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Pesquisa revela graves problemas na aplicação da Lei de Drogas

Repro­du­ção: © Gabri­el Jabur/Agência Bra­sil

Maioria dos presos, julgados e sentenciados é o jovem não branco


Publi­ca­do em 22/09/2023 — 16:01 Por Fabío­la Simin­bú — Repór­ter da Agên­cia Bra­sil — Bra­sí­lia

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Racis­mo ins­ti­tu­ci­o­nal, fal­ta de infor­ma­ções em pro­ces­sos, pou­ca inves­ti­ga­ção e ile­ga­li­da­de em abor­da­gens poli­ci­ais foram alguns dos pro­ble­mas apon­ta­dos em rela­ção a apli­ca­ção da Lei de Dro­gas (Lei 11.343/2006), por uma pes­qui­sa rea­li­za­da pela Secre­ta­ria Naci­o­nal de Polí­ti­cas sobre Dro­gas e Ges­tão de Ati­vos (Senad) do Minis­té­rio da Jus­ti­ça e Segu­ran­ça Públi­ca (MJSP) e o Ins­ti­tu­to de Pes­qui­sa Econô­mi­ca Apli­ca­da (Ipea). Os dados divul­ga­dos nes­ta sex­ta-fei­ra (22) são base­a­dos em mais de 5 mil pro­ces­sos de sen­ten­ci­a­dos por trá­fi­co de dro­gas, em 2019.

O secre­tá­rio naci­o­nal de Aces­so à Jus­ti­ça, do MJSP, Mari­val­do Perei­ra, des­ta­cou a impor­tân­cia de o gover­no come­çar a apli­car polí­ti­cas públi­cas com base em dados cien­tí­fi­cos, para que as leis pos­sam ser efe­ti­va­das de for­ma efi­caz. “Sob nenhu­ma pers­pec­ti­va, hoje, a for­ma como a Lei de Dro­gas é imple­men­ta­da é boa para soci­e­da­de. Ela não reduz a vio­lên­cia, ela não pro­te­ge a saú­de públi­ca, ela não resol­ve abso­lu­ta­men­te nada. A gen­te está tiran­do recur­so públi­co do con­tri­buin­te para pio­rar a soci­e­da­de”.

Brasília (DF) 03/08/2023 - Secretário de Acesso à Justiça do MJ, Marivaldo Pereira, na apresentação do relatório do grupo de trabalho (GT) de combate ao racismo no esporte. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil.
Repro­du­ção: Secre­tá­rio de Aces­so à Jus­ti­ça do MJSP, Mari­val­do Perei­ra — Foto: Wil­son Dias/Agência Bra­sil

Racismo

Dados reve­la­dos pela pes­qui­sa apon­tam que o tra­ta­men­to dado à popu­la­ção em geral é dife­ren­te, depen­den­do de quem come­te o cri­me de trá­fi­co de dro­gas, sen­do mais pre­so, jul­ga­do e sen­ten­ci­a­do, o jovem não bran­co e de bai­xa esco­la­ri­da­de. Além dis­so, há uma dife­ren­ça entre a for­ma como o sis­te­ma de jus­ti­ça cri­mi­nal e o sis­te­ma de segu­ran­ça públi­ca atu­am.

A pes­qui­sa apon­tou que o per­fil dos pro­ces­sa­dos, em sua mai­o­ria, é de jovens abai­xo de 30 anos de ida­de, que repre­sen­tam 73,6% des­se uni­ver­so nas jus­ti­ças esta­du­ais e 42,5% na Jus­ti­ça Fede­ral. Quan­do obser­va­do o nível de esco­la­ri­da­de, a mai­o­ria têm, no máxi­mo, o ensi­no fun­da­men­tal, sen­do 68,4% na esfe­ra esta­du­al e 42,5% na Jus­ti­ça Fede­ral, e 68,7% são não bran­cos nos pro­ces­sos esta­du­ais e 68,1% têm esse per­fil raci­al na esfe­ra fede­ral.

“Um jovem negro com 50 gra­mas de maco­nha é pre­so por trá­fi­co, mas um povo bran­co com um heli­cóp­te­ro com 480 qui­los de pas­ta base de cocaí­na não é pre­so”, des­ta­ca Maria Tere­za San­tos, pre­si­den­te da Asso­ci­a­ção de Ami­gos e Fami­li­a­res de Pes­so­as em Pri­va­ção de Liber­da­de.

A quan­ti­da­de de dro­gas apre­en­di­das com os pro­ces­sa­dos tam­bém evi­den­cia a dife­ren­ça de atu­a­ção dos sis­te­mas nas esfe­ras de gover­no. Enquan­to nos pro­ces­sos esta­du­ais a média apre­en­di­da é de 85 gra­mas de can­na­bis e 25 gra­mas de cocaí­na, quan­do as for­ças e de segu­ran­ça fede­ral atu­am, essa média sobe ver­ti­gi­no­sa­men­te para 14,5 qui­los e 6,6 qui­los, res­pec­ti­va­men­te.

