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Neuroblastoma: famílias compartilham dificuldades no acesso a remédios

Repro­dução: © Val­ter Campanato/Agência Brasil

Governo precisa ser demandado para incorporar remédio ao SUS


Pub­li­ca­do em 14/01/2024 — 08:12 Por Mar­i­ana Tokar­nia — Repórter da Agên­cia Brasil  — Rio de Janeiro

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Em 2020, Gio­vana Bas­so, aos 6 anos na época, rece­beu o diag­nós­ti­co de neu­rob­las­toma em está­gio 4, de alto risco. Começou, então, uma luta con­tra esse tipo de câncer, cujos medica­men­tos são recentes e estão entre os mais caros do mun­do. A história dela chegou até a indús­tria far­ma­cêu­ti­ca inter­na­cional e, com o próprio trata­men­to, Gigi abriu por­tas, aju­dan­do a traz­er o medica­men­to naxi­ta­m­abe para o Brasil. A aprovação pela Agên­cia Nacional de Vig­ilân­cia San­itária (Anvisa) viria após o perío­do em que ela fez uso da med­icação, ape­nas em 2023.  

Gio­vana já havia pas­sa­do por cirur­gias e trata­men­tos. A família bus­ca­va novas soluções quan­do encon­trou o medica­men­to recém aprova­do pela agên­cia de ali­men­tos e medica­men­tos dos Esta­dos Unidos (FDA), o naxi­ta­m­abe. Ven­di­do sob o nome Danyelza®, o medica­men­to é uti­liza­do no Cen­tro de Câncer Memo­r­i­al Sloan Ket­ter­ing (MSKCC), um reno­ma­do hos­pi­tal oncológi­co de Nova York. O cus­to, no entan­to, supera o val­or de R$ 1 mil­hão.

Matéria sobre o tratamento contra o neuroblastoma. Na foto: Giovana de rosa, Vinícius de azul, Lucas no colo do pai e Bruna em pé: Giovana faleceu em 2022, aos 8 anos. . Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Na foto: Gio­vana, de rosa, Viní­cius de azul, Lucas no colo do pai e Bruna, mãe das cri­anças, em pé — Arqui­vo pes­soal

O pai de Gio­vana, o engen­heiro civ­il Viní­cius Bas­so, pronta­mente bus­cou infor­mações sobre o trata­men­to e, na pági­na da empre­sa Y‑mAbs, que o pro­duz, encon­trou infor­mações tam­bém sobre o seu fun­dador, Thomas Gad, pres­i­dente e chefe de desen­volvi­men­to e estraté­gia de negó­cios. Gad fun­dou a Y‑mAbs, depois de anos procu­ran­do uma opção efi­caz para o trata­men­to da própria fil­ha, que tam­bém tin­ha neu­rob­las­toma. “Des­de então, Gad pre­tende aju­dar out­ros pacientes e famil­iares a terem aces­so aos mes­mos pro­du­tos”, diz a pági­na da empre­sa.

Bas­so, entrou em con­ta­to com Gad e con­tou a história de Gigi: “Ele dizia que que­ri­am que todos os pacientes tivessem aces­so igual a fil­ha dele teve e eu falei, ‘Olha, você não está con­seguin­do cumprir seu obje­ti­vo. Sou uma pes­soa que não é pobre e não é rica tam­bém e eu não con­si­go com­prar seu remé­dio”, con­ta. Ele expli­cou tam­bém a situ­ação econômi­ca do Brasil e como remé­dios como esse são inacessíveis para a pop­u­lação.

“Nis­so, ele pediu para a equipe lig­ar para a médi­ca [no Brasil] e fiz­er­am a doação de uso com­pas­si­vo”, diz e acres­cen­ta, “a par­tir daí, ele con­tra­tou uma empre­sa para entrar com proces­so de aprovação no Brasil”. Segun­do Bas­so, Gio­vana foi a primeira paciente da Améri­ca Lati­na a rece­ber ser trata­da com o Danyelza®.

