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Exames revelam presença de mercúrio em amostras de cabelo de yanomamis

Repro­du­ção: © Igor Evangelista/MS

Resultados da pesquisa da Fiocruz foram divulgados nesta quinta-feira


Publicado em 04/04/2024 — 07:58 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Uma pes­qui­sa rea­li­za­da pela Fun­da­ção Oswal­do Cruz (Fio­cruz) indi­ca que a con­ta­mi­na­ção por mer­cú­rio afe­ta qua­se toda a popu­la­ção de nove aldei­as yano­ma­mis situ­a­das em Rorai­ma. Os resul­ta­dos, divul­ga­dos nes­ta quin­ta-fei­ra (4), foram obti­dos a par­tir da aná­li­se de amos­tras de cabe­los colhi­das em outu­bro de 2022. De acor­do com os pes­qui­sa­do­res, o estu­do mos­tra uma situ­a­ção pre­o­cu­pan­te e con­tri­bui para apro­fun­dar o conhe­ci­men­to sobre os impac­tos do garim­po ile­gal de ouro na região.

“Exis­tem metais, como o zin­co, o fer­ro e o selê­nio, que tem uma impor­tân­cia para o orga­nis­mo. Eles estão envol­vi­dos no meta­bo­lis­mo do ser huma­no. O fer­ro, por exem­plo, faz par­te da for­ma­ção da hemo­glo­bi­na. Mas o mer­cú­rio não desem­pe­nha nenhum papel no meta­bo­lis­mo huma­no. Por isso, ele é con­si­de­ra­do um con­ta­mi­nan­te quí­mi­co. E a ciên­cia vem des­de os anos 1950 acu­mu­lan­do evi­dên­ci­as sobre seus efei­tos dele­té­ri­os para a saú­de”, expli­ca Pau­lo Bas­ta, pes­qui­sa­dor da Fio­cruz.

O estu­do, inti­tu­la­do Impac­to do mer­cú­rio em áre­as pro­te­gi­das e povos da flo­res­ta na Amazô­nia: uma abor­da­gem inte­gra­da saú­de-ambi­en­te, teve o apoio da orga­ni­za­ção não gover­na­men­tal Ins­ti­tu­to Soci­o­am­bi­en­tal (ISA) e mobi­li­zou duas ins­tân­ci­as da Fio­cruz: a Esco­la Naci­o­nal de Saú­de Públi­ca Ser­gio Arou­ca e a Esco­la Poli­téc­ni­ca de Saú­de Joa­quim Venân­cio. As aldei­as envol­vi­das no estu­do situ­am-se na região do Alto Rio Muca­jaí e reú­nem yano­ma­mis do sub­gru­po ninam.

PF e ICMBio desativam garimpos ilegais que ameaçavam linhas de transmissão de energia no Pará. Foto: Polícia Federal/Divulgação
Repro­du­ção: PF e ICM­Bio desa­ti­vam garim­pos ile­gais  — Polí­cia Federal/divulgação

Ao todo, foram exa­mi­na­das 287 amos­tras de cabe­lo de indi­ví­du­os de vari­a­das fai­xas etá­ri­as, incluin­do cri­an­ças e ido­sos. Em 84% delas, foram encon­tra­dos níveis de mer­cú­rio aci­ma de 2,0 micro­gra­mas de mer­cú­rio por gra­ma de cabe­lo (µg/g). Nes­sa fai­xa já é obri­ga­tó­ria a noti­fi­ca­ção dos casos no Sis­te­ma de Infor­ma­ção de Agra­vos de Noti­fi­ca­ção (Sinan), atra­vés do qual são pro­du­zi­das esta­tís­ti­cas ofi­ci­ais que bali­zam as medi­das a serem ado­ta­das no âmbi­to do Sis­te­ma Úni­co de Saú­de (SUS).

Além dis­so, cha­ma aten­ção que, em 10,8% das aná­li­ses, os níveis fica­ram aci­ma de 6,0 µg/g. A pes­qui­sa indi­ca a neces­si­da­de de aten­ção espe­ci­al com essa par­ce­la da popu­la­ção. Os pes­qui­sa­do­res apon­tam que os mai­o­res níveis de expo­si­ção foram detec­ta­dos em indí­ge­nas que vivem nas aldei­as loca­li­za­das mais pró­xi­mas aos garim­pos ile­gais.

