...
sábado ,27 abril 2024
Home / Mulher / Fóruns anônimos propagam conteúdos que incitam violência contra mulher

Fóruns anônimos propagam conteúdos que incitam violência contra mulher

Repro­du­ção: © Mar­cel­lo Casal jr/Agência Bra­sil

Posts passaram de 19 por semana para 228 por hora entre 2021 e 2023


Publi­ca­do em 23/09/2023 — 09:33 Por Ala­na Gan­dra – Repór­ter da Agên­cia Bra­sil — Rio de Janei­ro

ouvir:

Em qua­se meta­de (46%) das dis­cus­sões sobre mulhe­res em fóruns anô­ni­mos de inter­net, os par­ti­ci­pan­tes usam ter­mos vio­len­tos para se refe­rir a elas. Em dis­cus­sões sobre por­no­gra­fia, o índi­ce sobe para 69%. Os dados fazem par­te da pes­qui­sa Miso­gi­nia e Vio­lên­cia con­tra Mulhe­res na Inter­net: Um Levan­ta­men­to sobre Fóruns Anô­ni­mos, fei­ta pela con­sul­to­ria de dados digi­tais Time­lens, por enco­men­da do Ins­ti­tu­to Avon.

Foram ana­li­sa­dos 9,5 milhões de posts, em 10 chans (fóruns anô­ni­mos) e 47 apli­ca­ti­vos de men­sa­gens. Em geral, os chans não per­mi­tem a par­ti­ci­pa­ção de mulhe­res. Ape­nas 0,3% dos posts exa­mi­na­dos tinham como ori­gem chans que per­mi­tem a pre­sen­ça de mulhe­res.

Nas dis­cus­sões que envol­vem por­no­gra­fia, outro dado cha­ma a aten­ção: foram mape­a­dos qua­se 18 mil comen­tá­ri­os sobre vaza­men­tos ou pedi­dos de vaza­men­to de fotos de pes­so­as sem rou­pa, os cha­ma­dos nudes. Foram ana­li­sa­das dis­cus­sões ocor­ri­das entre junho de 2021 e junho de 2023. Em entre­vis­ta à Agên­cia Bra­sil, a dire­to­ra exe­cu­ti­va do Ins­ti­tu­to Avon, Dani­e­la Gre­lin, cha­mou a aten­ção para o aumen­to do volu­me de men­sa­gens de fóruns anô­ni­mos, que têm como regra bási­ca a proi­bi­ção da par­ti­ci­pa­ção de mulhe­res. O total de men­sa­gens evo­luiu de 19 por sema­na para 228 por hora entre 2021 e 2023, o que cor­res­pon­de a 38,3 mil posts por sema­na. “É alar­man­te a expan­são des­se fenô­me­no.”

Abre­vi­a­ção de chan­nels (canais), os chans são espa­ços anô­ni­mos de comu­ni­ca­ção, dis­po­ní­veis em pági­nas da inter­net que os meca­nis­mos de pes­qui­sa não con­se­guem iden­ti­fi­car. E estão se tor­nan­do cada vez mais popu­la­res no Bra­sil. Os fre­quen­ta­do­res orga­ni­zam ata­ques ten­do como prin­ci­pais víti­mas influ­en­ci­a­do­ras, cele­bri­da­des e pes­so­as com mai­or visi­bi­li­da­de no meio vir­tu­al. Algu­mas che­gam a rece­ber ame­a­ças de mor­te.

Investigações

Dani­e­la des­ta­cou a neces­si­da­de de inves­ti­ga­ções cien­tí­fi­cas para enten­der o fun­ci­o­na­men­to des­ses fóruns anô­ni­mos e como eles têm poten­ci­al de levar a vio­lên­cia que, nes­ses chans, fica em um gru­po res­tri­to, para um mun­do con­cre­to, real. “A gen­te vê em casos recen­tes no Bra­sil, em alguns ata­ques em esco­las, como a de Suza­no (em São Pau­lo), que esses jovens eram fre­quen­ta­do­res de chans, que aca­bam por se tor­nar ver­da­dei­ras ofi­ci­nas de radi­ca­li­za­ção e que come­çam a bana­li­zar a vio­lên­cia e desu­ma­ni­zar as mulhe­res”.  Segun­do Dani­e­la, não é mera coin­ci­dên­cia que mui­tos des­ses ati­ra­do­res tenham tido como alvo meni­nas, “que eles con­si­de­ra­vam que não eram vir­gens, por exem­plo”.