Dev­i­do ao nív­el de gravi­dade, Gio­vana fale­ceu em 2022, com 8 anos. No últi­mo post do Insta­gram, onde a família con­ta­va o dia a dia de Gigi e trazia infor­mações sobre o trata­men­to do neu­rob­las­toma, o pai con­ta que logo no iní­cio do trata­men­to, ela disse que esta­va com “saudade do céu”. “Não quer diz­er que não dói, dói muito, mas ain­da assim só temos o que agrade­cer, e hoje agrade­ce­mos que nos­sa fil­ha está no mel­hor lugar do mun­do”, diz o tex­to.

Luta de muitos

cam­pan­ha para arrecadar recur­sos para o trata­men­to de Pedro, fil­ho do indi­genista Bruno Pereira, assas­si­na­do em 2022, lançou luz sobre uma luta con­tra o neu­rob­las­toma, que é tam­bém de muitas out­ras famílias no Brasil. Med­icações usadas no trata­men­to, como o naxi­ta­m­abe (Danyelza®) e o betad­in­u­tux­imabe, con­heci­do pelo nome Qarz­i­ba, não são ofer­ta­dos pelo Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS). São tam­bém med­icações recentes, o Qarz­i­ba foi aprova­do pela Anvisa em 2021. As famílias que não têm condições de com­prá-los pre­cisam obtê-los via plano de saúde — caso ten­ham, e, mes­mo assim, muitas vezes têm o pedi­do nega­do -, ou por vias judi­ci­ais, obten­do decisões que obrigam os planos ou a União a adquiri-los.

Muitas famílias recor­rem tam­bém a vaquin­has para con­seguir os recur­sos para os medica­men­tos que pre­cisam ser impor­ta­dos. Foi o que fez a mãe de Pedro, a antropólo­ga e dire­to­ra do Min­istério dos Povos Indí­ge­nas (MPI), Beat­riz Matos. A cam­pan­ha acabou lançan­do luz não ape­nas sobre o caso, mas sobre a doença e sobre a incidên­cia dela no país. A meta pro­pos­ta foi atingi­da e a família terá din­heiro para com­prar as med­icações. “O caso do Pedro, a gente fica triste de ver mais uma cri­ança, mas, por out­ro lado, ele gan­ha uma força de alcance de mídia. Pelo menos a gente está gan­han­do força para brigar pelas cri­anças que anda pre­cisam”, enfa­ti­za Viní­cius Bas­so.

Júlia Mot­ta, 15 anos, fil­ha da far­ma­cêu­ti­ca Taiane Back­es Mot­ta Medeiros, luta con­tra o câncer pela ter­ceira vez. O primeiro diag­nós­ti­co veio há oito anos. A família saiu de Cas­cav­el (PR), onde mora­va, para São Paulo, onde ela rece­beu o trata­men­to que pre­cisa­va. Taiane teve boas respostas e foi cura­da, mas o câncer rein­cid­iu mais duas vezes. Ela tam­bém pre­cisou do Qarz­i­ba e ago­ra a indi­cação é o naxi­ta­m­abe.

Matéria sobre o tratamento contra o neuroblastoma. Na foto Taiane Motta e Júlia Motta: Júlia luta pela terceira vez contra o câncer. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Taiane e Júlia Mot­ta– Arqui­vo pes­soal

Assim como no caso de Pedro, foi por meio de vaquin­has, doações e de proces­sos judi­ci­ais que a família con­seguiu os medica­men­tos. A mãe diz que espera que todas essas lutas abram cam­in­hos para que out­ras famílias pos­sam ter aces­so mais facil­mente aos medica­men­tos. “Se a história da min­ha fil­ha pud­er aju­dar out­ras cri­anças a con­seguirem tudo isso de uma for­ma mais tran­quila do que foi para nós, eu já vou estar muito feliz e muito real­iza­da, porque é muito difí­cil ir para uma rede social pedir aju­da, pedir din­heiro para as pes­soas, para ten­tar dar uma chance de vida para o seu fil­ho. Se o um pai e uma mãe pud­erem só acom­pan­har seu fil­ho — porque já é um proces­so muito difí­cil você estar ven­do seu fil­ho faz­er todos ess­es trata­men­tos – Se pud­erem ape­nas faz­er isso, seria muito menos trauma­ti­zante”, diz Taiane Medeiros.