A Ter­ra Yano­ma­mi ocu­pa mais de 9 milhões de hec­ta­res e se esten­de pelos esta­dos de Rorai­ma e do Ama­zo­nas. É a mai­or reser­va indí­ge­na do país. Os resul­ta­dos do Cen­so 2022 divul­ga­dos pelo Ins­ti­tu­to Bra­si­lei­ro de Geo­gra­fia e Esta­tís­ti­ca (IBGE) apon­tam que mais de 27 mil indí­ge­nas vivem nes­sa área.

A pre­sen­ça do garim­po ile­gal nes­se ter­ri­tó­rio é um pro­ble­ma de déca­das. O mer­cú­rio é usa­do no pro­ces­so de sepa­ra­ção do ouro dos demais sedi­men­tos. Sen­do uma ati­vi­da­de clan­des­ti­na, que bus­ca dri­blar a fis­ca­li­za­ção, geral­men­te não são ado­ta­dos cui­da­dos ambi­en­tais. O mer­cú­rio aca­ba sen­do des­pe­ja­do nos rios e entra na cadeia ali­men­tar dos pei­xes e de outros ani­mais. Além da con­ta­mi­na­ção, o avan­ço do garim­po ile­gal tem sido rela­ci­o­na­do com outros pro­ble­mas de saú­de enfren­ta­dos pelas popu­la­ções yano­ma­mis, tais como a des­nu­tri­ção e o aumen­to de dife­ren­tes doen­ças, sobre­tu­do a malá­ria.

Em janei­ro do ano pas­sa­do, a reper­cus­são da cri­se huma­ni­tá­ria viven­ci­a­da nes­sas aldei­as gerou uma como­ção naci­o­nal. Segun­do dados do Minis­té­rio dos Povos Indí­ge­nas, ape­nas em 2022, mor­re­ram 99 cri­an­ças yano­ma­mis com menos de cin­co anos, na mai­o­ria dos casos por des­nu­tri­ção, pneu­mo­nia e diar­reia. Então recém-empos­sa­do, o gover­no lide­ra­do pelo pre­si­den­te Luís Iná­cio Lula da Sil­va anun­ci­ou uma série de ações gover­na­men­tais, incluin­do o com­ba­te às ati­vi­da­des clan­des­ti­nas. No entan­to, pas­sa­dos mais de um ano, o garim­po ile­gal con­ti­nua ocor­ren­do no ter­ri­tó­rio.

De acor­do com Pau­la Bas­ta, a pre­sen­ça de mer­cú­rio no orga­nis­mo pode afe­tar qual­quer local do cor­po huma­no e qual­quer órgão. Há rela­tos de danos, por exem­plo, aos rins, ao fíga­do e ao sis­te­ma car­di­o­vas­cu­lar, geran­do aumen­to da pres­são arte­ri­al e ris­co de infar­to. Mas o mai­or afe­ta­do geral­men­te é o sis­te­ma ner­vo­so cen­tral. Pau­lo Bas­ta obser­va que os sin­to­mas geral­men­te come­çam bran­dos e evo­lu­em e que, mui­tas vezes, há difi­cul­da­de para reco­nhe­cer que eles estão asso­ci­a­dos à expo­si­ção ao mer­cú­rio.

“No cére­bro, ele pro­vo­ca lesões defi­ni­ti­vas, irre­ver­sí­veis. Adul­tos sub­me­ti­dos à expo­si­ção crô­ni­ca podem ter alte­ra­ções sen­si­ti­vas que envol­vem alte­ra­ções na sen­si­bi­li­da­de das mãos e dos pés, na audi­ção, no pala­dar. Pode envol­ver tam­bém insô­nia e ansi­e­da­de. Tam­bém pode haver alte­ra­ções moto­ras, que inclu­em pro­ble­mas de ton­tu­ra, de equi­lí­brio, de mar­cha. Pode ter sin­to­mas seme­lhan­tes à Sín­dro­me de Par­kin­son. E há tam­bém alte­ra­ções cog­ni­ti­vas, incluin­do per­da de memó­ria, difi­cul­da­de de arti­cu­la­ção de raci­o­cí­nio. Pode che­gar a um qua­dro simi­lar ao da doen­ça de Alzhei­mer”, diz o pes­qui­sa­dor.

