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Maternidade na adolescência afeta mais jovens indígenas

Repro­du­ção: © Rove­na Rosa/Agência Bra­sil

Elas têm também menos acesso ao acompanhamento pré-natal


Publi­ca­do em 12/04/2023 — 08:47 Por Vini­cius Lis­boa — Repór­ter da Agên­cia Bra­sil — Rio de Janei­ro

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As ado­les­cen­tes indí­ge­nas são as mais afe­ta­das pela gra­vi­dez antes da mai­o­ri­da­de e as que têm menos aces­so ao acom­pa­nha­men­to pré-natal, mos­tra pes­qui­sa divul­ga­da nes­ta sema­na pela Fun­da­ção Oswal­do Cruz (Fio­cruz). Entre os bebês nas­ci­dos de mulhe­res indí­ge­nas de 2008 a 2019, qua­se 30% tive­ram jovens indí­ge­nas de 10 a 19 anos como mães.

O estu­do foi fei­to em par­ce­ria entre o Ins­ti­tu­to de Saú­de Cole­ti­va da Uni­ver­si­da­de Fede­ral da Bahia (UFBA), o Cen­tro de Inte­gra­ção de Dados e Conhe­ci­men­tos para Saú­de (Cidacs/Fiocruz Bahia) e o Fun­do de Popu­la­ção das Nações Uni­das (Unf­pa). São uti­li­za­dos dados do Sis­te­ma de Infor­ma­ções sobre Nas­ci­dos Vivos (Sinasc) e do Sis­te­ma de Infor­ma­ção de Agra­vos de Noti­fi­ca­ção (Sinan-Data­sus), do Minis­té­rio da Saú­de.

O núme­ro de bebês nas­ci­dos de mães ado­les­cen­tes entre 2008 e 2019 che­ga a 6.118.205, e, em 95,14% dos casos, as mães tinham entre 15 e 19 anos. A fai­xa etá­ria mais nova, de 10 a 14 anos, cor­res­pon­de a menos de 5% das ges­ta­ções, mas é des­ta­ca­da na pes­qui­sa por “for­tes evi­dên­ci­as de gra­vi­dez rela­ci­o­na­da a situ­a­ções de vio­lên­cia sexu­al”, segun­do a Fio­cruz. De acor­do com a pes­qui­sa, essas ado­les­cen­tes tive­ram 296 mil bebês no perío­do.

Mães indígenas

A pes­qui­sa resul­tou em uma car­ti­lha, divul­ga­da em feve­rei­ro, em que cons­tam deta­lhes dos anos estu­da­dos pelos cien­tis­tas. Segun­do o estu­do, a por­cen­ta­gem de nas­ci­dos vivos de mães ado­les­cen­tes com 15 a 19 anos caiu de 2008 a 2019 entre todas as raças, mas se man­te­ve está­vel aci­ma dos 25% entre as ado­les­cen­tes indí­ge­nas. Isso sig­ni­fi­ca que, a cada qua­tro bebês indí­ge­nas, um tinha a mãe nes­sa fai­xa etá­ria. Entre as par­das, hou­ve que­da de 22,76% para 16,77%; entre as pre­tas, de 18,81% para 13,19%; e, entre as bran­cas, de 16,26% para 9,18%.

Na fai­xa etá­ria mais nova, de 10 a 14 anos, o índi­ce entre as indí­ge­nas come­çou o perío­do pes­qui­sa­do em 3,46% e, 11 anos depois, caiu pou­co, para 3,27%, enquan­to todas os outros recor­tes de raça estão abai­xo 1%. No caso das meni­nas bran­cas, o per­cen­tu­al é de 0,34%.

“Sem entrar no méri­to das dis­cus­sões sobre rela­ti­vis­mo cul­tu­ral, faz-se neces­sá­rio obser­var que a pers­pec­ti­va da gra­vi­dez na ado­les­cên­cia de indí­ge­nas encon­tra o desa­fio da dis­cus­são étni­co-cul­tu­ral, sobre o pró­prio con­cei­to de meni­nas, ado­les­cen­tes e mulhe­res, bem como o pro­ces­so de tran­si­ção entre essas fases”, indi­ca o estu­do. “Isso pos­to, faz-se neces­sá­rio bus­car mai­or deta­lha­men­to de infor­ma­ções no pro­ces­so de cons­tru­ção de evi­dên­ci­as e ela­bo­ra­ção de polí­ti­cas públi­cas foca­dos em povos indí­ge­nas. O res­pei­to à auto­no­mia, não vio­lên­cia e o direi­to de deci­são das meni­nas é prin­cí­pio fun­da­men­tal no aces­so e frui­ção dos direi­tos repro­du­ti­vos”.

A frequên­cia de mater­ni­da­de na ado­les­cên­cia tam­bém é mai­or no Nor­te e Nor­des­te. Cer­ca de 24% dos nas­ci­dos vivos no Nor­te no perío­do pes­qui­sa­do, são de jovens de 15 a 19 anos, enquan­to no Nor­des­te o per­cen­tu­al che­ga a 20%. No Cen­tro-Oes­te, são 17%; no Sul, 15%; e  no Sudes­te, 14,5%.

As mães de 10 a 14 anos do Nor­te tive­ram 1,54% dos bebês nas­ci­dos na região naque­le perío­do, enquan­to, para as do Sudes­te, o per­cen­tu­al foi de 0,59%.