Neuroblastoma

O neu­rob­las­toma é o ter­ceiro tipo de câncer mais recor­rente entre cri­anças, depois da leucemia e de tumores cere­brais. É o tumor sóli­do extracra­ni­ano mais comum entre a pop­u­lação pediátri­ca, rep­re­sen­tan­do 8% a 10% de todos os tumores infan­tis.

O trata­men­to varia de acor­do com o risco apre­sen­ta­do para cada paciente. Para aque­les com baixo risco ou inter­mediário, são necessárias cirur­gia e, em alguns casos, quimioter­apia. Para quem tem alto risco, pode haver neces­si­dade da cirur­gia para reti­ra­da do tumor, quimioter­apia e até radioter­apia. O trata­men­to envolve tam­bém a uti­liza­ção de trans­plante de medu­la óssea, com célu­las prove­nientes do próprio paciente. Ess­es pro­ced­i­men­tos são ofer­e­ci­dos pelo SUS.

A maior difi­cul­dade é con­seguir os medica­men­tos, cujos estu­dos demon­stram que aumen­tam as chances de recu­per­ação. A cor­ri­da é con­tra o tem­po, já que os medica­men­tos devem ser usa­dos em eta­pas especi­fi­cas do trata­men­to para que façam o dev­i­do efeito e tam­bém em casos especí­fi­cos. Pesquisa real­iza­da pela Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP) e o Hos­pi­tal Israeli­ta Albert Ein­stein ten­ta reduzir para 20% a dose do betad­in­u­tux­imabe.

Neuroblastoma - infográfico sintomas e destaque. Foto: Arte/EBC
Repro­dução: Arte/EBC
Campanha

A cam­pan­ha para Pedro bateu a meta, mas a arrecadação não ter­mi­nou. Ago­ra, os recur­sos a mais arrecada­dos serão encam­in­hados a out­ras cri­anças, por meio do Fun­do do Neu­rob­las­toma, cri­a­do pela mãe dele em con­jun­to com o Insti­tu­to Ana­Ju. As doações podem ser feitas na inter­net, na pági­na do fun­do.

Insti­tu­to Ana­Ju é uma orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal ded­i­ca­da a assi­s­tir e amparar cri­anças com câncer e doenças raras. O Insti­tu­to foi fun­da­do por Laira dos San­tos Iná­cio, após a morte da fil­ha, Ana Júlia, de 10 anos, em agos­to de 2023, três anos após ser diag­nos­ti­ca­da com neu­rob­las­toma.

“A gente se uniu para faz­er um fun­do, com o qual vamos con­seguir traz­er med­icações pra essas cri­anças, por con­ta dessa fal­ta de apoio. Muitas mães que estão par­tic­i­pan­do desse fun­do estão com proces­so [na Justiça] há quase um ano, para con­seguir o Qarz­i­ba, que é a med­icação que o Pedro pre­cisa. E a cri­ança não pode esper­ar 60 dias após o trans­plante”, diz a fun­dado­ra do Insti­tu­to Ana­Ju.

Brasília, (DF) - 12/01/2024 - A fundadora do Instituto Anaju, Laira Inácio, posa para foto em sua residência. Foto Valter Campanato/Agência Brasil.
Repro­dução: Detal­he da casa da fun­dado­ra do Insti­tu­to Ana­ju, Laira Iná­cio — Val­ter Campanato/Agência Brasil

Ela con­hece bem a difi­cul­dade das famílias. “Eu fui para a inter­net com a cara e com a cor­agem porque eu não tin­ha mais saí­da. Foram 12 proces­sos [na Justiça], des­de a primeira quimioter­apia, que o plano de saúde negou. Daí começou o primeiro proces­so. Foi uma luta. Eu nun­ca tive paz para viv­er real­mente o trata­men­to. Foi uma luta des­de o diag­nós­ti­co até o final, até quan­do a Ana Júlia par­tiu e quan­do a gente con­seguiu chegar de fato à med­icação”, diz Laira Iná­cio. A med­icação veio por decisão judi­cial, quan­do já não havia mais tem­po.