Há uma trans­for­ma­ção cul­tu­ral que pre­ce­de o ato vio­len­to em si e que pas­sa pela desu­ma­ni­za­ção da mulher, sus­ten­tou. Algu­mas letras de funk falam em bater, estu­prar. “E isso vai se bana­li­zan­do”. Aca­ba geran­do uma cul­tu­ra em que, ou as meni­nas ade­rem, ou aca­bam sen­do excluí­das.

O obje­ti­vo da pes­qui­sa foi mape­ar dis­cur­sos misó­gi­nos e prá­ti­cas de vio­lên­cia con­tra mulhe­res den­tro dos chans. O sen­ti­men­to de ódio à mulher vem sen­do nutri­do e mul­ti­pli­ca­do nes­ses fóruns anô­ni­mos, nos quais não há res­pon­sa­bi­li­za­ção, nem per­so­na­li­za­ção. “É como se fos­se um local que gera e nutre con­teú­dos ilí­ci­tos, que vai radi­ca­li­zan­do os jovens que, depois, cri­am as cir­cuns­tân­ci­as para que essas coi­sas migrem para o mun­do real de for­ma mui­to vio­len­ta.”

Leis

Dani­e­la suge­riu que, para coi­bir esse tipo de vio­lên­cia con­tra o sexo femi­ni­no, o Bra­sil deve olhar o que outros paí­ses estão fazen­do e ver que medi­das podem ser adap­ta­das aqui. “Por­que isso não é uma ques­tão só do Bra­sil”. Na Fran­ça, por exem­plo, foram imple­men­ta­das leis e regu­la­men­tos para coi­bir esse tipo de dinâ­mi­ca. Para Dani­e­la, as pla­ta­for­mas aca­bam sen­do are­nas de pro­pa­ga­ção des­ses con­teú­dos e pre­ci­sam ser res­pon­sa­bi­li­za­das tam­bém, para que redu­zam esse tipo de con­teú­do misó­gi­no que bana­li­ze a mulher.

Miso­gi­nia é o ódio, des­pre­zo ou pre­con­cei­to con­tra mulhe­res ou meni­nas. A miso­gi­nia pode se mani­fes­tar de vári­as manei­ras, incluin­do exclu­são soci­al, dis­cri­mi­na­ção sexu­al, hos­ti­li­da­de, patri­ar­ca­do, idei­as de pri­vi­lé­gio mas­cu­li­no, depre­ci­a­ção das mulhe­res, vio­lên­cia con­tra as mulhe­res e obje­ti­fi­ca­ção sexu­al. Nes­ses fóruns, as mulhe­res são retra­ta­das como obje­tos para satis­fa­ção sexu­al e deno­mi­na­das como “depó­si­to” (de esper­ma).

Pornografia

A dire­to­ra exe­cu­ti­va do Ins­ti­tu­to Avon des­ta­cou que a indús­tria da por­no­gra­fia não é anô­ni­ma. “Ela atua meio na penum­bra, mas exis­tem gru­pos tri­li­o­ná­ri­os, que pro­du­zem mais con­teú­do e têm mais aces­sos do que o You­Tu­be, do que o Face­bo­ok. É uma indús­tria de bilhões de dóla­res e de reais que des­trói ao mes­mo tem­po as meni­nas e pro­mo­ve a cul­tu­ra de desu­ma­ni­zar a mulher, enquan­to pre­ga a vio­lên­cia.“ E essa indús­tria vai pro­du­zin­do cada vez mais con­teú­dos radi­cais, vio­len­tos e não con­sen­ti­dos, para se man­ter lucra­ti­va, nova, e para con­ti­nu­ar ali­men­tan­do esse ciclo de víci­os que tem con­sequên­ci­as mui­to dano­sas para as mulhe­res em todo o mun­do, acres­cen­tou.

