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Livros inspiram enredos de escolas de samba do Rio no carnaval de 2024

Repro­dução: © Ana Cristi­na Vitória/Porto da Pedra

Porto da Pedra e Portela destacam sabedoria popular e saga africana


Pub­li­ca­do em 09/07/2023 — 11:00 Por Cristi­na Indio do Brasil – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Na vol­ta ao Grupo Espe­cial das esco­las de sam­ba do Rio de Janeiro, a Por­to da Pedra escol­heu um enre­do com inspi­ração literária para o des­file do car­naval de 2024. A agremi­ação, tam­bém chama­da de Tigre de São Gonça­lo, por causa do seu sím­bo­lo, vai para a aveni­da com o tema O Lunário Per­pé­tuo: A Proféti­ca do Saber Pop­u­lar.

O iní­cio do tex­to de apre­sen­tação do enre­do cri­a­do pelo car­navale­sco Mau­ro Quin­taes já indi­ca o cam­in­ho do que a esco­la vai levar para a aveni­da. A intenção é val­orizar o saber nos diver­sos con­hec­i­men­tos para pen­sar, dis­cu­tir, refle­tir e ensi­nar algu­ma coisa. O tex­to pub­li­ca­do no site da esco­la desta­ca que o saber pop­u­lar man­i­fes­ta-se em práti­cas que mar­cam a iden­ti­dade de uma comu­nidade, de parte ou do todo de uma sociedade.

O retorno da Por­to da Pedra à elite do car­naval do Rio foi garan­ti­do com o campe­ona­to em 2023 no Grupo da Série Ouro no car­naval de 2023. O títu­lo foi con­quis­ta­do com o enre­do basea­do no livro A Jan­ga­da: 800 Léguas pelo Ama­zonas, escrito por Júlio Verne, que nun­ca pisou em solo brasileiro. A esco­la propôs uma grande aven­tu­ra do imag­inário humano na região e encan­tou o públi­co.

Rio de Janeiro (RJ) - Livros inspiram escolas de samba do Rio nos enredos de 2024. Foto: Ana Cristina Vitória/Porto da Pedra
Repro­dução: Enre­do basea­do em obra de Júlio Verne trouxe a Por­to da Pedra de vol­ta ao Grupo Espe­cial — Ana Cristi­na Vitória/Divulgação

“Depois de ter feito a Invenção da Amazô­nia, que foi o últi­mo enre­do nos­so em que a esco­la foi campeã, e fala­va da visão do Júlio Verne e de uma Amazô­nia que ele nun­ca con­heceu. Des­ta vez, a gente entra no Lunário Per­pé­tuo”, disse Quin­taes em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Segun­do Quin­taes, a escol­ha do enre­do par­tiu de uma infor­mação que ouviu em um pro­gra­ma da Rádio MEC. “A ideia veio enquan­to eu diri­gia e ouvia um espe­cial do Elo­mar, um can­ta­dor dos anos 70 e 80, na Rádio MEC. No pro­gra­ma, eles citaram o Antônio Nóbre­ga na parce­ria com o Armo­r­i­al do Suas­suna [escritor Ari­ano Suas­suna]. Cheguei em casa e fui procu­rar o tra­bal­ho do Nóbre­ga e me deparei com o Lunário Per­pé­tuo, que é dele. O nome me des­per­tou a curiosi­dade e fui faz­er a pesquisa e desco­bri o almanaque Lunário Per­pé­tuo e o trans­formei no enre­do.”

De acor­do com o car­navale­sco, o Lunário Per­pé­tuo foi escrito em 1594, pelo espan­hol Jerón­i­mo Cortés e foi toman­do out­ras for­mas ao lon­go dos anos, ben­e­fi­cian­do-se dos equipa­men­tos de impren­sa cri­a­dos pelo alemão Johannes Guten­berg por vol­ta do ano de 1430, que aju­daram na divul­gação dos almanaques.