Ele obser­va, porém, que os mais vul­ne­rá­veis são cri­an­ças e mulhe­res ida­de fér­til, sobre­tu­do ges­tan­tes. O mer­cú­rio pode gerar má for­ma­ção do feto e até levar ao abor­to. Já as cri­an­ças podem apre­sen­tar pro­ble­mas no desen­vol­vi­men­to motor e no apren­di­za­do. Os pes­qui­sa­do­res che­ga­ram a rea­li­zar um tes­te de coe­fi­ci­en­te de inte­li­gên­cia envol­ven­do 58 cri­an­ças.

“O que se espe­ra de uma popu­la­ção nor­mal é que o coe­fi­ci­en­te de inte­li­gên­cia médio seja em tor­no de 100 pon­tos. E o que veri­fi­ca­mos com as cri­an­ças yano­ma­mis foi um coe­fi­ci­en­te de inte­li­gên­cia médio de 68. Mais de 30 pon­tos abai­xo da média que era espe­ra­da. Isso deno­ta um défi­cit cog­ni­ti­vo. E os indí­ci­os nos suge­rem que esse défi­cit tem rela­ção com a expo­si­ção ao mer­cú­rio, sobre­tu­do no perío­do pré-natal”, afir­ma Pau­lo Bas­ta.

Recomendações

Os pes­qui­sa­do­res fazem uma série de reco­men­da­ções com base no cená­rio encon­tra­do duran­te os estu­dos. Como ações emer­gen­ci­ais, men­ci­o­nam inter­rup­ção ime­di­a­ta do garim­po e do uso do mer­cú­rio, desin­tru­são de inva­so­res e a cons­tru­ção de uni­da­des de saú­de em pon­tos estra­té­gi­cos da Ter­ra Yano­ma­mi. Além dis­so, o estu­do tam­bém indi­ca como neces­sá­ri­as ações espe­cí­fi­cas para as popu­la­ções expos­tas: ras­tre­a­men­to de comu­ni­da­des afe­ta­das, rea­li­za­ção de diag­nós­ti­cos labo­ra­to­ri­ais, ela­bo­ra­ção de pro­to­co­los de tra­ta­men­to de qua­dros de into­xi­ca­ção e cri­a­ção de um cen­tro de refe­rên­cia para acom­pa­nha­men­to de casos crô­ni­cos ou com seque­las reco­nhe­ci­das.

RETROSPECTIVA_2023 - Agentes do SUS prestam socorro aos Yanomamis. - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­du­ção: Agen­tes do SUS pres­tam socor­ro aos Yano­ma­mis. — Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Bra­sil

“Não adi­an­ta ape­nas inter­rom­per o garim­po. É a pri­mei­ra coi­sa a ser fei­ta. Mas não é sufi­ci­en­te, por­que o mer­cú­rio já está pre­sen­te no ambi­en­te. Mes­mo que nun­ca mais seja des­pe­ja­do mer­cú­rio no ter­ri­tó­rio, o que já está lá vai per­ma­ne­cer por 120 anos”, des­ta­ca Pau­lo Bas­ta.

A Con­ven­ção de Mina­ma­ta, apro­va­da em 2013 pela Orga­ni­za­ção das Nações Uni­das (ONU), reco­nhe­ceu os ris­cos asso­ci­a­dos à expo­si­ção ao mer­cú­rio e fixou medi­das para con­tro­lar sua dis­po­si­ção. Foram esta­be­le­ci­das diver­sas res­tri­ções de uso que for­ça­ram mudan­ças, por exem­plo, na indús­tria de lâm­pa­das, de car­vão mine­ral, de equi­pa­men­tos de saú­de. A Orga­ni­za­ção Mun­di­al da Saú­de (OMS) aler­ta que níveis aci­ma de 6 µg/g podem tra­zer séri­as con­sequên­ci­as à saú­de, prin­ci­pal­men­te a gru­pos vul­ne­rá­veis.