Usuários

05/06/2023 - Brasília-DF - A secretária nacional de políticas sobre drogas e gestão de ativos, Marta Machado, durante lançamento do Edital de Financiamento
Repro­du­ção: Secre­tá­ria naci­o­nal de Polí­ti­cas sobre Dro­gas, Mar­ta Macha­do — Foto: Antô­nio Cruz/Agência Bra­sil

“Vemos que a Jus­ti­ça esta­du­al foca em pes­so­as mais vul­ne­ra­bi­li­za­das e apre­en­sões de bai­xa quan­ti­da­de. Os dados apon­tam para um per­fil de peque­no vare­jo nes­sa ins­tân­cia, ou até mes­mo em usuá­ri­os clas­si­fi­ca­dos como tra­fi­can­tes, de for­ma equi­vo­ca­da”, ana­li­sa Mar­ta Macha­do, secre­tá­ria naci­o­nal de Polí­ti­cas sobre Dro­gas.

De for­ma geral, 49% dos réus pro­ces­sa­dos afir­mam ser usuá­rio ou depen­den­tes de dro­gas e 30% ale­gam que a dro­ga apre­en­di­da se des­ti­na­va ao uso pes­so­al.

Mar­ta ain­da cha­ma a aten­ção para a lacu­na de infor­ma­ções nos pro­ces­sos, já que a pes­qui­sa enfren­tou a ausên­cia de infor­ma­ções sobre cor, raça e esco­la­ri­da­de dos pro­ces­sa­dos, que levam os pes­qui­sa­do­res a enten­der que o resul­ta­do des­se estu­do ain­da pode ser subes­ti­ma­do.

Investigação

Brasília - Parte das drogas e dinheiro apreendidos pela Polícia Civil do DF na operação “Delivery”, contra o tráfico de drogas durante o carnaval no Distrito Federal. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Repro­du­ção: Dro­gas e dinhei­ro apre­en­di­dos pela Polí­cia Civil do Dis­tri­to Fede­ral — Foto: Mar­ce­lo Camargo/Agência Bra­sil

O alto núme­ro de pro­ces­sos resul­tan­tes de pri­sões em fla­gran­te tam­bém cha­ma a aten­ção para a pou­ca inves­ti­ga­ção. Esse tipo de abor­da­gem repre­sen­tou 76% das pri­sões fei­tas por poli­ci­ais mili­ta­res e 19,1% da atu­a­ção da polí­cia civil nos casos de trá­fi­co de dro­ga. Qua­se sem­pre são fla­gran­tes moti­va­dos por “com­por­ta­men­to sus­pei­to”, segun­do 32,5% dos rela­tos poli­ci­ais. Denún­ci­as anô­ni­mas moti­va­ram 30,9% das abor­da­gens.

Inconstitucionalidade

Os pes­qui­sa­do­res apon­ta­ram ain­da que nes­sas abor­da­gens 49% resul­tam de entra­das em domi­cí­lio, das quais ape­nas 15% com man­da­do judi­ci­al. A bus­ca domi­ci­li­ar sem man­da­do de Jus­ti­ça repre­sen­tou cer­ca de 41% dos pro­ces­sos.

Segun­do Mar­ta Macha­do, esses dados apon­tam ile­ga­li­da­de nes­sas abor­da­gens, já que fere a pró­pria Cons­ti­tui­ção Fede­ral no seu arti­go 5º, que tra­ta da invi­o­la­bi­li­da­de da vida pri­va­da.

De acor­do com os pes­qui­sa­do­res, esses dados for­ta­le­cem a neces­si­da­de de um apro­fun­da­men­to na revi­são das polí­ti­cas públi­cas para o setor. “É pre­men­te dis­cu­tir­mos a garan­tia dos direi­tos fun­da­men­tais a todas pes­so­as que estão envol­vi­das nes­ses casos, de modo que elas sejam tra­ta­das com equi­da­de, inde­pen­den­te­men­te da sua cor ou raça, da sua ori­gem soci­al, e há urgên­cia tam­bém em dis­cu­tir­mos esse encar­ce­ra­men­to em mas­sa de pes­so­as jovens, em geral de cor pre­ta, peri­fé­ri­ca, de bai­xa esco­la­ri­da­de, enquan­to o nar­co­trá­fi­co se for­ta­le­ce como cri­me orga­ni­za­do”, aler­ta Luse­ni Aqui­no, dire­to­ra do Ipea.

Edi­ção: Fer­nan­do Fra­ga

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