Matéria Neuroblatoma. Na foto Laira e Ana Júlia. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução:  Na foto Laira e Ana Júlia — Arqui­vo pes­soal

A fun­dado­ra do insti­tu­to diz que hoje ten­ta pas­sar para as pes­soas a própria história, para infor­mar e aler­tar a pop­u­lação. “Quan­to mais rápi­do se desco­bre o câncer e se tem o diag­nós­ti­co pre­coce, a chance de cura é muito mais alta. Então, é muito impor­tante a gente levar infor­mação e ten­tar mostrar para as pes­soas que têm cam­in­hos para lutar tam­bém, mes­mo quan­do fecham as por­tas”. Ela acres­cen­ta que o proces­so de Ana Júlia serve hoje de refer­ên­cia para out­ros proces­sos, para que out­ras cri­anças pos­sam obter a med­icação.

Ministério da Saúde

Procu­ra­do, o Min­istério da Saúde infor­mou que ain­da que os medica­men­tos betad­in­u­tux­imabe (Qarz­i­ba) e naxi­ta­m­abe (Danyelza) ten­ham obti­do reg­istro da Anvisa, não foram, até o momen­to, deman­da­dos para análise da Comis­são Nacional de Incor­po­ração de Tec­nolo­gias no Sis­tema Úni­co de Saúde (Conitec).

A solic­i­tação de avali­ação de tec­nolo­gias para que os remé­dios pos­sam ser dis­tribuí­dos pela rede públi­ca pode ser fei­ta por qual­quer insti­tu­ição ou pes­soa físi­ca, como por exem­p­lo, por uma empre­sa fab­ri­cante, uma sociedade médi­ca ou de pacientes, áreas téc­ni­cas do Min­istério da Saúde, de Sec­re­tarias Estad­u­ais e Munic­i­pais de Saúde. Segun­do a pas­ta, no entan­to, as deman­das devem preencher os req­ui­si­tos doc­u­men­tais exigi­dos legal­mente.

Ain­da segun­do a pas­ta, o secretário sub­sti­tu­to de Ciên­cia e Tec­nolo­gia, Lean­dro Safa­tle, esclare­ceu que “o critério para aprovação de uma nova ter­apia é a eficá­cia, e não o preço. O cus­to even­tual­mente mais alto não é impedi­ti­vo para a incor­po­ração. É pre­ciso que o medica­men­to ou trata­men­to apre­sente resul­ta­dos”.

Para que uma tec­nolo­gia em saúde seja incor­po­ra­da no SUS e dis­tribuí­do na rede públi­ca de saúde, é necessário que ela seja avali­a­da pela Conitec. A Comis­são atua sem­pre que deman­da­da, e asses­so­ra o Min­istério da Saúde nas decisões rela­cionadas à incor­po­ração e/ou exclusão de tec­nolo­gias no SUS. Quan­do provo­ca­da, a Comis­são anal­isa as evidên­cias cien­tí­fi­cas rela­cionadas à tec­nolo­gia, con­sideran­do aspec­tos como eficá­cia, acurá­cia, efe­tivi­dade e a segu­rança, além da avali­ação econômi­ca com­par­a­ti­va dos bene­fí­cios e dos cus­tos em relação às tec­nolo­gias já exis­tentes e o impacto orça­men­tário para o SUS. Para isso, é necessário que a tec­nolo­gia em questão já ten­ha reg­istro de com­er­cial­iza­ção da Anvisa, e, no caso de medica­men­tos, que já ten­ha o preço máx­i­mo esta­b­ele­ci­do pela Câmara de Reg­u­lação do Mer­ca­do de Medica­men­tos (CMED).

Atual­mente, de acor­do como Min­istério, o SUS ofer­ece qua­tro lin­has de trata­men­to oncológi­co às cri­anças com neu­rob­las­toma. A cada ano, o SUS real­iza, em média, 1.604 sessões de quimioter­apia para tratar neu­rob­las­toma em cri­anças.

Edição: Aline Leal

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