É um livro que ori­en­ta sobre astrono­mia, agri­cul­tura, saúde, uso de ervas, mostra qual a mel­hor época para plan­tar. “Era um Google da época, e o que tor­na o nos­so enre­do mais brasileiro, mais nos­so, é que o Lunário Per­pé­tuo chega ao Brasil com a família real. Segun­do o fol­clorista Câmara Cas­cu­do, o Lunário Per­pé­tuo, durante 200 anos, foi o livro mais lido do Nordeste. O Lunário ori­en­tou uma série de ativi­dades lig­adas à natureza no Nordeste brasileiro e, segun­do Câmara Cas­cu­do, tam­bém alfa­bet­i­zou mil­hares de nordes­ti­nos”, rev­el­ou.

Com base nes­sas infor­mações, ele e Diego Araújo começaram a elab­o­rar que a Por­to da Pedra vai levar à Pas­sarela do Sam­ba. Foi fei­ta uma divisão históri­ca da tra­jetória do que chamam, como o músi­co e mul­ti­artista Antônio Nóbre­ga, de “livrin­ho pre­cioso”.

“Abri­mos com os alquimis­tas, que ger­am todo esse proces­so, depois falam­os da chega­da dele [almanaque] ao Brasil, que é a gênese do saber brasileiro, vamos para o pressá­gio dos astros, entramos no Manoel Cabo­clo, que era um grá­fi­co que difundiu tradições e astrolo­gia. Nesse pon­to, já esta­mos no Nordeste. Falam­os da cura da alma, com o Lunário ensi­nan­do a curar através das ben­zedeiras, das fol­has, e aí já vemos algo mais con­tem­porâ­neo, que é o Ari­ano com o armo­r­i­al dos folgue­dos pop­u­lares, e surge no enre­do Antônio Nóbre­ga, na figu­ra do brin­cante e divul­gador do Lunário Per­pé­tuo. Com isso, mostramos uma coisa cronológ­i­ca, que começa na era medieval e vem até a atu­al­i­dade”, disse o car­navale­sco, adi­antan­do que Nóbre­ga, de 71 anos, par­tic­i­pará do des­file.

A Por­to da Pedra vai abrir, no dia 11 de fevereiro, um domin­go, o primeiro dia de des­files no Sam­bó­dro­mo, mas isso não pre­ocu­pa Quin­taes, que con­ta com a força da comu­nidade que envolve a esco­la. Para ele, a desvan­tagem é ser a primeira, quan­do há um públi­co, entre aspas, ain­da ten­tan­do enten­der o que vai ser o car­naval 24.

“O car­naval se per­pet­ua porque é ines­per­a­do. Às vezes, pen­samos que vêm tra­bal­hos ruins e são mar­avil­hosos, ou esper­amos tra­bal­hos mar­avil­hosos e vem coisa ruim. Na teo­ria, é um públi­co frio porque ain­da não sabe o que vai ver. Tentare­mos min­i­mizar trazen­do a comu­nidade de São Gonça­lo para den­tro da Mar­quês de Sapu­caí”, disse o car­navale­sco, desta­can­do que tam­bém o sam­ba enre­do aju­da a comu­ni­cação com o públi­co.

Quan­do a esco­la de São Gonça­lo ascen­deu ao grupo espe­cial, há 26 anos, tam­bém era ele o car­navale­sco, que repetiu o feito em 2023. Quin­taes rev­ela out­ra coin­cidên­cia: o can­tor Van­tuir tam­bém era o intér­prete do sam­ba enre­do naque­la época. “Eu estou ree­screven­do a história. Há 26 anos subi com a Por­to da Pedra, gan­hamos no grupo de aces­so, fomos para o grupo espe­cial e depois con­segui um quin­to lugar. A min­ha vol­ta e a do Van­tuir têm essa mís­ti­ca. Vamos ver se con­seguimos repe­tir a história.”

Ago­ra os com­pos­i­tores estão na fase de elab­o­ração dos sam­bas, e a seleção começa no dia 12 de agos­to, quan­do a Por­to da Pedra inau­gu­ra a nova quadra, depois de grande refor­ma. O car­navale­sco ressaltou que o enre­do foi bem rece­bido pelos inte­grantes e pela comu­nidade do sam­ba. “A expec­ta­ti­va depois da Invenção da Amazô­nia era grande para saber o que viria depois desse troço tão bacana. Acho que con­seguimos, não digo super­ar, mas, pelo menos, nive­lar a Invenção da Amazô­nia com o Lunário Per­pé­tuo”, afir­mou.

