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Ilustradoras negras lançam versão em quadrinhos de Quarto de Despejo

Repro­dução: © Divulgação/SOMOS Edu­cação

Lançamento marcará passagem dos 110 anos da escritora


Pub­li­ca­do em 03/03/2024 — 12:28 Por Alana Gan­dra – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Escrito a par­tir das memórias da cata­do­ra de papel Car­oli­na Maria de Jesus, o livro Quar­to de Despe­jo vai gan­har nova ver­são neste ano, como história em quadrin­hos (HQ). O lança­men­to, lid­er­a­do por ilustrado­ras negras, comem­o­ra os 110 anos da auto­ra, que se tornou refer­ên­cia na lit­er­atu­ra brasileira, que serão com­ple­ta­dos no dia 14 de março.

A coor­de­nado­ra edi­to­r­i­al de lit­er­atu­ra e infor­ma­tivos da SOMOS Edu­cação, grupo do qual faz parte a edi­to­ra Áti­ca, que pub­li­cou o livro no Brasil, em 1960, Lau­ra Vec­chi­oli do Pra­do, teve a ideia quan­do, em 2020, saiu a edição comem­o­ra­ti­va dos 60 anos do Quar­to de Despe­jo. Foi então lança­da a adap­tação da obra para teatro.

“Queríamos con­tin­uar fazen­do algum tra­bal­ho em cima do Quar­to de Despe­jo. Como é um gênero literário que gera bas­tante inter­esse do públi­co, a ideia foi adap­tá-lo para HQ, com o propósi­to tam­bém de incen­ti­var a leitu­ra já a par­tir do sex­to ou séti­mo ano do ensi­no fun­da­men­tal”, disse Lau­ra à Agên­cia Brasil. A obra é lida pelo públi­co juve­nil do ensi­no médio em diante e, com a ver­são em quadrin­hos, seria pos­sív­el atin­gir um públi­co mais novo, acres­cen­tou Lau­ra.

O livro já está disponív­el para ven­da na inter­net e em algu­mas livrarias. A data dos even­tos de lança­men­to, entre­tan­to, ain­da não foram alin­hadas com as herdeiras de Car­oli­na Maria de Jesus, mas dev­erão acon­te­cer nos próx­i­mos meses.

Artistas negras

A ver­são HQ da obra foi fei­ta por qua­tro artis­tas negras: a roteirista Triscila Oliveira (@afemme1), a ilustrado­ra Vanes­sa Fer­reira (@pretailustra) e as arte-final­is­tas Hely de Brito (@ilustralyly) e Emanuel­ly Arau­jo (@vulgoafronauta).

“Pelo próprio históri­co do livro e da Car­oli­na, a ideia ini­cial, quan­do eu pen­sei na HQ, era traz­er para esse livro mul­heres pre­tas e, de prefer­ên­cia, per­iféri­c­as. Foi aí que começamos a pesquis­ar. Todas elas são mul­heres pre­tas e somente uma não é per­iféri­ca. A gente que­ria dar um espaço para novatas, mas como era um livro de grande importân­cia, uma respon­s­abil­i­dade muito grande, peg­amos mul­heres já expe­ri­entes com HQ, caso da Triscila Oliveira, que já escreve roteiros”.

Nas orel­has e tam­bém den­tro do livro, as qua­tro artis­tas relataram como foi faz­er o livro e a relação delas com o Quar­to de Despe­jo.

Experiência

Para a ilustrado­ra Vanes­sa Fer­reira, ilus­trar o livro de Car­oli­na Maria de Jesus “foi uma lou­cu­ra. É um pro­je­to que a gente soltou em tem­po recorde. Foi mui­ta cor­re­ria, prin­ci­pal­mente na eta­pa final, além do fato de a gente ter que traz­er do imag­inário, ter que con­stru­ir visual­mente uma vivên­cia que mui­ta gente não tem”, disse Vanes­sa à Agên­cia Brasil. “Foi uma exper­iên­cia incrív­el.”

Com 90 pági­nas ilustradas, o livro de HQ deman­daria, nor­mal­mente, em torno de um ano e meio para ficar pron­to, cumprindo todo o proces­so clás­si­co, mas as qua­tro artis­tas con­seguiram final­izá-lo em sete meses.

Quan­do ini­ciou as ilus­trações para o livro, Vanes­sa ver­i­fi­cou que a infân­cia de Car­oli­na e a dela própria tin­ham semel­hanças. Ambas cresce­r­am den­tro de fave­las. “Era, visual­mente, uma história que a gente já con­hecia, mas adap­tar os relatos de Car­oli­na foi muito com­pli­ca­do e em tem­po recorde tam­bém”.

