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Linguagem reforça preconceito e barreiras para pessoas com deficiência

Repro­du­ção: © Arquivo/Agência Bra­sil

Especialistas falam sobre o tema no Dia da Pessoa com Deficiência


Publi­ca­do em 21/09/2023 — 08:27 Por Elai­ne Patrí­cia Cruz — Repór­ter da Agên­cia Bra­sil — São Pau­lo

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O uso de lin­gua­gem ou expres­sões capa­ci­tis­tas não só refor­ça o pre­con­cei­to como aju­da a ampli­ar as difi­cul­da­des com que a pes­soa com defi­ci­ên­cia se depa­ra no dia a dia. Essa foi a refle­xão levan­ta­da por vári­os pro­fis­si­o­nais que par­ti­ci­pa­ram da roda de con­ver­sa Lin­gua­gem e comu­ni­ca­ção não capa­ci­tis­ta na prá­ti­ca, pro­mo­vi­da ter­ça-fei­ra (20) pela Secre­ta­ria dos Direi­tos da Pes­soa com Defi­ci­ên­cia de São Pau­lo no Museu da Inclu­são, na capi­tal pau­lis­ta.

A roda de con­ver­sa é par­te da pro­gra­ma­ção do Dia Naci­o­nal da Pes­soa com Defi­ci­ên­cia, come­mo­ra­do nes­ta quin­ta-fei­ra (21). Entre uma série de ações pro­gra­ma­das, even­tos gra­tui­tos que ocor­re­rão na sede da secre­ta­ria estão com ins­cri­ções aber­tas.

“As pes­so­as com defi­ci­ên­cia têm diver­sas bar­rei­ras e uma delas é a da comu­ni­ca­ção. E a lin­gua­gem capa­ci­tis­ta evi­den­cia uma cul­tu­ra que ain­da não traz a visão de que a pes­soa com defi­ci­ên­cia é uma cida­dã como qual­quer outra, sujei­ta a obri­ga­ções e direi­tos. A lin­gua­gem capa­ci­tis­ta é aque­la que, de algu­ma for­ma, dimi­nui essa con­di­ção do cida­dão”, dis­se Mar­cos da Cos­ta, secre­tá­rio dos Direi­tos da Pes­soa com Defi­ci­ên­cia do esta­do de São Pau­lo, em entre­vis­ta à Agên­cia Bra­sil. “Essa é uma dis­cus­são mui­to séria e mui­to impor­tan­te por­que demons­tra que a for­ma de se diri­gir a uma pes­soa com defi­ci­ên­cia é a ima­gem que se cons­trói ou não de cida­da­nia”.

Algu­mas expres­sões mui­to usa­das no dia a dia, como “deu uma de João sem bra­ço”, “como cego em tiro­teio”, “por­ta­dor de neces­si­da­des espe­ci­ais” ou “dei­xa de ser retar­da­do”, são exem­plos do que cha­ma­mos de lin­gua­gem capa­ci­tis­ta. Tra­tar uma pes­soa com defi­ci­ên­cia como “coi­ta­da” é outro exem­plo des­se tipo de lin­gua­gem pre­con­cei­tu­o­sa.

“A lin­gua­gem capa­ci­tis­ta é toda men­sa­gem que a gen­te cons­trói de for­ma que refor­ce um pre­con­cei­to rela­ci­o­na­do à defi­ci­ên­cia ou a um este­reó­ti­po rela­ci­o­na­do à defi­ci­ên­cia”, expli­cou Ana Cla­ra Sch­nei­der, fun­da­do­ra e dire­to­ra exe­cu­ti­va da agên­cia Son­dery, uma con­sul­to­ria de aces­si­bi­li­da­de cri­a­ti­va.

Segun­do ela, essa lin­gua­gem capa­ci­tis­ta ocor­re, em geral, de duas for­mas: como supe­ra­ção ou viti­mis­mo. “Esses são os dois extre­mos. Mas há um inter­va­lo entre eles com mui­tos outros exem­plos que pas­sam pela infan­ti­li­za­ção ou assis­ten­ci­a­lis­mo”, dis­se Ana Cla­ra.

Para Sil­va­na Perei­ra Gime­nes, coor­de­na­do­ra do pro­gra­ma de Empre­go Inclu­si­vo da Secre­ta­ria de Direi­tos da Pes­soa com Defi­ci­ên­cia do Esta­do de São Pau­lo, esse uso de lin­gua­gem decor­re de um ima­gi­ná­rio popu­lar que pre­ci­sa ser supe­ra­do e com­ba­ti­do.

“Nin­guém quer ser capa­ci­tis­ta, nin­guém quer ser racis­ta, nin­guém quer ser sexis­ta. Mas não fomos ensi­na­dos a não ser. O racis­mo, o sexis­mo e toda for­ma de pre­con­cei­to estão no nos­so ima­gi­ná­rio. E para supe­rar esse ima­gi­ná­rio, leva-se um tem­po. E essa mudan­ça só se pro­ces­sa quan­do a gen­te men­ta­li­zar isso”, afir­mou Sil­va­na.