Os fóruns anô­ni­mos têm um grau de sofis­ti­ca­ção extre­ma, de tal modo que, quan­do se eli­mi­na um, apa­re­cem outros. Segun­do Dani­e­la, o impor­tan­te é que as for­ças de inves­ti­ga­ção de polí­cia cien­tí­fi­ca enten­dam a dinâ­mi­ca do fun­ci­o­na­men­to des­ses chans e come­cem a iden­ti­fi­car ali opor­tu­ni­da­des de inter­ven­ção dire­ci­o­na­da e sis­tê­mi­ca. Em para­le­lo, Dani­e­la suge­riu que seja fei­to um tra­ba­lho de res­pon­sa­bi­li­za­ção cal­ca­da em ciên­cia de dados, inclu­si­ve, com sofis­ti­ca­ção tec­no­ló­gi­ca. “Ao mes­mo tem­po, é pre­ci­so que haja um esfor­ço edu­ca­ti­vo dos jovens para dis­si­par os efei­tos dano­sos des­sas prá­ti­cas no mun­do con­cre­to, bus­can­do, real­men­te, um tra­ba­lho da recons­ci­en­ti­za­ção moral.”

Frequentadores

Embo­ra sejam anô­ni­mos, a pes­qui­sa con­se­guiu mape­ar algu­mas carac­te­rís­ti­cas dos fre­quen­ta­do­res dos chans ana­li­sa­dos. Em sua mai­o­ria, são homens hete­ros­se­xu­ais, na fai­xa etá­ria de 14 a 40 anos, com mai­or inci­dên­cia de jovens com ida­de entre 20 e 24 anos. Os fre­quen­ta­do­res se iden­ti­fi­cam como con­ser­va­do­res poli­ti­ca­men­te, mani­fes­tam gran­des difi­cul­da­des soci­o­a­fe­ti­vas, sen­ti­men­tos de fra­cas­so e rejei­ção, em espe­ci­al em rela­ção às mulhe­res, e fazem uso de expres­sões racis­tas e machis­tas. Em seu voca­bu­lá­rio, evi­den­ci­am posi­ci­o­na­men­tos misó­gi­nos e de inci­ta­ção à vio­lên­cia. Ter­mos como chur­ras­car, que sig­ni­fi­ca mor­rer, e raid, que sig­ni­fi­ca expor inti­mi­da­des, são usa­dos com frequên­cia.

A pes­qui­sa mos­tra que, ape­sar da impo­si­ção da regra de não com­par­ti­lhar con­teú­dos sobre por­no­gra­fia infan­til den­tro dos chans, exis­te uma alta deman­da pelos usuá­ri­os por con­teú­dos de meni­nas meno­res de ida­de, cha­ma­das de novi­nhas e jail bait (isca de cadeia, em tra­du­ção livre). Nos gru­pos de apli­ca­ti­vos de men­sa­gens moni­to­ra­dos pela pes­qui­sa, 36% tra­zi­am como temá­ti­ca “vaza­men­to” no pró­prio títu­lo, mui­tas vezes segui­do pelo ter­mo “novi­nhas”.

Edi­ção: Nádia Fran­co

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Brasília (DF) 23/04/2024 – Indígena de várias etnias que participam do Acampamento Terra Livre 2024 marcham na Esplanada dos Ministérios com o eslogam #EmergênciaIndígena: Nossos Direitos não se negociam. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Milhares de indígenas marcham em Brasília

Repro­du­ção: © Mar­ce­lo Camargo/Agência Bra­sil Eles cobram respeito aos direitos dos povos originários Publi­ca­do em …