Sem pré-natal

O aces­so a con­sul­tas duran­te a ges­ta­ção tam­bém tem desi­gual­da­des raci­ais apon­ta­das pela pes­qui­sa. Entre as ado­les­cen­tes indí­ge­nas que tive­ram bebês entre os 10 e 14 anos, 10% não tive­ram nenhu­ma con­sul­ta de pré-natal. Entre as meni­nas pre­tas e par­das da mes­ma ida­de, 3,6% e 3,3%, res­pec­ti­va­men­te, não tive­ram acom­pa­nha­men­to. Entre as bran­cas, a fal­ta de aces­so foi rela­ta­da por 1,9%.

No gru­po de mães indí­ge­nas de 15 a 19 anos, somen­te 26,6% das ado­les­cen­tes tive­ram aces­so a pelo menos sete con­sul­tas pré-natais, per­cen­tu­al que che­ga a 64,3% no caso das ado­les­cen­tes bran­cas que foram mães na mes­ma fai­xa etá­ria.

A pes­qui­sa expli­ca que um pré-natal de qua­li­da­de, com a quan­ti­da­de ade­qua­da de con­sul­tas, é fator de pro­mo­ção de par­tos segu­ros e sau­dá­veis e de redu­ção dos casos de mor­tes mater­nas. O tex­to acres­cen­ta que “ado­les­cen­tes, mui­tas vezes, demo­ram mais a ter a pri­mei­ra con­sul­ta de pré-natal e podem ter menos con­sul­tas ao lon­go da ges­ta­ção”. Os moti­vos para isso podem estar rela­ci­o­na­dos à mai­or difi­cul­da­de de iden­ti­fi­car, pro­ces­sar emo­ci­o­nal e soci­al­men­te a gra­vi­dez e difi­cul­da­de de aces­sar o ser­vi­ço. As pes­qui­sa­do­ras apon­tam que tam­bém pode haver influên­cia de estig­mas em rela­ção à mater­ni­da­de na ado­les­cên­cia e fal­ta de aco­lhi­men­to.

Casamentos infantis

No perío­do ana­li­sa­do pelas pes­qui­sa­do­ras, do total de mães ado­les­cen­tes, 29,2% viven­ci­a­vam algum tipo de rela­ção con­ju­gal, seja casa­men­to ou união con­sen­su­al. Esse índi­ce foi mai­or entre jovens indí­ge­nas, che­gan­do a 42% entre as mães com 15 a 19 anos, e a 31% no caso das que tinham de 10 a 14 anos quan­do tive­ram filhos.

A Con­ven­ção das Nações Uni­das sobre os Direi­tos da Cri­an­ça (CRC) con­si­de­ra casa­men­to infan­til a união envol­ven­do, pelo menos, um côn­ju­ge abai­xo de 18 anos. O estu­do expli­ca que essas uniões pre­co­ces ame­a­çam a vida e a saú­de das meni­nas, limi­tan­do suas pers­pec­ti­vas de futu­ro e pro­vo­can­do ges­ta­ções enquan­to ain­da são ado­les­cen­tes. Com isso, aumen­ta o ris­co de com­pli­ca­ções na gra­vi­dez ou no par­to e a mor­ta­li­da­de nes­sa fai­xa etá­ria.

“As evi­dên­ci­as mos­tram que casa­men­tos pre­co­ces na Amé­ri­ca Lati­na são, em sua mai­o­ria, infor­mais e con­sen­su­ais, fre­quen­te­men­te envol­ven­do homens adul­tos e meni­nas na fase da infân­cia e ado­les­cên­cia. Na região, o Bra­sil se des­ta­ca pelo ran­king ele­va­do em núme­ros abso­lu­tos”, diz a car­ti­lha. “Embo­ra a Lei 13.811/2019 (que alte­rou o Códi­go Civil Bra­si­lei­ro) proí­ba expres­sa­men­te o casa­men­to de ado­les­cen­tes meno­res de 16 anos, a prá­ti­ca per­ma­ne­ce ain­da rela­ti­va­men­te fre­quen­te, por diver­sas razões estru­tu­ran­tes, entre elas a pobre­za per­sis­ten­te e as desi­gual­da­des de gêne­ro, raça/cor e etnia. Embo­ra tan­to meni­nos quan­to meni­nas viven­ci­em uniões pre­co­ces, meni­nas são sig­ni­fi­ca­ti­va­men­te mais afe­ta­das por essa prá­ti­ca”.

Um total de 69.418 aten­di­men­tos em ser­vi­ços de saú­de decor­ren­tes de vio­lên­cia sexu­al con­tra meni­nas e ado­les­cen­tes foram regis­tra­dos no país, segun­do dados de 2015 a 2019, levan­ta­dos pela pes­qui­sa no Sinan. As meni­nas de 10 a 14 anos foram as prin­ci­pais víti­mas (66,92%) des­ses casos.

Ado­les­cen­tes negras (pre­tas e par­das) foram as que mais sofre­ram vio­lên­cia sexu­al, com 64,18% do total de casos, segun­do o estu­do. A cada 10 casos, seis acon­te­ce­ram na resi­dên­cia das víti­mas (63%).

Edi­ção: Gra­ça Adju­to

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