referir a elas. Em dis­cussões sobre pornografia, o índice sobe para 69%. Os dados fazem parte da pesquisa Mis­oginia e Vio­lên­cia con­tra Mul­heres na Inter­net: Um Lev­an­ta­men­to sobre Fóruns Anôn­i­mos, fei­ta pela con­sul­to­ria de dados dig­i­tais Time­lens, por encomen­da do Insti­tu­to Avon.

Foram anal­isa­dos 9,5 mil­hões de posts, em 10 chans (fóruns anôn­i­mos) e 47 aplica­tivos de men­sagens. Em ger­al, os chans não per­mitem a par­tic­i­pação de mul­heres. Ape­nas 0,3% dos posts exam­i­na­dos tin­ham como origem chans que per­mitem a pre­sença de mul­heres.

Nas dis­cussões que envolvem pornografia, out­ro dado chama a atenção: foram mapea­d­os quase 18 mil comen­tários sobre vaza­men­tos ou pedi­dos de vaza­men­to de fotos de pes­soas sem roupa, os chama­dos nudes. Foram anal­isadas dis­cussões ocor­ri­das entre jun­ho de 2021 e jun­ho de 2023. Em entre­vista à Agên­cia Brasil, a dire­to­ra exec­u­ti­va do Insti­tu­to Avon, Daniela Gre­lin, chamou a atenção para o aumen­to do vol­ume de men­sagens de fóruns anôn­i­mos, que têm como regra bási­ca a proibição da par­tic­i­pação de mul­heres. O total de men­sagens evoluiu de 19 por sem­ana para 228 por hora entre 2021 e 2023, o que cor­re­sponde a 38,3 mil posts por sem­ana. “É alar­mante a expan­são desse fenô­meno.”

Abre­vi­ação de chan­nels (canais), os chans são espaços anôn­i­mos de comu­ni­cação, disponíveis em pági­nas da inter­net que os mecan­is­mos de pesquisa não con­seguem iden­ti­ficar. E estão se tor­nan­do cada vez mais pop­u­lares no Brasil. Os fre­quen­ta­dores orga­ni­zam ataques ten­do como prin­ci­pais víti­mas influ­en­ci­ado­ras, cele­bri­dades e pes­soas com maior vis­i­bil­i­dade no meio vir­tu­al. Algu­mas chegam a rece­ber ameaças de morte.

Investigações

Daniela desta­cou a neces­si­dade de inves­ti­gações cien­tí­fi­cas para enten­der o fun­ciona­men­to dess­es fóruns anôn­i­mos e como eles têm poten­cial de levar a vio­lên­cia que, ness­es chans, fica em um grupo restri­to, para um mun­do con­cre­to, real. “A gente vê em casos recentes no Brasil, em alguns ataques em esco­las, como a de Suzano (em São Paulo), que ess­es jovens eram fre­quen­ta­dores de chans, que acabam por se tornar ver­dadeiras ofic­i­nas de rad­i­cal­iza­ção e que começam a banalizar a vio­lên­cia e desumanizar as mul­heres”.  Segun­do Daniela, não é mera coin­cidên­cia que muitos dess­es ati­radores ten­ham tido como alvo meni­nas, “que eles con­sid­er­avam que não eram vir­gens, por exem­p­lo”.

Há uma trans­for­mação cul­tur­al que pre­cede o ato vio­len­to em si e que pas­sa pela desuman­iza­ção da mul­her, sus­ten­tou. Algu­mas letras de funk falam em bater, estuprar. “E isso vai se banal­izan­do”. Aca­ba geran­do uma cul­tura em que, ou as meni­nas aderem, ou acabam sendo excluí­das.

O obje­ti­vo da pesquisa foi mapear dis­cur­sos mis­ógi­nos e práti­cas de vio­lên­cia con­tra mul­heres den­tro dos chans. O sen­ti­men­to de ódio à mul­her vem sendo nutri­do e mul­ti­pli­ca­do ness­es fóruns anôn­i­mos, nos quais não há respon­s­abi­liza­ção, nem per­son­al­iza­ção. “É como se fos­se um local que gera e nutre con­teú­dos ilíc­i­tos, que vai rad­i­cal­izan­do os jovens que, depois, cri­am as cir­cun­stân­cias para que essas coisas migrem para o mun­do real de for­ma muito vio­len­ta.”