Portela

Rio de Janeiro (RJ) - Músicos da escola de samba Portela posam para foto durante uma apresentação da escola.Foto: Divulgação
Repro­dução: Camise­ta usa­da por sam­bis­tas porte­lens­es desta­ca enre­do escol­hi­do pela esco­la para o des­file de 2024 — Portela/Divulgação

Out­ra esco­la que se inspirou no cam­po literário foi a Portela. A esco­la, que em out­ros anos já se apre­sen­tou na aveni­da com enre­dos basea­d­os em livros, escol­heu para 2024 Um Defeito de Cor, obra de Ana Maria Gonçalves. O livro é con­sid­er­a­do um clás­si­co da lit­er­atu­ra afro­fem­i­nista brasileira.

A escrito­ra rece­beu com entu­si­as­mo a notí­cia de que sua obra foi inspi­ração para o enre­do da agremi­ação de Oswal­do Cruz e Madureira, na zona norte do Rio. “É uma hon­ra ter o livro como base para o enre­do da Portela. É uma feli­ci­dade levar a lit­er­atu­ra para pes­soas e lugares que um livro quase nun­ca alcança por si só. Pelo que li do enre­do e pelo que con­ver­sei com os car­navale­scos, são os afe­tos des­per­ta­dos pela mater­nidade, prin­ci­pal­mente a mater­nidade das mães pre­tas. Estou muito curiosa para saber qual é a leitu­ra deles, que não é basea­da no livro, mas em con­ver­sa com o livro. Um recorte do que, para eles, vale a pena salien­tar e traduzir para esta out­ra lin­guagem que é o car­naval”, rev­el­ou a escrito­ra à Agên­cia Brasil em abril, depois do lança­men­to do enre­do.

Em 1966, a Portela foi para a aveni­da com o enre­do Memórias de um Sar­gen­to de Milí­cias, inspi­ra­do em livro de Manuel Antônio de Almei­da. Dois anos depois, escol­heu O Tron­co do Ipê, basea­do em romance de José de Alen­car. Em 1973, foi a vez de Pasár­ga­da, o Ami­go do Rei, com base no poe­ma de Manuel Ban­deira; e em 1975 se apre­sen­tou com Macu­naí­ma, Herói de Nos­sa Gente, basea­do no romance de Mário de Andrade.

Como indi­ca o argu­men­to de apre­sen­tação do enre­do, o son­ho da Portela “está basea­do no prin­ci­pal fator sim­bóli­co que dá con­sistên­cia para ela ser o que é e chegar aonde chegou: o afe­to”. Com isso, a esco­la desta­ca out­ros pon­tos, como a ances­tral­i­dade cul­tua­da no sagra­do fem­i­ni­no e nos ter­reiros de todas as mães. O enre­do tam­bém refaz os cam­in­hos imag­i­na­dos da história da mãe pre­ta, Luiza Mahim. “Esta pode­ria ser a história da mãe de qual­quer um de nós, ou mel­hor dizen­do, é a história das negras mães de todos nós”, apon­tou.

O enre­do pro­pos­to pelos car­navale­scos Antônio Gon­za­ga e André Rodrigues é o primeiro tra­bal­ho dos dois à frente do car­naval da Portela. Gon­za­ga disse que, ape­sar de começarem a tra­bal­har jun­tos há pouco tem­po, ambos já tin­ham von­tade de desen­volver um enre­do basea­do no livro.

“O enre­do da Portela nasceu den­tro da gente e da nos­sa von­tade de falar sobre o que nos une na arte, no sam­ba e nas nos­sas her­anças. Somos dois artis­tas negros fazen­do a cen­tenária Portela. A escol­ha do Um Defeito de Cor foi exata­mente esse encon­tro de tra­jetórias. É um enre­do que nós dois já tín­hamos von­tade de desen­volver, mas só fomos desco­brir isso quan­do nos jun­ta­mos na Portela”, disse Gon­za­ga à Agên­cia Brasil em abril, com o enre­do já divul­ga­do pela esco­la.

Edição: Nádia Fran­co

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