Vanes­sa Fer­reira ressaltou que a difer­ença entre ela e a escrito­ra é que Car­oli­na foi uma cata­do­ra que veio de Minas, e todo o con­hec­i­men­to que teve veio do lixo. “Eu, ape­sar de crescer em um bar­ra­co e vir de uma situ­ação muito pobre, tive uma mãe que fala­va que era muito impor­tante estu­dar. Min­ha mãe zelou por isso na min­ha vida”. No local, não havia pes­soas que tra­bal­has­sem com ilus­tração. “Não havia nem essa palavra, na ver­dade.”

Nasci­da em 1986, na zona sul de São Paulo, Vanes­sa ouvia que tin­ha que ter­mi­nar o colé­gio, arru­mar um emprego na CLT (Con­sol­i­dação das Leis do Tra­bal­ho) e ficar naqui­lo pelo resto da vida. “Nem à fac­ul­dade a gente tin­ha aces­so. Ain­da mais uma pes­soa pre­ta. Gan­har din­heiro com arte? Nun­ca”. Dali para cá, o cenário mudou. “Mudou muito, porque a gama que a gente tem de artis­tas é grande. Jun­tou muito essa galera e a gente faz muito essa tro­ca”. Gente que tin­ha car­reira em out­ras áreas, como a própria Vanes­sa, for­ma­da em pub­li­ci­dade, foi para a ilus­tração, que era uma coisa que ela sem­pre quis exe­cu­tar. “Eu nun­ca parei de desen­har, na ver­dade.”

História

Rio de Janeiro (RJ) - Mostra traz ao público carioca fotos e fatos da vida da escritora Carolina Maria de Jesus. Quarto de Despejo foi a primeira obra da escritora, conhecida mundialmente. Foto: Divulgação/Mostra CMJ
Repro­dução: A escrito­ra Car­oli­na Maria de Jesus — Divulgação/Mostra CMJ

Nasci­da em 14 de março de 1914, em Sacra­men­to, Minas Gerais, Car­oli­na Maria de Jesus mudou-se para a cidade de São Paulo em 1937, onde tra­bal­hou como empre­ga­da domés­ti­ca. Em 1948, foi viv­er na favela do Canindé, onde nasce­r­am seus três fil­hos. Enquan­to viveu ali, a for­ma de sub­sistên­cia dela e dos fil­hos era catar papéis e out­ros mate­ri­ais para reci­clar.

O livro Quar­to de Despe­jo repro­duz o diário em que Car­oli­na nar­ra seu dia a dia em uma comu­nidade pobre da cidade de São Paulo, des­ocu­pa­da para con­strução da Mar­gin­al Tietê, em 1961, por influên­cia da reper­cussão de sua obra. O tex­to é con­sid­er­a­do um dos mar­cos da lit­er­atu­ra fem­i­ni­na no Brasil.

Car­oli­na descreve suas vivên­cias no perío­do de 1955 a 1960 e rela­ta o sofri­men­to e as angús­tias dos habi­tantes da favela, sobre­tu­do a roti­na da fome. Ela se sus­ten­ta­va recol­hen­do papel nas ruas. Quan­do não con­seguia papel, ela e seus fil­hos não comi­am. Sua lin­guagem é obje­ti­va, ao mes­mo tem­po cul­ta e incul­ta, oscilan­do entre um reg­istro pop­u­lar e o dis­cur­so literário.

A tiragem ini­cial de dez mil exem­plares se esgo­tou em ape­nas uma sem­ana. Des­de o lança­men­to, a obra já foi traduzi­da para mais de 13 idiomas. A pub­li­cação é uma edição fei­ta pelo repórter Audálio Dan­tas e pela equipe de edi­toração da Livraria Fran­cis­co Alves, que rece­beu 20 cader­nos escritos por Car­oli­na. Dan­tas sele­cio­nou os tre­chos do diário a serem pub­li­ca­dos e escreveu o pre­fá­cio do livro. Foi ain­da respon­sáv­el pela estraté­gia de divul­gação da obra na impren­sa.

Os dois tex­tos escritos por Audálio Dan­tas na impren­sa são ante­ri­ores à pub­li­cação do livro e tornaram sua auto­ra con­heci­da do grande públi­co. A primeira matéria do jor­nal­ista sobre o livro foi a reportagem de pági­na inteira no jor­nal Fol­ha da Noite, de 9 de maio de 1958, inti­t­u­la­da O dra­ma da favela escrito pela fave­la­da: Car­oli­na Maria de Jesus faz um retra­to sem retoque do mun­do sór­di­do em que vive. Depois, ele pub­li­cou matéria na revista O Cruzeiro, da qual era edi­tor-chefe, com o títu­lo Retra­to da favela no diário de Car­oli­na: a fome fab­ri­ca uma escrito­ra.

Edição: Nádia Fran­co

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