Pau­la Bas­ta obser­va que, no caso da Ter­ra Yano­ma­mi, a ausên­cia de indús­tri­as nos per­mi­te afir­mar que o res­pon­sá­vel pela pre­sen­ça do mer­cú­rio é o garim­po ile­gal. Cha­ma aten­ção que o estu­do não detec­tou con­ta­mi­na­ção nas 14 amos­tras de água ana­li­sa­das. Por outro lado, as 47 amos­tras de pei­xe regis­tra­ram alta con­cen­tra­ção de mer­cú­rio, sobre­tu­do em espé­ci­es car­ní­vo­ras apre­ci­a­das na Amazô­nia como man­du­pé e pira­nha.

“O mer­cú­rio tem uma den­si­da­de mui­to mais ele­va­da com a água. Então ele não se mis­tu­ra com a água com faci­li­da­de. Ele vai se depo­si­tar no fun­do, se mis­tu­rar com a lama. E lá ele vai sofrer um pro­ces­so que envol­ve bac­té­ri­as e vai se trans­for­mar no metil­mer­cú­rio. Esse metil­mer­cú­rio é o que vai ingres­sar na cadeia ali­men­tar. Ele vai ser absor­vi­do pelas algas, por peque­nos crus­tá­ce­os, por pei­xes, por jaca­rés. E o ser huma­no se ali­men­tan­do prin­ci­pal­men­te do pes­ca­do aca­ba se con­ta­mi­nan­do tam­bém”, expli­ca o pes­qui­sa­dor.

Outros problemas

Tam­bém foram rea­li­za­dos tes­tes para esti­mar a pre­va­lên­cia de doen­ças infec­ci­o­sas e para­si­tá­ri­as. Mais de 80% dos par­ti­ci­pan­tes rela­ta­ram ter tido malá­ria ao menos uma vez na vida, com uma média de três epi­só­di­os da doen­ça por indi­ví­duo. Em 11,7% dos indi­ví­du­os tes­ta­dos, foi pos­sí­vel iden­ti­fi­car casos sem mani­fes­ta­ções clí­ni­cas evi­den­tes, carac­te­rís­ti­cas comuns em áre­as de alta trans­mis­são da doen­ça. De acor­do com os pes­qui­sa­do­res, a aber­tu­ra de cavas pelos garim­pei­ros favo­re­ce o sur­gi­men­to de reser­va­tó­ri­os para lar­vas de mos­qui­tos. Des­sa for­ma, nota-se um cres­ci­men­to de casos não ape­nas de malá­ria, mas tam­bém de leish­ma­ni­o­se e de outras arbo­vi­ro­ses.

Operação Ágata prende 18 garimpeiros ilegais em território Yanomami. Foto: Ministério da Defesa/Divulgação
Repro­du­ção: Ope­ra­ção Ága­ta pren­de 18 garim­pei­ros ile­gais em ter­ri­tó­rio Yano­ma­mi. Foto: Minis­té­rio da Defesa/Divulgação

Outro dado alar­man­te é refe­ren­te à cober­tu­ra vaci­nal. Ape­nas 15,5% das cri­an­ças esta­vam com a cader­ne­ta de imu­ni­za­ção em dia. Além dis­so, mais de 25% das cri­an­ças meno­res de 11 anos tinham ane­mia e qua­se meta­de apre­sen­ta­ram des­nu­tri­ção agu­da. Em 80%, foram cons­ta­ta­dos défi­cits de esta­tu­ra para ida­de, o que suge­re, de acor­do com os parâ­me­tros da OMS, um esta­do de des­nu­tri­ção crô­ni­ca.

Pau­lo Bas­ta des­ta­ca que o garim­po ile­gal ope­ra com máqui­nas pesa­das. Usam retro­es­ca­va­dei­ra, bal­sas, heli­cóp­te­ros e outros equi­pa­men­tos. “A pri­mei­ra pro­vi­dên­cia do garim­po é a devas­ta­ção da flo­res­ta, a mudan­ça do cur­so dos rios, a esca­va­ção da ter­ra. Isso pro­vo­ca alte­ra­ções no sis­te­ma local. Ani­mais de gran­de por­te con­si­de­ra­dos ali­men­tos para os povos indí­ge­nas, como a anta e a paca, fogem des­sas regiões. As áre­as des­ti­na­das ao plan­tio, à cole­ta, ao extra­ti­vis­mo são afe­ta­das. Esse pro­ces­so traz escas­sez de ali­men­tos para as popu­la­ções tra­di­ci­o­nais”, diz Pau­la Bas­ta.

Edi­ção: Aécio Ama­do

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