Leis

Daniela sug­eriu que, para coibir esse tipo de vio­lên­cia con­tra o sexo fem­i­ni­no, o Brasil deve olhar o que out­ros país­es estão fazen­do e ver que medi­das podem ser adap­tadas aqui. “Porque isso não é uma questão só do Brasil”. Na França, por exem­p­lo, foram imple­men­tadas leis e reg­u­la­men­tos para coibir esse tipo de dinâmi­ca. Para Daniela, as platafor­mas acabam sendo are­nas de propa­gação dess­es con­teú­dos e pre­cisam ser respon­s­abi­lizadas tam­bém, para que reduzam esse tipo de con­teú­do mis­ógi­no que banal­ize a mul­her.

Mis­oginia é o ódio, despre­zo ou pre­con­ceito con­tra mul­heres ou meni­nas. A mis­oginia pode se man­i­fes­tar de várias maneiras, incluin­do exclusão social, dis­crim­i­nação sex­u­al, hos­til­i­dade, patri­ar­ca­do, ideias de priv­ilé­gio mas­culi­no, depre­ci­ação das mul­heres, vio­lên­cia con­tra as mul­heres e objeti­fi­cação sex­u­al. Ness­es fóruns, as mul­heres são retratadas como obje­tos para sat­is­fação sex­u­al e denom­i­nadas como “depósi­to” (de esper­ma).

Pornografia

A dire­to­ra exec­u­ti­va do Insti­tu­to Avon desta­cou que a indús­tria da pornografia não é anôn­i­ma. “Ela atua meio na penum­bra, mas exis­tem gru­pos tril­ionários, que pro­duzem mais con­teú­do e têm mais aces­sos do que o YouTube, do que o Face­book. É uma indús­tria de bil­hões de dólares e de reais que destrói ao mes­mo tem­po as meni­nas e pro­move a cul­tura de desumanizar a mul­her, enquan­to pre­ga a vio­lên­cia.“ E essa indús­tria vai pro­duzin­do cada vez mais con­teú­dos rad­i­cais, vio­len­tos e não con­sen­ti­dos, para se man­ter lucra­ti­va, nova, e para con­tin­uar ali­men­tan­do esse ciclo de vícios que tem con­se­quên­cias muito danosas para as mul­heres em todo o mun­do, acres­cen­tou.

Os fóruns anôn­i­mos têm um grau de sofisti­cação extrema, de tal modo que, quan­do se elim­i­na um, apare­cem out­ros. Segun­do Daniela, o impor­tante é que as forças de inves­ti­gação de polí­cia cien­tí­fi­ca enten­dam a dinâmi­ca do fun­ciona­men­to dess­es chans e come­cem a iden­ti­ficar ali opor­tu­nidades de inter­venção dire­ciona­da e sistêmi­ca. Em para­le­lo, Daniela sug­eriu que seja feito um tra­bal­ho de respon­s­abi­liza­ção cal­ca­da em ciên­cia de dados, inclu­sive, com sofisti­cação tec­nológ­i­ca. “Ao mes­mo tem­po, é pre­ciso que haja um esforço educa­ti­vo dos jovens para dis­si­par os efeitos danosos dessas práti­cas no mun­do con­cre­to, bus­can­do, real­mente, um tra­bal­ho da recon­sci­en­ti­za­ção moral.”

Frequentadores

Emb­o­ra sejam anôn­i­mos, a pesquisa con­seguiu mapear algu­mas car­ac­terís­ti­cas dos fre­quen­ta­dores dos chans anal­isa­dos. Em sua maio­r­ia, são home­ns het­eros­sex­u­ais, na faixa etária de 14 a 40 anos, com maior incidên­cia de jovens com idade entre 20 e 24 anos. Os fre­quen­ta­dores se iden­ti­fi­cam como con­ser­vadores politi­ca­mente, man­i­fes­tam grandes difi­cul­dades socioafe­ti­vas, sen­ti­men­tos de fra­cas­so e rejeição, em espe­cial em relação às mul­heres, e fazem uso de expressões racis­tas e machis­tas. Em seu vocab­ulário, evi­den­ci­am posi­ciona­men­tos mis­ógi­nos e de inci­tação à vio­lên­cia. Ter­mos como chur­ras­car, que sig­nifi­ca mor­rer, e raid, que sig­nifi­ca expor intim­i­dades, são usa­dos com fre­quên­cia.

A pesquisa mostra que, ape­sar da imposição da regra de não com­par­til­har con­teú­dos sobre pornografia infan­til den­tro dos chans, existe uma alta deman­da pelos usuários por con­teú­dos de meni­nas menores de idade, chamadas de nov­in­has e jail bait (isca de cadeia, em tradução livre). Nos gru­pos de aplica­tivos de men­sagens mon­i­tora­dos pela pesquisa, 36% trazi­am como temáti­ca “vaza­men­to” no próprio títu­lo, muitas vezes segui­do pelo ter­mo “nov­in­has”.

Edição: Nádia Fran­co

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