“A lin­gua­gem capa­ci­tis­ta dá foco à dife­ren­ça da defi­ci­ên­cia, cri­an­do esse pre­con­cei­to, essa dife­ren­ci­a­ção, que vem de um viés incons­ci­en­te e de um juí­zo de valor que é par­tir do prin­cí­pio de que uma pes­soa com defi­ci­ên­cia é menos capaz, menos pro­fis­si­o­nal”, com­ple­tou Ana Cla­ra. “Os pre­con­cei­tos são estru­tu­rais e vêm des­se ima­gi­ná­rio popu­lar. E mui­to do que fal­ta a esse ima­gi­ná­rio popu­lar é a comu­ni­ca­ção. Pre­ci­sa­mos reco­nhe­cer a res­pon­sa­bi­li­da­de soci­al e o poten­ci­al de impac­to de uma comu­ni­ca­ção. E esse impac­to pode ser posi­ti­vo ou nega­ti­vo. A par­tir do momen­to em que a gen­te não des­cons­trói os este­reó­ti­pos, auto­ma­ti­ca­men­te esta­re­mos refor­çan­do-os. Se não somos inten­ci­o­nal­men­te mais aces­sí­veis, man­te­mos as bar­rei­ras. Quan­do fala­mos em mudan­ças, em cul­tu­ra e em aces­si­bi­li­da­de, esta­mos falan­do des­se lugar de apren­di­za­do”, refor­çou.

Combater o capacitismo

Para com­ba­ter o capa­ci­tis­mo do voca­bu­lá­rio é pre­ci­so, ini­ci­al­men­te, ouvir as pes­so­as com defi­ci­ên­cia. “Um con­ta­to mais pró­xi­mo com pes­so­as com defi­ci­ên­cia evi­ta pro­ble­mas de comu­ni­ca­ção”, des­ta­cou o ator e digi­tal influ­en­cer Fábio de Sá, duran­te o even­to. “A comu­ni­ca­ção é um prin­cí­pio da con­di­ção huma­na e a gen­te sem­pre con­se­gue que­brar essa bar­rei­ra des­de que haja von­ta­de para isso”, res­sal­tou.

Sil­va­na des­ta­cou que é pre­ci­so tam­bém que as pes­so­as se poli­ci­em para que expres­sões capa­ci­tis­tas sejam eli­mi­na­das de seus voca­bu­lá­ri­os. “Não é que que­re­mos colo­car a dita­du­ra do poli­ti­ca­men­te cor­re­to. Mas por que usar ter­mos que ofen­dem o outro? Você pre­ci­sa bus­car melho­rar sem­pre. E a melho­ra está em cor­ri­gir erros de fala e de lin­gua­gem”.

Outros aspec­tos que aju­dam na eli­mi­na­ção des­se capa­ci­tis­mo, dis­se o secre­tá­rio dos Direi­tos da Pes­soa com Defi­ci­ên­cia, pas­sam por uma edu­ca­ção vol­ta­da para a inclu­são e a “cons­tru­ção pró-ati­va de não só evi­tar cer­tas expres­sões mas, ao con­trá­rio, uti­li­zar outras que mos­tram res­pei­to, a impor­tân­cia e a inclu­são de todos”.

Tam­bém é pre­ci­so enten­der que eli­mi­nar o capa­ci­tis­mo na lin­gua­gem tem de ser um esfor­ço con­tí­nuo. “Isso pre­ci­sa se tor­nar um hábi­to. A aces­si­bi­li­da­de tem que ser inten­ci­o­nal e con­sis­ten­te”, afir­mou Ana Cla­ra.

“Pre­ci­sa­mos come­çar a olhar a defi­ci­ên­cia como um tra­ço, uma carac­te­rís­ti­ca. Sem­pre digo que todo ser huma­no anda. Pos­so andar com dois pés, pos­so andar com dois pés e uma ben­ga­la, com dois pés e um anda­dor ou pos­so andar por meio de rodas, seja uma cadei­ra ou uma maca. A capa­ci­da­de é um con­cei­to cri­a­do por pes­so­as que valo­ri­za­vam o cor­po per­fei­to e que remon­ta à cul­tu­ra gre­ga. Hoje a gen­te já enten­de que todas as pes­so­as são capa­zes. Cada pes­soa exe­cu­ta as tare­fas de for­ma dife­ren­te e isso não sig­ni­fi­ca inca­pa­ci­da­de. Então, usar uma lin­gua­gem que valo­ri­ze as pes­so­as é exce­len­te. É uma rela­ção em que todos vão ganhar”, dis­se Sil­va­na.

Edi­ção: Gra­ça Adju­to

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